domingo, 30 de junho de 2013

A hora da Croácia


Alguns anos após a fratricida guerra dos Balcãs, a Croácia prepara-se para aderir à União Europeia, moribunda manta de retalhos capturada por interesses onde o dos povos que a compõe não é, claramente, a prioridade.

Na década de oitenta, recordo como a Portugal pareceu que passado meio século de obscurantismo e na ressaca da agitação de 75, a entrada no Mercado Comum, como então se chamava à CEE, pareceu a redentora aceitação no clube dos ricos, donde choveria o leite o mel para estradas e hospitais, e graças ao qual alemães, portugueses, irlandeses ou italianos seriam irmãos eivados do escopo que era o bem comum e a integração económica e política. Recordo também uma manhã fresca de Agosto de 1980 em que, de mochila às costas, desembarquei na estação de Zagreb, vindo da opulenta Áustria, e em pleno período da guerra fria me deparei com uma cidade vazia, sem lojas ou bancos, néons ou marcas de roupa, e onde os mais jovens nos abordavam ávidos das nossas calças Levis que lá não vendiam, encerrados numa Jugoslávia marcada pelo omnipresente marechal Tito, recentemente falecido, e cujo retrato, novo ou velho, fardado ou à civil, dominava em todas as lojas e locais públicos, ele que entre o Oeste e o Leste impusera o não-alinhamento como terceira via e ficticiamente unira a Sérvia muçulmana e a sua Croácia cristã, e mais pseudo-estados encravados entre a Europa dos Habsburgos e o antigo império Otomano.

Era diferente essa Europa, como ainda o era o nosso rincão, embora a boleia da “Europa” surgisse como desígnio, encerrado o ciclo do mar e do Império.

Na véspera do dia em que a Croácia se prepara para entrar para o “clube”, talvez com a mesma emoção e ingenuidade com que nós entrámos num já longínquo 1985, e recordando esses dias em Zagreb e Rijeka, o desejo que as aspirações iniciais não terminem da forma como está agora a correr com os países ditos “ajudados”, e que a Croácia não seja o último que veio apenas para apagar a luz.

sábado, 29 de junho de 2013

9 de Janeiro para feriado de Sintra



Foi a 10 de Janeiro de 1952 que a Câmara de Sintra decidiu que o feriado municipal fosse o dia de S. Pedro, 29 de Junho, depois de durante alguns anos tal feriado ter sido a 29 de Agosto, data da morte em Sintra do escritor Latino Coelho em 1891. E porque não 9 de Janeiro, data em que em 1154 D. Afonso Henriques concedeu foral a Sintra?

O 29 de Agosto foi a data emblemática dos republicanos, o 29 de Junho a data com que o Estado Novo quis neutralizar leituras políticas, não obstante invocar para tal escolha a feira de S. Pedro, numa época em que os feriados passaram todos a coincidir com dias de santos, como ainda hoje ocorre. Pelo meio ainda se celebrou a 14 de Agosto, em homenagem a Nuno Álvares Pereira e à Batalha de Aljubarrota.
O 9 de Janeiro marca a data em que, 7 anos após ter caído sem luta, num dia de Novembro de 1147, nas mãos do primeiro Afonso, lhe foi dada dignidade jurídica e uma carta de direitos e deveres, sendo 30 os primeiros cristãos que de seguida se instalaram no Arrabalde, daí administrando em nome do rei, em paz com a vasta comunidade moura que em suas várzeas e hortas continuou a trabalhar a terra.

Se as datas têm de ter simbologia, que esta seja no sentido de unir a comunidade, e celebrar Sintra em torno de datas históricas relevantes mais contribuiria para que de quando em quando não se tivesse de vir a escolher novas datas.Isto, enquanto os feriados não acabarem de vez, num avassalador quadro de branqueamento da nossa História e valores, como o que actualmente assola o país.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A última viagem do Velho Elefante




Às portas da morte, mas há muito imortalizado, o mais conhecido prisioneiro de Robben Island e sagaz lutador contra o regime do apartheid prepara-se para a Grande Viagem, qual velho e pachorrento elefante a caminho da derradeira morada.Com Nelson Mandela partirá o derradeiro lutador icónico do século XX, depois de Ghandi, Luther King, Che Guevara ou Madre Teresa de Calcutá.
Com Mandela, o mundo assistiu ao exemplo da perseverança na luta pelos ideais, à reconciliação para lá da cor da pele, ao orgulho das convicções e ao exemplo em quem todos se querem rever. Madiba para o seu povo, Madiba de todos nós, é justo recordá-lo no momento em que luta pela vida mas com página já garantida nos manuais de História. Não na dos caudilhos ou demagogos, mas na dos inspiradores e idealistas, como o foi na África do Sul Shaka Zulu.
Recordo a sua viagem a Portugal em Outubro de 1993, e como foi inspirador escutar na Aula Magna um homem a quem 27 anos de prisão não deixaram sombra de ressentimento e com serenidade nos falou do futuro, e de como o perdão com olhos no devir é atributo que só grandes homens têm o dom de possuir.
No dia em que, sereno como quem acabava de dar um simples passeio pelo jardim, saiu de mão dada com Winnie de Robben Island, o mundo pela CNN, viu pela primeira vez o rosto envelhecido mas sereno do homem que esteve 27 anos encarcerado e em trabalhos forçados, junto com outras figuras emblemáticas do ANC. Nesse dia, já Mandela era imortal, e os anos que seguiram o demonstraram. Quase a partir, obrigado Madiba!

domingo, 23 de junho de 2013

Recomendações para as obras no Convento dos Capuchos




Noticia a imprensa que é intenção da Parques de Sintra-Monte da Lua, após a inauguração na passada sexta-feira do edifício da Abegoaria, no Parque da Pena, virar-se agora para os Capuchos.
Ocasião pois para recordar a visita que aí efectuou a  27 de Maio do ano passado a Alagamares, (foto acima) no sentido de sensibilizar os seus associados e a opinião pública em geral para o estado de conservação daquele monumento classificado na área do Património Mundial.
Registando a manutenção (ainda) da visita grátis para os munícipes aos domingos de manhã, e a boa informação em várias línguas disponível à entrada, bem como o agradável parque de merendas existente, algum reparo porém para os preços da cafetaria (uma água de 1/4 de litro custa 1,60€, por exemplo).
Durante muitos anos ao abandono e ruína, nota crítica para o sistema de sinalização luminosa no chão, a imitar iluminações natalícias das que se adquirem na loja dos chineses, e a falta de restauro da estatuária (uma Maria Madalena na capela da Paixão de Cristo), em falta, e há anos retirada para restauro, ou os dois frades enterrados na câmara que se segue à Porta da Morte, e as pinturas murais representando São Francisco e São António na Ermida da Senhora do Horto, por exemplo, que poderiam já ter sido alvo de intervenção de restauro, dado o lapso de tempo decorrido desde que foi feito o anúncio de tal intenção. No que à mata endémica envolvente respeita, regista-se o razoável tratamento da mesma, com sinalização das espécies existentes adequada e boa informação no local sobre os exemplares existentes.
Questionável foi para alguns dos visitantes a manutenção da estrada alcatroada entre a portaria e o acesso ao convento (separando aquilo a que João Rodil, o guia da visita, designou como separação entre o mundo profano e o mundo sagrado) sugerindo como mais consentâneo um acesso em terra batida ou gravilha.
De entre o que há a fazer, realce para a reposição da estatuária retirada para restauro, que se espera a PSML tenha em devida conta.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A revolta do calçadão



Segundo Jacques Rancière, um dos principais filósofos contemporâneos, torna-se cada vez mais evidente que os Estados nacionais agem apenas como intermediários para impor aos povos a vontade dos poderes financeiros. Em toda a Europa, os governos, de direita como de esquerda, aplicam o mesmo programa de destruição dos serviços públicos e da proteção social, que garantiam um mínimo de igualdade no tecido social, revelando-se a oposição entre uma oligarquia de financeiros e políticos, e a massa do povo submetida à precariedade sistemática e sem poder de decisão. Estarão pois reunidas as condições para um momento político, isto é, um cenário de manifestação popular contra o aparato de dominação. Mas para que esse momento exista, não é suficiente que se dê uma circunstância, mas também que esta seja reconhecida por forças susceptíveis de transformá-la numa demonstração, intelectual e material, e de converter essa demonstração numa alavanca capaz de mudar a paisagem do “perceptível e do pensável”. O movimento do 15-M, em Espanha, por exemplo, ou as manifestações no Brasil, hoje, mostrou claramente a distância entre um poder real do povo e as instituições. Resta a capacidade de transformar o protesto numa força autónoma, representativa e independente.

Os movimentos do 15-M ou do Ocupy Wall Street respondem à ideia do poder próprio daqueles que nenhum motivo destina ao exercício desse poder, e esse poder materializou-se, subvertendo a distribuição normal dos espaços. Geralmente há espaços, como as ruas, destinados à circulação de pessoas e bens, e espaços públicos, como os parlamentos ou os ministérios, destinados à vida pública e o tratamento de assuntos comuns. Um renascimento da política passará pela existência de organizações que se subtraiam a essa lógica, que definam objetivos e meios de acção construindo uma dinâmica própria, espaços de discussão e formas de circulação de informação visando o desenvolvimento de um poder autónomo de pensar e agir.

Em Maio de 68, as pessoas discutiam Marx, segundo Rancière, o que se discute hoje é uma visão do mundo que estruture naturalmente estas novas formas de acção colectiva. Em Maio de 1968, a explicação marxista do mundo funcionou no âmbito de uma visão histórica pela qual o capitalismo estaria condenado a desaparecer pela acção da classe trabalhadora. Os manifestantes de hoje não possuem horizonte  histórico para o seu combate, e são antes de tudo indignados, pessoas que rejeitam a ordem existente, que não podem considerar-se agentes de um processo histórico, e é isto que alguns aproveitam para escamotear, desqualificando o seu idealismo e o seu carácter “inorgânico”.Com estes movimentos, há uma interrupção da lógica da resignação à necessidade histórica preconizada pelos governos. Desde o colapso do sistema soviético, o discurso intelectual contribuiu para endossar os esforços para implodir as estruturas colectivas de resistência ao poder do mercado. Esse discurso acabou. Seja qual for o seu futuro, os movimentos recentes põem em xeque essa fatalidade histórica, lembrando que não lidamos com uma crise da sociedade, mas sim com uma ofensiva destinada a impor  formas brutais de precariedade.

Para restaurar os valores democráticos, é necessário chegar a acordo sobre o que chamamos democracia. Habituámo-nos a identificá-la como um duplo sistema de instituições, as representativas e as do mercado. Hoje, isso é coisa do passado: o mercado mostra-se cada vez mais como uma força de constrangimento que transforma as instituições representativas em meros agentes da sua vontade, e reduz a liberdade de escolha dos cidadãos às variantes de uma mesma lógica. Nesta situação, ou se denuncia a democracia como uma ilusão, ou se repensa o que esta significa. Porque a democracia não é uma forma de Estado, é antes de mais a realidade de um poder do povo que não deve nem tem de coincidir com uma específica forma de Estado. Sempre haverá tensão entre a democracia como exercício de um poder partilhado de pensar e agir, e o Estado, cujo princípio é apropriar-se desse poder, justificando essa apropriação com a complexidade dos problemas, ou a necessidade de se pensar a longo prazo. Recuperar os valores da democracia será, pois, em primeiro lugar, reafirmar a existência de uma capacidade de julgar e decidir, que é de todos, frente a essa monopolização, e reafirmar a necessidade de instituições próprias, distintas do Estado. A primeira virtude democrática é a virtude da confiança na capacidade de qualquer um, e o poder dos cidadãos acima de tudo, o poder de agir por si próprios, e constituir-se em força autónoma. A cidadania não é uma prerrogativa ligada ao facto de se haver sido contabilizado nos censos, como habitante ou eleitor, ela é, acima de tudo, um exercício que não pode nem deve ser delegado. É pois preciso opor claramente o exercício da acção cidadã aos discursos sobre a responsabilidade dos cidadãos na crise da democracia, que lamentam o desinteresse dos cidadãos pela vida pública e o imputam à deriva individualista dos consumidores penalizados. Essas supostas chamadas à responsabilidade só têm, na verdade, e segundo Rancière, um efeito: culpar os cidadãos, para prendê-los mais facilmente no jogo que consiste em seleccionar aqueles por quem os cidadãos deverão deixar-se capturar na sua possibilidade de agir fora do momento do voto. Estamos pois num ponto de mutação na ideia de democracia, num sentido mais denso e sentido, cuja próxima fase será a de encontrar vozes e meios com vista a ocupar o seu lugar numa sociedade cuja construção/destruição está dramaticamente em curso.Taksim, Brasil, Atenas, Lisboa, o paradigma está a mudar

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Outro modelo de organização autárquica



Trinta e cinco anos de experiências autárquicas demonstram que é chegado o momento do virar de página no quadro territorial, de competências e de gestão das mesmas. Litoralizado o país, florescendo conurbações interligadas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, sobretudo, impõe-se um novo quadro, não porque a troika em “economês” o diz mas porque realidades há que exigem novas abordagens, unificando concelhos ou reajustando outros, pesem os bloqueios de paróquia que mais se devem afirmar no quadro de afirmação cultural que na representação institucional. Por outro lado, mais ágil e adequado se afigura um modelo eleitoral em que as candidaturas sejam para a Assembleia Municipal, sendo presidente o candidato da lista mais votada, e os demais tendo assento na Assembleia, esta com poderes reforçados, modelo que, por interesses partidários, não vingou até hoje. O presidente, livre de escolher a sua equipa, apresentaria programa à Assembleia, poderia ser objecto de censura, em tudo acompanhando o modelo actualmente usado com o Governo. Sugeriria que, introduzindo a “nuance” da obrigação de, derrubado um executivo, os opositores deverem apresentar alternativa clara, a sós ou em coligação, em nome do princípio da governabilidade (moção de censura construtiva). Os membros da vereação poderiam ser livremente nomeados e demitidos pelo presidente, e este teria poderes reforçados, havendo vantagens na presidencialização do presidente da câmara, evoluindo do actual modelo para outro mais eficaz. O mesmo quadro para as juntas de freguesia. No quadro da gestão, haveria que criar sistemas de gestão partilhada de serviços e pessoal, num quadro inter-municipal e regional, potenciando economia de meios e reforço de recursos. Porquê a proliferação de serviços de águas, lixo, cultura, protecção civil por cada município, quando num quadro integrado se poderia obter vantagens de gestão, força de reivindicação, e operacionalidade reforçada? O quadro das despesas deveria contemplar a maleabilidade do outsourcing, a eliminação de serviços duplicados, e o das receitas, derramas sobre as mais-valias a favor de obras ou acções de interesse comunitário e maior participação na fatia dos impostos nacionais. O cheque para a cultura, em que 1% dos impostos e taxas cobrados serviria para financiar um fundo de promoção cultural gerido pela autarquia e pelos agentes culturais, e as isenções de parte do IMI para os proprietários que reabilitassem seriam outras medidas bem vistas. No quadro do planeamento, prioridade à reabilitação urbana, agilizando os planos de pormenor, reduzindo os pareceres de entidades sempre que haja plano director aprovado e dispensando prazos de apreciação quando os pedidos se ajustassem a plano-tipo que a autarquia disponibilizaria. O recurso a empresas externas para a apreciação de projectos ou a manutenção de equipamentos num quadro de igualdade de oportunidades seria igualmente interessante. No que a Sintra concerne, seria curial um número de vereadores não superior a 7 e uma assembleia municipal reduzida em 1/3). A gestão das áreas da educação, saúde, polícia municipal, cultura ou cobrança de impostos poderia ser feita num âmbito intermunicipal, por exemplo. Claro, tudo isto são só ideias e sugestões. Seria no entanto útil que os visados tivessem uma palavra a dizer em vez de virem a ser surpreendidos com uma reforma autárquica feita a partir de cima e às pressas, e numa lógica meramente economicista.