A democracia portuguesa apresenta por estes dias sinais de
anormalidade que vieram criar precedentes graves para o futuro e mostrar
algumas das nossas originalidades como já não víamos desde os tempos do PREC.
Assim, inaugurámos a moda das cartas de demissão-choque, onde
um ministro que quis sair e outro que não queria mas se lembrou do seu mentor,
Sá Carneiro, criaram uma nova moda: a crise pela via epistolar, vertendo
estados de alma e ressabiamentos mal disfarçados. E assim, um ministro de
convicções irrevogáveis pôs em prática aquela máxima leninista de dar um passo
atrás para depois dar dois passos em frente.
Depois, tivemos a moda do jogo de espelhos, onde ninguém quer
aquilo que diz querer. Um Presidente que quis ouvir os partidos, mas de facto
queria era ouvir-se a ele, um primeiro ministro remodelador que não percebeu
que o remodelado que se pretendia era ele, os que pedem eleições pedindo a todos
os santinhos que elas não ocorram antes dos cortes e do odioso da tragédia lusa
estar consumado.
Não contentes, assistimos ainda a outras originalidades. Um
Presidente que quer um acordo, dois anos atrasado, e se arrisca a decepcionar
toda a gente: aos que querem eleições, promete-as, mas não para já; aos que as
não querem, aponta-as, mantendo-os a prazo. E depois, tão institucional que o
homem de Boliqueime diz ser e logo qual revolucionário de sangue na guelra
anuncia eleições antecipando os calendários e sem que ninguém se tenha
demitido, sem ouvir o Conselho de Estado (quando por dá cá aquela palha o
reuniu no passado) e querendo que os partidos deixem de o ser, metendo a luta
política e a pluralidade de propostas no permafrost,
até que um dia possamos ser uma democracia como as outras (o que, pelo andar da
carruagem, será cada vez mais longínquo).
E os “agentes políticos”, essa classe impura que o pobre do
Presidente tem de tolerar, não podendo suspender a democracia seis meses, como
a sua amiga queria, o que fazem? Como baratas tontas, vão dizendo fazer tudo o
que não pensam sequer sugerir: vão deixando que o regime resvale de
semipresidencialista mitigado para presidencialista assistido, que se finja
querer um acordo mas que não se concretize nenhum, esquecendo que estão todos
num beco sem saída.
O Presidente, porque ao falhar, terá de meter a viola no
saco, e, ou governa e ocupa o centro do espaço político, ou uma de duas: se
convoca eleições, havendo acordo na coligação, divorcia-se do seu espaço
político e definitivamente recolherá ao eremitério de Belém, depois de falhar o
seu momento Jorge Sampaio; se não convocar, empossando o governo recauchutado,
terá feito perder tempo, paciência e juros, adensando o contributo para a crise
que dizia querer estancar.
Mas se conseguir o tão desejado acordo, pode o país
perguntar: se era viável, e numa semana, o que se andou a fazer nestes últimos
dois anos?
Os "agentes políticos", porque com acordo, terão empenhado as saídas para o país, mostrando serem todos iguais e deixando pouca escolha e serem inúteis, por falta de alternativa, as futuras eleições;sem acordo, mostrarão um egoísmo larvar e pouco interessados no país e mais na sua retórica autista. Em qualquer caso, deixando o regime democrático nas ruas da amargura e num intolerável grau zero.
Os "agentes políticos", porque com acordo, terão empenhado as saídas para o país, mostrando serem todos iguais e deixando pouca escolha e serem inúteis, por falta de alternativa, as futuras eleições;sem acordo, mostrarão um egoísmo larvar e pouco interessados no país e mais na sua retórica autista. Em qualquer caso, deixando o regime democrático nas ruas da amargura e num intolerável grau zero.
Uma coisa é certa: nada ficará na mesma, e os alunos de
Direito Constitucional terão mais um capítulo para estudar no futuro, talvez
designado “Formas coloridas de garantir o regular funcionamento das
instituições democráticas”.
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