Agora que se aproximam eleições autárquicas, normal será que frenéticos
candidatos se desdobrem em promessas de apoio ao associativismo cultural,
fazendo juras de para eles a Cultura ser estruturante e preocupação escrita em
letra grande nos programas com que se apresentarão a sufrágio. Contudo, as
associações e colectividades locais sentem profundamente o quanto são o parente
pobre do Orçamento e os agentes culturais meros adereços decorativos nas
campanhas ou usados para abrilhantar as listas dos apoios.
Pergunta-se se o modelo associativo como o conhecemos tem
futuro. Terá se certos atavios forem debelados de forma enérgica.
Baluartes de resistência e cidadania durante o período do
Estado Novo, as associações irromperam no pós-Abril como cogumelos, sendo
numericamente hoje mais de 40.000, distribuídas nas vertentes cultural,
desportiva, sócio-profissional ou de solidariedade. Mas se ser associativista é
uma forma de dizer que se quer estar activo como cidadão-actor em prol duma
participação efectiva e do legítimo exercício da democracia cultural -na
vertente de cultura para todos, e com todos -tal não impede que a mudança de
paradigma que as novas solicitações da sociedade global e da informação impõe
permitam e exijam que se ultrapassem algumas patologias.
A falta de formação de novos dirigentes, articulados com as
realidades do tempo que passa e sem espírito corporativo, de imobilismo na
preservação de lugares ou incapazes de congregar novas sinergias.
A eterna falta de verbas e da perspectiva de olhar para as
associações sobretudo para a preservação da vertente patrimonial, das sedes e
equipamentos, desenquadrada do fim último de congregar vontades, mobilizar opiniões,
e gerar actos de cultura, desporto, etc
A prevalência do individualismo hedonístico, que desvaloriza
o trabalho de equipa ou colectivo, em benefício das figuras, num estereótipo
transmitido por um modelo de sociedade onde o Eu vence o Nós, mas de forma
volátil, efémera e perversa.
A falta de investimento na inovação, e na ruptura com certas
práticas, reproduzindo uma "cultura
de corpo" estática, distanciada das necessidades para que muitas vezes
essas associações foram criadas, facto espelhado nas múltiplas associações que
apenas mobilizam para jogar o dominó ou assar o courato, mas deixaram de ter
desporto activo, de produzir cultura da terra para importar cantores de moda
efémeros e dissonantes, ou de se rever com o conjunto da população, num multiplicar
por esse país fora de inúmeros Cinema Paraíso decadentes e ansiosos por
revitalização.
A subsidiodependência, a suburbanidade de escolhas culturais,
o divórcio com as forças mais dinâmicas das comunidades, e o espírito -há que
dizê-lo- reaccionário e imobilista de certos dirigentes- fazem os pavilhões às
moscas, os teatros a cair de podres, os balneários sem água quente, tudo
símbolos que ninguém quer herdar ou assumir, e logo de pouca atractividade.
É na subversão deste estado de coisas que o associativismo,
com novos modelos de financiamento, com novos e empenhados dirigentes, de braço
dado com as novas tecnologias e sob o desígnio de parcerias profícuas poderá
singrar. Daí a necessidade de conjugar esforços com outras associações no
sentido de criar elos de fortalecimento do movimento associativo cultural, em
prol de mais Cultura com mais Organização e mais Capacidade e Alcance. Mas, é
preciso, sobretudo, que tal decorra duma interiorização do papel social e
comunitário dos agentes culturais, e da manifestação pujante e unida destes perante
um Poder que deles faz parente pobre, e a quem, infelizmente, muitos se
submetem.
Como escreveu André Malraux, a cultura só morre vítima da sua
própria fraqueza. Há que lubrificar as mentalidades e tomar em mãos a força
que, mais que qualquer arma, a Cultura e seus agentes devem ter na Sociedade,
se se quer viva e factor de mudança.
Senhores Candidatos, pensem nisto, e não olhem para as gentes
da cultura como bibelôs instrumentalizados para fotos de ocasião ou contagem de
espingardas.Oiçam-nos como parceiros de desenvolvimento, pensem nas suas necessidades no momento de elaborar orçamentos usurários, sentem-nos num orgão consultivo com visibilidade e representatividade, vão aos seus espectáculos, exposições, debates e mais eventos sem ser em período eleitoral, pensem neles nos regulamentos de taxas e na ocupação das salas municipais . Aí terão cumprido o vosso papel cidadão. Ficamos à espera.
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