Berlim, 29 de Abril de 1945. Os efectivos soviéticos chegavam à Alexanderplatz quando uma chuva de granadas caiu sobre o bunker. Pela uma da tarde, sentindo o tempo a esgotar-se, Hitler desposou Eva Braun, tendo por testemunhas Goebbels e Bormann. A lúgubre cerimónia terminou com um marcial brinde aos esposos, que minutos depois se retiraram para uma sala, onde diligente Gertrude anotou o testamento do Führer.Doze anos de paranóia chegavam ao fim.No testamento, Hitler ditou: “não quero cair em mãos do inimigo, que quer oferecer um espectáculo com o único objectivo de divertir as massas histéricas. Consequentemente, decidi ficar em Berlim e escolher voluntariamente a morte, no momento em que considere que a posição do Führer e da Chancelaria não possam ser mantidas por muito tempo. Morro com a alegria no coração, consciente das imensas realizações do nosso povo e da contribuição incomparável que a juventude que tem o meu nome deu à História”. Cumprimentou os assistentes, um por um e de seguida almoçou com as secretárias e o cozinheiro. Depois, despediu-se de todos, um por um, e acompanhado por Eva, dirigiu-se para o quarto. Uma vez fechada a porta, Otto Gunche fê-los atravessar um corredor secreto com acesso a um hospital próximo, e daí os levou para fora de Berlim numa ambulância, disfarçados de médicos. No bunker, eram três e quarenta e cinco quando se escutou um disparo, vindo do quarto onde o casal entrara, horas antes, posto o que, impávido, Bormann entrou no aposento, acompanhado pelo criado, Linge. Um corpo jazia inerte numa cadeira, outro, de mulher, esvaía-se em sangue, estendido no divã. A seu lado, duas pistolas, uma Walter PPK, e outra menor, que Hitler trazia sempre, do corpo da mulher exalava um cheiro intenso a cianeto. Bormann voltou à sala onde se encontravam Goebbels, Burgdorf e outros e anunciou, solene:"O Führer está morto." De seguida, os cadáveres foram tapados e levados para fora do abrigo, onde os regaram com gasolina e queimaram. Adolfo Hitler e toda uma época acabavam de se esfumar, deixando a Alemanha nas mãos dos ocupantes.
Portugal, 7 de Maio de 1945. Berlim fumegava ainda, destruída, já os russos, victoriosos, controlavam a cidade, depois da rendição. Longe dali, no extremo ocidental da Europa e alheio a tudo, Joaquim Gregório, banheiro da Praia da Adraga, apanhava mexilhões para mais uma patuscada na tasca do Paletas. Mar encrespado, apesar de o dia estar claro, nada como o iodo da praia pela manhã, ainda sete horas não eram. No mar, uma traineira, dolente, dirigia-se para a Ericeira,rodeada de gaivotas. Um vulto negro e compacto pareceu-lhe porém surgir vindo do mar, a idade já lhe entorpecia a vista, pelo que parecendo-lhe uma ilusão de óptica se foi a emborcar um tinto para aquecer. Junto à traineira, e longe dos olhares, emergia um U-BOOT XXI alemão. Depois de aberta a escotilha, e de uns vultos de gabardina e chapéu baixarem uma escada da embarcação, um homem e uma mulher saíram do submarino, entrando no barco de pesca. Ele, aparentava cinquenta anos, magro, ela, seria algo mais nova, assustada, seguiu-o, obediente. Pelo comportamento dos da gabardina seria alguém importante. De manhã, a PIDE encarregara inspectores de secretamente receber uns importantes dignitários alemães, nada mais adiantando, a neutralidade oficial não podia arriscar um envolvimento com o Eixo. Dali, a traineira rumou a Cascais, não sem que o comandante do submarino fizesse a saudação nazi ao homem, que nunca abriu a boca, gritando, marcial, “Até sempre, mein Führer!”.As suas instruções eram as de, após deixar o casal na costa portuguesa, acordada com o governo local, desembarcarem num salva vidas perto de Leixões e afundar o submergível, desmobilizando depois, e partindo cada um a novo destino. Com discrição, o casal foi alojado na Malveira da Serra, em casa guardada pela polícia portuguesa, embarcando em Agosto seguinte, sob falsa identidade holandesa e passaportes fornecidos por Lisboa, com destino a Buenos Aires. Na Malveira, constava serem refugiados judeus em trânsito para a América, mas ninguém nunca os viu, jamais saindo da casa enquanto lá permaneceram.
Rio Gallegos, Argentina, Setembro de 1964. Com consternação geral, gaúchos a cavalo escoltavam o funeral de Marcus Schoof, fazendeiro de origem holandesa há vinte anos radicado na Patagónia e grande proprietário local, uma fazenda com um milhão de hectares e a melhor carne da Argentina. Muitos europeus, sobretudo alemães radicados na província, compareciam ao enterro. A viúva, a senhora Eva, seguia atrás, numa charrette, vários dos presentes, amigos de Schoof, esticaram o braço, saudando em sinal de respeito. Pablo, o feitor da fazenda, lamentava a morte do patrão, vítima de sífilis, dizia-se à boca pequena, comentando a estranha colecção de dentes de ouro que guardava num cofre, de onde se dizia vir o dinheiro com que adquirira a fazenda, ao chegar de Portugal, anos antes. Junto a Eva, Leni Riefensthal, uma amiga dos tempos da Europa, confidenciou-lhe inconsolável que quando era novo, o siñor Schoof fora um grande orador e filantropo, em prol de causas sociais e muito amigo dos pobres.
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