domingo, 1 de junho de 2014

Comunicação ao IV Encontro de História de Sintra

Abaixo reproduzo o essencial da minha comunicação como Presidente da Alagamares-Associação Cultural, ao IV Encontro de História de Sintra, que decorreu no Palácio Valenças em 29 e 30 de Maio:


"Exmos. Senhores

Pela quarta vez, depois de 1993,1997 e 2007, se vai realizar um Encontro de História de Sintra, desta feita sujeito ao tema “Historiadores Sintrenses”, numa homenagem aos inúmeros estudiosos da temática sintrense, e, curiosamente, com início no dia em que decorrem 127 anos do falecimento de um dos mais importantes entre eles, o 2º Visconde de Juromenha, autor da célebre e incontornável Cintra Pinturesca. Falecidos ou ainda vivos, foi através deles que os Estudos Sintrenses se desenvolveram, das Artes à Política, da Arquitectura às Ciências Sociais.

A Alagamares, associação criada em Sintra em 2005 com mais de 350 associados e mais de 120 eventos realizados neste período, entre colóquios, tertúlias, caminhas históricas e pedonais, workshops, etc, tem vindo a intervir ao longo destes anos activamente em áreas como a defesa do património, promoção de obras de autores sintrenses, consagrados e inovadores, divulgando a nossa História e tradições e cultivando a cidadania sintrense, num apego não só aos valores locais que definem a nossa idiossincrasia, mas abraçando igualmente uma cosmovisão do mundo como um todo, e da cultura como acto inteiro e global. Como tal, não podia deixar de promover este evento, sete anos depois de ter organizado o III Encontro.

Neste evento, para o qual contamos com o saber dos mais profícuos autores de temas relacionados com Sintra, seus espaços e  tempos, procurámos reunir a comunidade científica local,  investigadores de grande qualidade e com anos de devoção e visão crítica, almejando contrariar a não inscrição atávica de que padece ainda a sociedade portuguesa, nas acertadas palavras de José Gil, bem como dar a conhecer novos e inéditos contributos para a História Local, assim dinamizando a nossa vida cultural  e o debate em torno de temas novos e sedutores e de clássicos nunca definitivamente estudados.

Pretende-se com esta iniciativa continuar a contribuir para a construção de um espaço cultural público local e plural, contra a retórica que mais não faz mais que perpetuar a inércia e o fechamento sobre si próprios de muitas estruturas e agentes da nossa vida cultural, ignorando que a Cultura é de todos e para todos. Quem melhor poderá contribuir para as necessárias e urgentes alterações políticas, sociais e culturais senão os agentes culturais, na sua diversidade de interesses? E assim procedendo, não estaremos a contribuir para a cidadania livre por oposição à reverência domesticada, na prossecução de uma biopolítica em estreita conexão com as actividades criativas e o mundo da investigação?

Há que estimular os sistemas culturais urbanos, designadamente nas cidades de média dimensão com a valia histórica e a herança de Sintra, e aí, cabe às instituições como as Câmaras Municipais, entre outras, assumir um papel de catalisadoras e facilitadoras dos processos criativos, artísticos e culturais promovidos pela sociedade civil, o que ocorre com este evento.

A revitalização cultural de Sintra passa pela criação de sinergias e parcerias entre os agentes culturais rumo a um paradigma de cidade criativa, aprofundando a conjugação de 3 linhas de força a que Richard Florida no seu livro The Rise of the Creative Class chamou os 3 T:Talento,Tolerância e Tecnologia. Os passos a dar passam, não pela proliferação de eventos culturais vindos de fora, mas, pela disponibilização de espaços que possam ser centros de criatividade, encontro e troca de informações, ateliers e estúdios onde se possam instalar associações e pequenas empresas, fomentando uma economia criativa, nas mais diversas áreas e onde possa haver uma virtuosa partilha de informação. Este conceito catapultou já cidades antes adormecidas para novos paradigmas, como Sheffield, em Inglaterra e Helsínquia, com o seu Design Distrit. Porque não Sintra?

A Cultura contribui hoje de forma relevante para o PNB, como recentes estudos o demonstraram. Sintra Criativa, firmada num legado maior, o da Sintra Humanista, pode ser essa Marca, apostando na Economia da Cultura num território pleno de condições naturais, população jovem e criativa, e factores de localização que podem gerar efeitos multiplicadores com repercussões em toda a actividade económica.

Depois do case study que constituiu a recuperação do Chalé da Condessa d’Edla, para o qual a Alagamares se mobilizou fortemente nos últimos anos, e tendo esses desideratos como meta, continuaremos a promover o estudo e preservação do património de Sintra, com especial enfoque nos alertas para o património em risco, valorizando o ordenamento do território, a arquitectura de qualidade, os valores paisagísticos e o turismo sustentável, com respeito pelos habitats naturais, o meio ambiente e o nosso valioso legado histórico. Salientamos, pela sua urgência, uma intervenção necessária na Quinta da Ribafria, em degradação acelerada, no Convento dos Capuchos, no casal de S. Domingos, na casa de Francisco Costa, e em geral, em todo o património arqueológico em risco, bem como a resolução do problema do trânsito e estacionamento no Centro Histórico, ainda hoje um dos problemas pendentes e sempre presente nos relatórios da UNESCO sobre o estado da Paisagem Cultural Em respeito, aliás, pelo propugnado pela declaração de Aranjuez que apela à participação dos cidadãos na defesa activa do património, acompanhando as tarefas de recuperação onde as haja numa parceria virtuosa com as autoridades gestoras desse mesmo património.

Nesse fio condutor, acompanharemos igualmente o estudo e discussão dos planos de ordenamento do território, nomeadamente a revisão do PDM de Sintra, do plano da Orla Costeira Sintra-Sado, do PNSC ou o de Groer, e outros,com promoção de sessões públicas de acompanhamento e esclarecimento, para tanto institucionalizado um Painel de Intervenção Cívica de composição multidisciplinar visando observar, listar e procurar resolver situações onde esteja em causa o bem-estar e o desenvolvimento a nível social, cultural, ambiental, patrimonial e económico em Sintra, elaborando uma lista de risco de casos prioritários e procurando reunir com os intervenientes e moderar a resolução dos casos mais prementes. O diálogo e os contributos críticos e positivos são uma imagem de marca da Alagamares, quando, sendo impossível o diálogo tenha de usar a pressão e legítima denúncia na praça pública, promovendo as iniciativas que se mostrem necessárias junto das entidades competentes, sempre com espirito construtivo e pró-activo, de parceiro e não inimigo.

Sendo a Alagamares-Associação Cultural cultora da memória colectiva, os vultos de Sintra estarão sempre na nossa agenda e apreço mencionando-se a título de exemplo o quanto Sintra deve a figuras como M. S. Lourenço, Bartolomeu Cid dos Santos ou Carlos de Oliveira Carvalho, o Carvalho da Pena, entre outros.

Neste início dos trabalhos, uma palavra para evocar Raúl Lino e Ferreira de Castro, de cujo desaparecimento se assinalam em 2014, 40 anos, figuras que moldaram Sintra na paisagem e nas letras. E os 40 anos da Comissão Administrativa que dirigiu Sintra nos primeiros dias da Liberdade, guiada pelo saudoso José Alfredo, e cujos membros o IV Encontro deseja saudar, sabendo estarem ainda vivos alguns dos primeiros timoneiros duma barca que entretanto cresceu em dimensão, e problemas também. E relembrar os 500 anos do foral manuelino, e os 25 do lançamento da saudosa revista Vária Escrita, durante alguns anos veículo cultural de excelência e a carecer de um herdeiro à altura, ainda que saibamos serem magros os tempos e avaros os orçamentos.

Meus senhores e minhas senhoras, caros amigos

Como parceira para o diálogo, a Alagamares  interage com a sociedade, e quer dela beber experiências, rasgar caminhos e ser agente de mudança, continuando a ser um parceiro e actor cultural, na sequência dos seus nove anos de actividade e  dezenas de eventos realizados nas mais diversas áreas, mas quer sobretudo divulgar e aprender, para tanto se balizando pela discussão e abordagem permanente de assuntos novos ou em novas perspectivas. Como disse Miguel de Unamuno, “a erudição é, em muitos casos, uma forma disfarçada de preguiça intelectual ou um ópio para adormecer as inquietações íntimas do espírito“. Não somos um núcleo de eruditos, mas continuaremos a ser artesãos do Saber, sem dirigismos, dogmas ou espírito de capela, assim cumprindo a nossa missão de cidadãos. A participação entusiasta e crítica nas actividades e na vida associativa é a pedra angular do sucesso e eficácia da nossa associação. Em tempos de usura financeira, não permaneceremos anémicos, mas interventivos, cientes de que a cidadania activa deve ser congregadora de sinergias. Rejeitamos a desistência e com entusiasmo e pés assentes no chão proclamamos a nossa vontade de afirmar a Cultura  como um dever social e a acção mobilizadora como propulsora de novos horizontes.

Falando de Sintra e da sua magia, Taylor Moore, um amigo da Alagamares que desde há dois anos se dedica a divulgar pela imagem o feitiço visual deste local ímpar, usou recentemente uma expressão que é em si um programa de acção para a nossa associação e para os defensores do património em geral: Sintra. Building a Legacy. Construir um Legado. Para isso cá estamos, iguais entre muitos, mas atentos e críticos, cidadãos e criativos, certamente.

Estamos na estrada, não estamos na berma.

O desejo que os trabalhos sejam profícuos, participados e, sobretudo, enriqueçam o acervo documental de Sintra, seja pela futura edição das comunicações produzidas, seja pela sua difusão nas modernas plataformas de comunicação ao dispor.

Muito obrigado."


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