Até ao extraordinário ano de 1989 a Europa que a guerra separara em blocos ideológicos e militares vivia na suspeição permanente da guerra fria, fragmentada e ferida, sendo seu mais icónico símbolo o muro de Berlim, fronteira entre mundos e esperanças, separada por esse ínfimo corredor a que os americanos chamaram checkpoint Charlie, uns metros de barreira policial para lá da qual estava, estático e perturbador, o mundo dito socialista e gélidas e felinas Nikitas sempre prontas a seduzir os James Bond paladinos do Ocidente e da liberdade.
Uma providencial perestroika e a inexorável dialéctica da história derrubaram esse e outros muros, muros físicos, comportamentais, congelado degredo de sonhos de amanhãs adiados, e celebrada a liberdade recuperada, o Mundo de Lá se fez Europa, os 15 passaram a 27, a palavra democracia recuperou lugar no léxico político, Monet, Schumann, Willy Brandt ou Delors podiam dar os seus sonhos como recompensados. A terra de leite e mel da Europa, antes Comunidade e depois União trilhava novos caminhos, de cooperação e visão estratégica, finalmente e a sério, a Europa dos Cidadãos. Da política agrícola passou-se ao derrube das fronteiras e finalmente, voluntarista à união monetária, a cereja quase no topo do bolo.
Porém- há sempre um porém- o passo foi maior que a perna e onde só se descortinavam virtudes um qualquer Lehman Brothers além-Atlântico fez balançar as ténues estruturas criadas e regressar fantasmas e medos. A Europa de hoje, pusilânime, tem bons e maus alunos, Merkels valquírias e Rompoys sonolentos, a Europa dos Cidadãos avara morre na praia em Lampedusa, Schengen breve voltará a ser apenas uma vila no Luxemburgo. Adamastores de laptop chamados “mercados” plantaram-se no cabo tormentoso de Bruxelas, e à falta de navegadores destemidos e homens do leme são hoje meros caixeiros de mercearia apenas preocupados com a sua banca e a sua freguesia. E nem 10 anos passaram desde que os chegados da Cortina de Ferro se juntaram ao clube...
Quo Vadis,pois, Europa da dívida e da dúvida? Depois dos homens de Esparta terem imposto frugalidade aos vencidos, de o Cavalo de Tróia dos resgates ter entrado de rompante na cidade conquistada, de a Grécia estar prestes a cair à falta dum Péricles que reestruture a dívida, pouco há a esperar com tais protagonistas, segundas figuras em qualquer comédia de Aristófanes, corifeu de carpideiras posando para a foto de família no fim dos Conselhos Europeus. Mais cedo que o esperado, o checkpoint Charlie voltou.
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