quarta-feira, 29 de maio de 2013

Não deixemos fechar o Museu do Brinquedo!


Depois do escândalo de lesa cultura que foi o procedimento do Estado para com a Casa das Histórias, de Paula Rego, Cascais, a sanha ceifadora ronda agora Sintra, onde, devido à nova lei das fundações se anuncia que  a autarquia terá de deixar de subsidiar o Museu do Brinquedo no fim deste ano, levando este a encerrar ou ter  mudar para outras instalações, sem garantias de local ou verbas que possibilitem esse fim.

Instalado na Vila Velha desde 1987, e funcionando como museu desde 8 de Novembro de 1997 nas instalações da antiga Casa da Câmara e dos Bombeiros Voluntários de Sintra, este espaço, assente na colecção que ao longo de anos João Arbués Moreira foi acumulando, integra mais de 60 mil brinquedos, tendo o arquitecto Aires Mateus expressamente recuperado o edifício para o efeito. A Câmara Municipal cedeu o espaço gratuitamente e apoia a Fundação Arbués Moreira, que gere o equipamento, com um subsídio mensal de cinco mil euros.

Com a nova Lei-Quadro das Fundações a Câmara de Sintra fica sem possibilidade de manter os apoios, caso contrário, a autarquia perderá 10% da verba que o Governo transfere para os municípios. A direcção terá já sido oficiada anunciando a cessação dos apoios financeiros.

O museu, além de ser um pólo de atracção de turistas para o concelho, assegura sete postos de trabalho, funcionando com um orçamento mensal de 15 mil euros. De uma média de 5000 entradas por mês, com a crise que se atravessa, passou para as 3300, sendo a receita quase exclusivamente da bilheteira.

No Museu do Brinquedo pode descobrir-se como eram as casas, como as pessoas se vestiam, como eram os carros ou os soldados, num mundo que a adultos e crianças seduz.

A colecção resulta da recolha feita ao longo de mais de 60 anos por João Arbués Moreira, que começou a juntar brinquedos oferecidos e herdados aos 14 anos e com o passar do tempo foi adquirindo outros, e encontra-se exposta nos 4 andares que compõem o Museu, contemplando brinquedos dos séculos III e II A.C, dos séculos XVII e XIX, comboios, barcos, automóveis Carette, Lehman ou Bing, personagens do circo, brinquedos espaciais etc. Relevo ainda para os automóveis Citroën, Jep, Rossignol, Paya, Rico, Schucco, Gama, TCO, Dinky toys, Matchbox, Ingap, Burago, Polistil ou Maestro, motas, uma grande variedade de soldadinhos de chumbo e massa, carros de pedais, triciclos, trotinetas ou aviões, para rapazes, em especial.

Para as meninas de todas as idades, casinhas de bonecas, bonecas de vários materiais, utensílios domésticos, mobiliário em miniatura, bonecas japonesas e a boneca Barbie.

De 1998 a 2012 mais de 730.000 pessoas visitaram o Museu do Brinquedo, numa média anual de 50.000 visitantes, sendo 71% portugueses e 29% estrangeiros

As notícias agora vindas a público lançam o alerta e impõe que se encontre uma solução de engenharia jurídica que preserve aquele que é um dos mais completos museus portugueses da especialidade, e que, a fechar, despovoaria ainda mais o Centro Histórico de motivos de interesse, além de desperdiçar todo o trabalho e despesa ali dispendido pelos fundadores e pela autarquia local.

Não deixemos fechar o Museu do Brinquedo!

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Mykonos




Ruidosos, os gregos não se calavam desde que o avião saíra de Lisboa, a maioria, de Salónica, viera a um encontro de jovens, foi um alívio a chegada a Atenas. Com o subsídio desse ano, Pedro e Teresa decidiram-se por um cruzeiro nas ilhas gregas, apelativos flyers enfeitiçavam com  imagens de águas azul-turquesa e sol regenerador, seria a pausa que amenizaria um ano difícil. Desenganada pelo obstetra quanto a voltar a ter filhos, após um aborto de risco, a viagem seria o bálsamo ideal para elevar o astral, e devolver solidez a um casamento periclitante que a chegada desse filho traria. Três dias em Atenas, e embarque no Triton, para uma semana de sonho e evasão.

Atenas tinha uma luz forte, mediterrânica, a crise passava por aqui, via-se bem pelos anúncios de apartamentos para vender, e pelo comércio anémico, na outrora trepidante Praça Syntagma.

A contestação sentia-se nas conversas de café e nos grafittis das paredes, contra o letal FMI, exorcizado carrasco dos gregos. Pedro e Teresa queriam abstrair de problemas e centrarem-se nas pequenas férias, e assim subiram à Acrópole e tomaram sol e café turco, nas esplanadas da Plaka, invariavelmente animadas pelo som dum santouri ou música do Peloponeso. Teresa conservava um sorriso tristonho, órfã dos filhos dos quais não seria mãe, Afrodite das Mercês cortejada pelo seu Adónis, belo ainda, como nos tempos do liceu, mas já com uma razoável barriga de cerveja…

Três dias depois, sob um azul olímpico, e entre a parafernália de paquetes que quais cachalotes adornavam o Pireu, lá embarcaram no Triton. Velhinhas americanas, empresários argentinos, alemães e espanhóis, até um grupo de Gondomar, a Babel flutuante lá arrancou com três mil almas para a sua odisseia, sem Ulisses, e se possível sem Ciclope ou Poseídon. As águas do Egeu prenunciavam-se calmas, a convidar a piscina e gin tonic ao fim da tarde, tempo para um doméstico Titanic. Sem naufrágio claro, que não estava no bilhete….

A bordo, a vida era suave, condomínio de férias, trabalho apenas a trocar de roupa: de manhã, piscina e sol, pela tarde, idas a terra, grutas e compras, para Pedro umas fresquinhas na esplanada mais perto. Sobre Agamenón e Péricles aprenderia no Canal História, no regresso. À noite, as soirées dançantes, e o can can no palco central, onde generosos criados distribuíam caviar ao som de Tom Jones e Sinatra.

Antes de Rhodes, a ilha de Mykonos. Depois de sustos com a ondulação atrevida, que aliviou a alguns japoneses o almoço borda fora, a visita, três horas em terra. Mykonos fora o local da batalha entre Zeus e os Gigantes, e recebera nome do filho de Apolo, despejava um guia grego, num portunhol razoável. Enjoada, Teresa preferiu ficar a bordo, só Pedro com a inseparável Canon se decidiu ir a terra. Na falta de cais de atracagem, o transbordo era feito em lanchas, em grupos de vinte, fazendo o vaivém para a ilha branca, recortada por moinhos e apinhada de alemães e dolentes pelicanos. Ao descer para a lancha, uma figura loura, aparentando vinte anos, temendo tombar, agarrou a mão de Pedro, que a segurou, forte e quente. Agradeceu, já sentada e apresentou-se:

-Hi, i’m Sandy. From Chicago, Illinois.

-Hi. I’m from Portugal. Pedro- saudou, despertado pelo calor da mão quente e olhos azuis celestes. –Now you’re save!

A conversa ficou por ali. Em terra, dispersaram, trocando olhares, errando as três horas de soltura entre bazares e cafés e provando ouzo, anisado inimigo dos fígados mais sensíveis. No regresso a bordo, não tornou a ver a loura, não voltara no mesmo grupo. Na cabine, Teresa, um quanto melancólica, ouvia música, apetecera isolar-se. Pedro beijou-a e recostou-se na cama, pensando na americana. Estaria sozinha? Seria solteira?

Nessa noite, azul e branca, cores gregas a exigir roupa nesses tons, houve jantar de gala, com comandante e discurso, a orquestra fluindo como nos filmes. Teresa recolheu cedo, com enxaqueca, ele, respirando o ambiente, selecto e festivo, e saiu até ao convés a ver o céu, estrelado e limpo, ao fundo pequenas luzes denunciavam a ilha de Rhodes, a etapa seguinte. Respirando o ar quente e salgado, suspirou, fumando um cigarro, as coisas com Teresa haveriam de melhorar, uma adopção, quem sabe outra opinião, talvez o obstetra se tivesse enganado. Não longe da proa, pressentiu um vulto de mulher, vestida para festa. Loura, alta, ao virar-se reconheceu nela a americana da tarde, vistosa, um rimmel salientando-lhe o azul dos olhos, qual sereia invasora e chamativa.

-Pedro! –chamou, alegre e  pousando a flûte. -Grande noite, não acha? São noites assim que dão sentido à vida, à liberdade…

-Sim…-Pedro surpreso,, concordou, apesar das férias, o espírito deprimido de Teresa ainda não propiciara grandes momentos entre eles, desde o aborto que não faziam amor, receosos. –Já viu lá ao fundo o farol de….

Antes que concluísse, os carnudos lábios dela colaram-se aos seus, e o seu corpo febril invadiu-o, felino e ofegante, amazona dos mares capturando um ocasional Ulisses, apartado de sua Penélope, qual Circe mágica e envolvente. Com a proteção da noite rasgando as ondas, amaram-se, irracionais e suados, longe de tudo e onde tudo era possível. Saciados, Sandy colocou um dedo nos lábios molhados e tocou-o nos dele, sumindo, consumada a escapadela.

Nos dias seguintes, Rhodes pareceu-lhe fabuloso, Kusadasi, na costa turca, exótico ninho de piratas, excitado, Pedro a todos saudava, a bordo e em terra. Na cabina, Teresa continuava acabrunhada e distante.

No último dia, já com o Triton de regresso a Atenas, passearam no convés depois da ceia, detendo-se no local onde dois dias antes Pedro se envolvera enlouquecido com a etérea Sandy. Agarrando a mão de Teresa, beijou-a, sacando uma flor surripiada no jantar de gala, afagou-lhe o cabelo, e olhou-a nos olhos, humedecidos:

-Amor, os médicos têm os manuais, mas cabe-nos provar-lhes que talvez estejam errados. Vamos tentar…?

Teresa sorriu, hesitante, o temor cedendo à esperança. O intenso brilho da lua, cheia e magnetizante, lançou-a nos braços de Pedro, rendida, o barco do amor, infalível testemunha de paixões, rasgava a noite dolente. Logo novo dia raiaria, renovado e esperançoso.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Comércio tradicional em Sintra: small is beautiful!


Num momento em que há que revitalizar a economia no concelho de Sintra, há que repensar soluções que permitam ao comércio tradicional recuperar o papel que já teve como promotor de emprego e dinamizador económico. As lojas têm que desenvolver um conjunto de especificidades, que determinarão não apenas a sua sobrevivência, como também o seu sucesso em termos de futuro. Cada loja tem de dar a resposta específica à necessidade do cliente, isto é, deverá ser cada vez mais especializada por forma a que as pessoas "a priori" saibam onde se dirigir para comprarem os produtos pretendidos, dirigindo-se para públicos seleccionados, em função de localização, estacionamento, oferta e preço. 
Em Sintra, subsistem sobretudo as pastelarias, pela particularidade das queijadas e travesseiros, quanto ao mais, fenece e morre, destinando-se os espaços a bancos ou ao comércio dos chineses. As lojas deveriam virar-se para um conjunto de produtos que não se encontram nas médias ou grandes superfícies. Simpatia e profissionalismo são requisitos cada vez mais necessários para lograr a personalização no atendimento, que pode ser também um valor acrescentado, qualidade de outrora que se tem vindo a perder.
Há que recuperar esses bons modos, atraindo de novo a clientela. Alcançar uma nova imagem para o comércio tradicional, passa também por haver um maior esforço por vender produtos de qualidade e bem apresentados. Uma situação que nem sempre é devidamente conseguida. Quase sempre, se esquecem pormenores indispensáveis, como por exemplo, a decoração, uma montra adequada, exposição correcta, ou uma leveza (frescura) que permita ao cliente uma sensação de bem-estar. 
Vem isto a propósito de um exemplo de boas práticas recentemente surgido em pleno Centro Histórico: a mercearia Pé de Cereja, e o apelo que faz a uma dimensão familiar e de proximidade, e onde muitas das características acima elencadas confluem.
Para uma nova dinâmica comercial, é necessário ter em conta a liberalização de horários e a facilidade de estacionamento. Os horários eram correctos mas num passado recente. Hoje, começam a ter um carácter demasiado ortodoxo, num contexto de prestação de serviço. Há pois que diligenciar uma diversificação de horários, até para se articular com os momentos em que as famílias tem maior disponibilidade, permitindo que o pequeno comércio esteja aberto todos os dias até às 24 horas, sábados e domingos inclusive, se essa for a vontade dos seus promotores, e atentas condições de respeito por ruído e leis laborais, assim como também será mais interessante manter o comércio aberto na hora de almoço, permitindo que muitas pessoas possam fazer compras neste horário. E porque não passar a abrir às 10 horas da manhã - como na maioria dos casos nos grandes centros (haverá clientes às 9 horas, para certos produtos?) - e fechar, por exemplo, às  21  ou 22 horas?
As modificações a fazer passam também pelo reordenamento rodoviário na área envolvente do Centro Histórico, bem como numa adequada política de estacionamento. Para não morrer, os centros nevrálgicos de Sintra- Vila e Estefânea por um lado, e os diversos aglomerados urbanos, por outro- têm de funcionar como espaços de comércio e de serviços. Para tal, é necessário um ordenamento que permita a mobilidade das pessoas, criando zonas de lazer na área mais comercial com programas de rua e de eventos permanentes. O actual estado de degradação causa uma péssima aparência. Criticável é também a sua utilização como parque de estacionamento que é uma aberração insustentável, e que, por exemplo, na Estefânea paulatinamente vem sido a ser recorrente, apesar das proibições.
Certas ruas devem ter apenas uma direcção, permitindo o estacionamento em apenas um dos lados. A experiência das ruas pedonais só funcionará plenamente se houver comércio atractivo e moderno, acessibilidades para os idosos, política de preços por m2 que não afaste os pequenos e médios comerciantes, “comidos” pelos bancos e serviços que encerram cedo, deixando a zona morta depois desse horário. O mesmo com a Vila, fechados os palácios e faltando uma rede de cafés e esplanadas para bolsas médias, onde as pessoas possam sentir-se bem mas a preços acessíveis, e dada a desertificação humana.
Falta um projecto de urbanismo comercial do Centro Histórico e dos demais que envolva de forma clara e célere comerciantes e autoridades. A animação das ruas, com pequenos espectáculos musicais ou outros, concursos de montras, a iluminação e decoração festiva, as semanas temáticas, são alguns dos eventos que se deveriam realizar, como antídoto ao marasmo reinante, onde espaços velhos aguardam que a especulação imobiliária os transforme em bancos ou lojas de compra de ouro ou de telemóveis, como agora é o caso.
Naturalmente, a nossa região sofre de contingências várias, desde o clima de Sintra ao conservadorismo do tecido comercial, idoso e descapitalizado, que obstaculizam a concretização destes ou outros vectores de transformação. Será uma utopia acreditar que o comércio tradicional terá melhores dias? Indiscutivelmente, o futuro passa por uma nova estratégia, que incluirá os pontos aqui referidos, bem como misturar nas mesmas zonas serviços, restauração, equipamentos e lazer, numa harmonia benéfica para todos, o que determinará a sobrevivência de muitos estabelecimentos e a manutenção dos respectivos postos de trabalho e o surgimento de novas e interessantes realidades. Prioridades: benefícios camarários na transmissão de imóveis para comércio tradicional, ou com criação de emprego local, apoios à reabilitação contratualizados não só para as obras mas também para os usos subsequentes; política de eventos e de promoção agressiva, segurança. Se Sintra é uma marca cultural, porque não um branding comercial, que não se esgote em eventos avulsos e de cosmética?. Um Gabinete Municipal que centralize a recuperação comercial, a política de horários, a segurança e mobilidade, e uma política de toldos, esplanadas e ocupação do espaço público pró-activa e dinamizadora, impõe-se. Sem “grupos de trabalho”, comissões ou burocratas, mas com acções concretas e calendarizadas. Small is beautiful!

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Wagner:Revolucionário ou Reaccionário?


Passam hoje 200 anos sobre a data em que nasceu em Leipzig Richard Wagner, magistral compositor do século XIX e autor entre outros de O Anel dos Nibelungos,  O Navio Fantasma ou Tristão e Isolda, obras primas dum espírito a que se convencionou chamar de arte total, Gesamtkunstwerk. Ícone da cultura alemã e europeia, fundador do teatro e festival de Bayreuth, nele confluem várias das contradições que fazem e enriquecem esta nossa maneira de ser europeus, o espírito revolucionário e inovador, o conservadorismo de costumes, o sol das grandes utopias e as sombras sobre o Outro ou o Diferente.
Os primeiros anos da vida de Wagner mostram-no como um jovem ardente e idealista. Em 1848, no mesmo mês em que Marx e Engels publicam o Manifesto do Partido Comunista, estoira em França a revolução que depõe Luís Filipe. Um ainda jovem Wagner fica entusiasmado pelos ideais revolucionários, e  a música passa para segundo plano. Nesse ano, Bakunine, o conhecido anarquista russo, refugia-se em Dresden, e  cria uma estreita amizade com Wagner. Nessa época, este sonhava com a criação de uma nova sociedade alemã, na qual o Volk encontraria expressão numa nova cultura. Movido por esses ideais, entra para o Vaterlandsverein, partido fundado em Março de 1848 para lutar pelo estabelecimento da democracia, e em Junho, junta-se à Guarda Comunal Revolucionária e publica dois poemas revolucionários e um artigo. No primeiro desses poemas, Gruss aus Sachsen an die Wiener (Saudações Saxãs aos Vienenses) saúda os austríacos, por terem forçado o imperador a fugir, e incita os saxões a seguirem-lhes o exemplo. No segundo, Die alte Kampf ist's gegen Osten (A Velha Luta é contra o Leste) clama por uma cruzada contra a Rússia reaccionária. Em Maio de 1849 publica um artigo anónimo no Volksblätter intitulado "A Revolução". Era um texto altamente inflamatório, glorificando os ideais revolucionários, e apesar de anónimo, ninguém pareceu ter dúvidas quanto à sua autoria.
A 1 de abril Wagner rege uma apresentação pública da Nona Sinfonia de Beethoven, e no final da apresentação, Bakunine levanta-se, na plateia, aperta a mão de Wagner e diz bem alto, para que todos oiçam que, se toda música que já foi escrita se perdesse na conflagração mundial que estava para acontecer, essa sinfonia pelo menos teria que ser salva.
Em Maio de 1849 o rei da Saxónia recusa as exigências dos democratas e ordena a dissolução da Guarda Comunal. Numa reunião extremamente exaltada que se seguiu nessa tarde, os membros do Vaterlandsverein decidem oferecer resistência armada às autoridades, contando com a participação activa de Wagner. Corre a casa do tenor Tichatschek e persuade a esposa deste a entregar-lhe as armas que o marido guardava em casa, e a seguir vai inspeccionar as barricadas, quando tropas prussianas estão já a caminho da cidade a fim de esmagar a revolução. Wagner toma posse das impressoras do Volksblätter e manda imprimir panfletos revolucionários, ao mesmo tempo que envia o seu amigo Semper inspeccionar as barricadas e comprar granadas. Wagner passa a sexta-feira 4 de Maio com Bakunine. No dia seguinte as primeiras tropas prussianas entram em Dresden, quando há lutas pela cidade toda. Wagner sobe à torre da Kreuzkirche, utilizada pelos rebeldes como ponto de observação, e de lá lança mensagens atadas a pedras a Heubner e Bakunine, líderes da revolta, sobre os movimentos das tropas inimigas.Passa a noite na torre, sob bombardeio contínuo das tropas prussianas, E no dia seguinte escapa, vai até casa e parte com a mulher, Minna, para Chemnitz, para a deixar em lugar seguro, voltando depois para o centro dos acontecimentos. Em Dresden havia luta casa a casa, e na Câmara, ocupada pelos rebeldes, os rebeldes estavam desanimados e exaustos após seis noites sem dormir. Wagner vai para Freiberg em busca de reforços, mas antes que possa voltar a Dresden, a revolução é esmagada. Junta-se a Heubner e Bakunine, a caminho de Freiberg, e sugere que montem um governo provisório em Chemnitz. Nessa noite, Wagner e Bakunine dormem no mesmo sofá, porém, quando Wagner acorda de manhã, Bakunine e Heubner já tinham fugido. Wagner corre então para junto de Minna, e abandona o país.
Bakunine e Heubner  foram condenados à morte (depois comutada em prisão) e Wagner viu-se obrigado a passar onze anos fora da Alemanha, voltando à sua arte de sempre, a música.
Noutra fase da sua vida, em 1868, já reconhecido e conhecido das Cortes europeias (a de Luís da Baviera, em particular) trava amizade com Nietzsche, então professor de filologia em Basileia, que passa a frequentar assiduamente a sua casa de Tribschen, na Suiça. A relação com Nietzsche é muito especial na vida de Wagner, já que Nietzsche era seu admirador e via nele a possibilidade de promover uma cultura superior, de total afirmação à vida. No entanto, essa relação especial acabou em mútua desilusão, na medida em que Nietzsche passou a desacreditar a cultura como forma de emancipação e a perseguir outra ética de existência.
Fortemente nacionalista, a obra de Wagner inspira o espírito alemão, sobretudo com o grito de batalha de Brünnhilde, e com as palavras de Wotan denn wo kühn Kräfte sich regen, da rat' ich offen zum Krieg ("Quando poderes audaciosos se enfrentam, eu geralmente aconselho a guerra"), momento da estreia em que o público todo se levanta e aplaude, transformando o espectáculo numa verdadeira demonstração de chauvinismo germânico, mais tarde amplamente promovido pelo III Reich, de que a nora de Wagner foi entusiasta e seguidora.
Richard Wagner escreve também alguns ensaios anti-semitas e por essa razão, a sua imagem é por vezes distorcida, pelo facto de o nazismo o ter tomado como exemplo da superioridade alemã, contrapondo-o a músicos como Mendelssohn, que era judeu. O ensaio mais polémico foi Das Judentum in der Musik, publicado em 1850, no qual ataca a influência dos judeus na cultura alemã, e na música em particular. Nessa obra descreve os judeus como: "ex-canibais, agora treinados para ser agentes de negócios da sociedade". Segundo Wagner, os judeus corrompiam a língua do país onde viviam há muitas gerações, e a sua natureza tornara-os incapazes de penetrar a essência das coisas. A crítica é dirigida particularmente a Giacomo Meyerbeer e Felix Mendelssohn, compositores que além de judeus, eram seus rivais. Nessa época, Wagner insiste em que os judeus que viviam na Alemanha deviam abandonar o judaísmo e integrar-se totalmente na cultura alemã.
Há algumas análises controversas sobre obras suas, como Parsifal e Die Meistersinger von Nürnberg, segundo as quais algumas personagens seriam caricaturas anti-semitas, muito embora não haja referência explícita aos judeus em nenhuma ópera de Wagner, nem menções sobre o judaísmo em textos seus. Segundo esta interpretação, Kundry e Klingsor em Parsifal, por exemplo, serão claramente anti-semitas. Contudo, estudiosos do período antes da Segunda Guerra Mundial, como Max Heindel, fazem outra análise. Segundo eles, a maior parte das óperas de Wagner são parábolas para ilustrar alguns mistérios do cristianismo sob uma óptica esotérica, e sem relação alguma com ideias anti-semitas. Em Parsifal, por exemplo, Klingsor e o seu jardim mágico representarão a natureza inferior do ser humano, contra o qual Parsifal, o protagonista inocente e casto, deve lutar. Kundry será o símbolo do corpo físico, que ora serve os ideais superiores do Graal, ora serve o símbolo do mal, Klingsor. A passagem em que Parsifal cai em tentação, beija Kundry e depois sente as feridas causadas em Amfortas por Klingsor, representará o homem quando adquire a virtude em detrimento da inocência, que só pode ser alcançada quando este vence a tentação e passa a discernir o bem do mal.
Qual novos Amfortas dos tempos modernos, cá continuaremos neste reino, ainda de Klingsor, e nesta data, particularmente, escutando o Mestre, e relembrando, como Leibnitz, que apenas nos devem interessar os actos humanos não para os aplaudirmos, ou deplorá-los, mas, tão só, para os compreendermos. Wagner: Revolucionário? Reaccionário? Apenas e simplesmente, um génio…


segunda-feira, 20 de maio de 2013

O Camião de Biarritz


Notícias sobre as reservas de ouro do país, de volta aos jornais, recordaram a Ulisses as histórias que o avô Geraldo lhe contava, do tempo da guerra. Guarda-fiscal em Elvas nos anos quarenta, muitas vezes ali vira chegar camiões vindos da Europa beligerante, e aí conheceu Auguste Jacquet, um motorista suíço que regularmente viajava para a Península Ibérica, com carregamentos destinados ao Governo português. Elementos da PIDE aguardavam religiosamente a mercadoria a cada dois meses, contava, chegado, dirigia-se geralmente ao tenente Lobato, a quem muitas vezes viu entregar guias, longe da vista da Guarda Fiscal. De soslaio, e invariavelmente, nelas leu várias vezes uma palavra: Campfranc.
Certa vez, Auguste chegou antes da data prevista, antecipando-se ao homem da PIDE. Geraldo, a sós com o suíço, tentou sondar o conteúdo da carga, mas Auguste pouco adiantou, apenas sabia que metia alemães, e caça grossa. Chegou a espreitar o conteúdo, meras caixas de madeira, com dizeres em francês, atafulhando o camião, mas do conteúdo, nada.
Terminada a guerra, as entregas deixaram de se realizar, e Geraldo esqueceu o camião de Auguste. No Outono de 1947, já sargento, reviu-o, ao serviço duma empresa francesa. Vivia em Marselha, e a empresa para a qual trabalhara durante a guerra fechara portas e os donos, alemães, presos depois da libertação. Ocasião para satisfazer velhas curiosidades sobre os carregamentos. Descontraído, o suíço convidou Geraldo para almoçar, e depois duma sesta dispôs-se a falar:
-Vou-lhe revelar um segredo, Sargento Geraldo : os carregamentos que você nunca viu, mon ami, eram nada mais nada menos que lingotes de ouro, enviados pelo Banque National de Suisse para pagamento de vendas portuguesas ao Reich: volfrâmio, conservas, têxteis, muito ouro trouxe para o seu país nesses quatro anos. Só que, vou-lhe contar um segredo, entre as remessas oficiais, havia coisas menos claras, está a ver….
-Não, não estou. O que quer dizer com isso? - Geraldo bem sabia que ali sempre houvera marosca. Auguste, sorrindo, decidiu-se a abrir o jogo, a guerra terminara, e  nada havia a recear já:
-Muitas vezes que larguei de Berna com o carregamento, recebi instruções sigilosas para fazer a rota via Biarritz. Aí deveria ocorrer um reforço de carga, antes do posto fronteiriço de Campfranc. Aliás, não era só eu, outros colegas meus o faziam também, com destino a Fuentes de Oñoro e Valência de Alcântara, outros ficavam em Espanha…
-Mas o que iam carregar aí de especial? Armamento?
-Não…- Auguste fez suspense -Ao principio também eu desconhecia, mas finalmente descobri. Ouro! Lingotes de ouro! Só que este não era para pagamentos, era uma carga especial…
-Como assim?
-Mon ami, durante dois anos, a par de pagamentos da Alemanha ao vosso governo, via Suíça, aqui entraram para cima de 80 toneladas de ouro clandestino! Os alemães controlavam a Alfandega de Campfranc durante a Guerra, um grupo de oficiais da SS e um membro da Gestapo, viviam no hotel da estação, no lado francês. A Espanha não estava em guerra, mas Franco queria retribuir a ajuda de Hitler durante a Guerra Civil, o que se traduziu em facilidades de circulação na Península de ouro de várias proveniências...
Geraldo ouviu, matutando sobre o que teria isso a ver com o nosso país, a resposta veio célere:
-Portugal também esteve envolvido, e para cá vieram mais de setenta toneladas de ouro, prata, armas, relógios, etc, mas atenção: riquezas que altas patentes alemãs haviam confiscado a judeus em campos de detenção no Leste, e com as quais pensavam garantir o futuro depois da guerra. Os nazis permaneciam do lado da França ocupada, em Campfranc, aguardando os envios, viviam na estação e até chegaram a realizar lá concerto para ocupar o tempo, estavam lá apenas para despachar o ouro e outras coisas saqueadas aos judeus a salvo. Até dentes de ouro, e relógios!. Depois, não sei o que sucedeu, no fim da guerra muitos deles fugiram para a Argentina e Brasil. Quanto ao ouro… alguém está hoje a fazer uma vida regalada com ele, por certo. É assim a guerra, meu amigo, o azar de uns é a sorte de outros!
Geraldo, nada disse, a sua posição impedia-o de criticar a colaboração da temida PIDE em manobras no mínimo irregulares. Despediu-se de Auguste, e voltou para o seu posto. Seria a última vez que o veria. Meses mais tarde, Auguste aposentou-se, e foi viver de vez para Saint Moritz. Nessa mesma noite, em Elvas, depois do serviço, Geraldo dirigiu-se a uns barracões que tinha construído para os lados da Achada, ali passaria os dias criando galinhas, quando a reforma chegasse. Munido de um candeeiro a petróleo, entrou num deles, onde logo agitadas poedeiras saltaram espavoridas, dois ovos para uma açorda estavam a jeito. Atrás dum tijolo, e enterrado num buraco, um saco de pano guardava aquilo com que no futuro compraria muitos ovos, se preciso fosse: um lingote em ouro, amarelo e reluzente. Tanta viagem do Auguste aguçara-lhe a curiosidade e certo dia em que o apanhou desatento, descobriu com espanto o conteúdo dos misteriosos caixotes. E ladrão que rouba a ladrão….
Os anos passaram, já com mais de setenta, Ulisses, o neto de Geraldo, de novo ouvia falar do ouro de Salazar. Sorriu, com um ar maroto. Não fora Salazar apenas o único previdente. E nem de propósito, era altura de visitar as propriedades de Elvas, herdadas do avô, a ver se continuava a haver ovos no galinheiro…

domingo, 19 de maio de 2013

O mundo mágico de Taylor

Apaixonado por Sintra,desde há meses que Taylor Moore  patrulha os seus recantos esconsos e florestas encantadas, e com a sua máquina vem captando, como numa caixa de jóias, as sombras, luzes, e encantos da nossa Sintra Espectral. Amigo de tertúlias de fim de tarde, no Saudade ou Legendary, com frequência o vemos recolhendo imagens, reproduzindo sonhos, indómito sonhador peregrino vindo da tundra do Canadá. 
Com Taylor, Sintra ganha Eternidade, a serra profundeza, num arco-íris inebriante de desvario e paixão, e que se pode agora absorver  num pequeno filme com as suas excelentes fotos, já editado no You Tube. Sintra que já foi de Byron, Clementine Brelaz, Southey ou Milly Possoz, magnética e argêntea, continua na alquímica aventura de seduzir e encantar, levando o hidromel da pitospórica seiva a espíritos que com paixão a sabem louvar.



"Estava a chegar, despertadas, as Criaturas da Mata anunciavam a presença, sinos do submundo tocavam, arautos da cor e clorofila, despertando o perfume nas flores. Tonitruante, toda a nação dos pássaros tocava a rebate, comandada por zelosas andorinhas, voltadas do Grande Sul. Depois do Branco Inverno partir para o sono de várias luas na gruta-ventre, exércitos de borboletas invadiam libertinas os ares em  sagração, poisando em pétalas redentoras, bafejadas por raios generosos. Poetas estremunhados abandonavam os invernosos esconsos, bebendo Luz e respirando jasmim, na senda da Iniciação Multicolor. Era o Começo." Fernando Morais Gomes

E no Começo- é sempre um começo!- Taylor, e sua câmara encantada. Great job, my friend!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Cultura e Rissóis


No café do Esteves, entre duas minis e um rissol, congeminava-se sobre a associação que se pretendia constituir. Carla e Diniz, alunos de Comunicação Social, tinham um projeto multimédia, havia que organizar, procurar fundos e parcerias, o Diogo faria o site, no Facebook se promoveriam contactos. Filomeno, antigo revisor do Diário Popular, aconselhava, o nome estava ainda em génese, mas seria sem fins lucrativos e produtora de eventos, a sede, provisória, na garagem do Rodrigo, em Massamá. Entre os fundadores, a Mena, cantora de jazz, com um curso de teatro, o Peres, adepto da permacultura, o Nicolau, letrista rapper e a Vanessa, webdesigner, e filha do Esteves do café. Naquele dia discutiam-se os objetivos:
-Pessoal, isto tem de ser uma coisa diferente, é preciso estimular o livre pensamento, a ruptura, fugir da programação das câmaras, viradas para o show-off e a reprodução de modelos estafados e para inglês ver. Já viram que quem  frequenta eventos se limita a observar sem espírito crítico? Onde é que está a mudança mental? É como o cão do Pavlov, acena-se com o osso, e o cão saliva! -comentou o Peres, enrolando o cigarro e pedindo uma mini -O problema está em mudar de osso!
-As pessoas estão adormecidas, amigo, agora com a crise, as prioridades são outras...- atalhou o Filomeno, veterano, passara pelo GAC nos anos setenta e era respeitado entre a malta nova –para se  fazer qualquer coisa diferente, é preciso apostar nas vantagens criativas, e sobretudo, convencer quem tem o poder de decisão a criar nichos, apoiar com espaços criativos. Já viram o dinheiro que vai para espaços que só metem  pessoas de vez em quando, para uns almoços? E os sítios ao abandono que há por aí, bem podiam ser usados por grupos, tipo associações residentes, fizeram isso em Inglaterra...E potenciar a ligação entre os criadores e os agentes económicos!
O Nicolau, mais descontraído, ensaiou um rap, contorcendo o corpo junto ao balcão e cantando:
“-A-malta não tem espaço o espaço não tem malta o que poderei eu fazer para os gajos convencer o dinheiro já não é há é que berrar bué! É preciso dar a volta! revolta! revolta!”-ia improvisando, mais tarde ensaiaria com o Mingas. Ao balcão, o Adriano do talho, com um olho no Esteves e outro na conversa, teve um aparte irónico:
-Se fossem mas era tomar banho…. esta malta quer é viver à sombra da bananeira, amigo Esteves, cantem mas é um fadinho, coisas que o povo goste! -comentou, pedindo um rissol para o caminho.
-E depois é sempre a mesma coisa, só dificuldades! Se se organiza uma festa para angariação de fundos, vem a GNR e fecha, multas para cima do pessoal, há sempre uns anónimos a chamar por causa do ruído ou da licença. Na rua, nem pensar, os bancos não apoiam  a cultura, é mais fácil dar um milhão ao Mourinho…-rematava o Diniz. – Portugal está muito mal frequentado...
Geração recibo verde, outros nem verde sequer, tentavam dar a volta, a princípio parecera fácil, agora eram só dificuldades, apesar da  associação na hora, até para o telemóvel era preciso dinheiro, a Câmara cortava-se, alegando cortes orçamentais, e o centro de emprego, que antes apoiara alguns estágios, esquivava-se também.
-Então e a hipótese dum espaço no Museu Berardo? Aquilo agora está meio parado…- ainda sugeriu o Diniz -Aqui há tempos li que na Finlândia apoiavam uma espécie de laboratórios de eventos, tipo cluster, porque não uma coisa parecida, com tanto edifício industrial em ruínas, uma pintura e eletricidade, e já era um ponto de partida...
-Já tentámos, mas é tudo para alugar -atalhou o Filomeno, já se informara - sabem como é: no money, no funny.
A noite ia chegando, as minis acumulando-se, só a página no Facebook avançava. Amigos prometiam um concerto para recolha de fundos, colunas emprestadas, umas grades à consignação, havia que tentar, o Filomeno tinha um amigo no LX Factory que emprestaria audiovisuais, a Mena e a Vanessa poriam à venda artesanato e sangria, fizera sucesso uma vez.
-Sintra está morta, rapazes - interveio o Esteves, a filha no grupo obrigava-o a opinar - Quem tem dinheiro, quer é ir a sítios para ver e ser visto, coisas que desviem a cabeça dos problemas, um leitão em Negrais, futebol - elencou, conformado - o que vocês fazem, vão ver, vai ser sempre para os mesmos dez, e é se não se chatearem uns com os outros até lá! -sentenciou, repondo o balcão com guardanapos, um grupo na mesa do canto googlava no portátil. Na televisão anunciava-se  um casting para um programa de talentos.
-Olhem, estão a ver? -rematou o Diniz - o único caminho que se oferece  é este, o do sucesso sem trabalho para  cinco minutos de fama. O resto está minado. O pessoal não está anestesiado, está é em coma! Mas como dizia o outro, só é derrotado quem desiste de lutar!
O Filomeno, velho compagnon de route de muitas utopias concordou, repescando uma máxima dos seus tempos de anarca:
-É assim mesmo! O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo! -rematou, seguido dum brinde com as minis, no portátil lá foram construindo o site, na net pelo menos haveriam de existir.