Não
obstante a tentativa de dar um ar renovado ao dito “eixo franco-alemão”, com os
discursos de Merkel e Hollande em Estrasburgo, a Europa está moribunda e em
fase de estertor, como os motores falseados da Volkswagen.
Em
1953, em Hamburgo, Thomas Mann defendeu que devemos ambicionar ter uma Alemanha
europeia e não uma Europa alemã. Vinte e cinco depois da unificação, sobre o
papel da Alemanha na Europa e no mundo, ninguém se preocupou, com os alemães
ocupados nessa altura consigo próprios e com a integração económica dos novos
Estados federados do Leste, tanto que no final dos anos noventa a Alemanha era
tida como um caso problemático na Europa, do qual se haveria de cuidar da
questão do endividamento estatal, com níveis de desenvolvimento abissais entre
o Leste e o Oeste, e canalizando muitos fundos (grande parte deles
comunitários) para nivelar as economias. Era impensável então que a Alemanha um
dia pudesse apresentar-se como modelo nas questões de política fiscal e do
saneamento orçamental. E com a introdução do euro, pareceu que a Alemanha tinha
aberto mão do seu mais importante instrumento de poder frente às outras
economias europeias, o marco alemão.
O
problema é que a Europa mudou e, na medida em que mais países entraram na União
Europeia, o projecto dos Estados Unidos da Europa distanciou-se cada vez mais.
O que parecia possível na Europa dos Seis, tornou-se impossível com as
ampliações para Sul, Norte e Leste.
A
crise do euro posterior a 2008 tornou visíveis as contradições da Europa.
Querendo-se ou não, a Alemanha é, com os seus recursos e capacidades, o único
país que pode manter a coesão da Europa heterogénea e ameaçada por forças
centrífugas. Na Europa, tem a possibilidade de manter a coesão na União
Europeia, e no mundo, tem de cuidar para que a economia europeia não seja
marginalizada através da ascensão da Ásia. Mas não seria isto, na verdade, uma
tarefa das instituições europeias? Não foram tais instituições, principalmente o
Parlamento, fortalecidas nos últimos anos, para assumir essas tarefas,
nomeadamente depois do Tratado de Lisboa? O que resultou foi exactamente o
contrário. Valorizado anteriormente, o Parlamento Europeu não desempenhou
praticamente nenhum papel no apogeu da crise do euro, ficando as decisões a
cargo das reuniões intergovernamentais, e a "cabeça" da UE dividida
entre a Comissão e o Conselho Europeu. Algo semelhante ocorre também na questão
de saber se a Grã-Bretanha permanecerá como membro da UE ou se deixará a
comunidade, o que provavelmente será negociado quando chegar a hora
directamente entre Berlim e Londres. Tudo isto, bem como a ameaça recente do
Grexit contraria profundamente o projecto europeu. Uma coisa parece ser certa:
estão a ser as crises que indicam se as instituições são robustas ou não. E nas
crises actuais, de que ressaltam os problemas financeiros da Grécia e a
tendência de saída da Grã-Bretanha ou a crise dos refugiados sírios e
magrebinos, as instituições europeias mostram-se incapazes e dissonantes.
Talvez porque elas foram criadas a pensar no “funcionamento normal” da Europa
enquanto não surgissem grandes problemas e as questões pudessem ser resolvidas
em consenso. Como não tem vindo a ser esse o caso, e o eixo franco- alemão está
debilitado por um François Hollande errático, o poder deslocou-se e os governos
nacionais voltaram a desempenhar o papel principal, com destaque para a
Alemanha.
A
Alemanha contribui sozinha com mais de um quarto do poderio económico na zona
euro, e são seus os riscos maiores nos programas de ajuda aos países
endividados do Sul da Europa. Com isto, coube-lhe a posição decisiva na fixação
das condições para a ajuda, achando que pelo facto de a austeridade ter
funcionado na Alemanha nos anos noventa, tal pode ser copiado a papel químico
para países com outros estádios de desenvolvimento e outras políticas e
práticas fiscais, orçamentais ou bancárias. Essa falta de tolerância e
compreensão está pois a levar cada vez mais a uma Europa alemã longe da Alemanha
europeia de Adenauer, Willy Brandt ou Helmut Kohl. É uma Europa em cadeira de
rodas, e cada vez mais comatosa.
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