sábado, 28 de dezembro de 2019

Amizade, essa Utopia


Chamamos amigos a todos os conhecidos com quem de forma amistosa nos relacionamos, no trabalho, no café, no ginásio, no clube de futebol, ou no ativismo, e as relações desenvolvem-se na partilha por vezes esporádica e gratuita de beber juntos um copo, dizer uma piada, praguejar contra um árbitro ou contra o governo. A forma continuada no tempo como fazemos isso faz-nos chamar amigos aos parceiros desses momentos, muitas vezes empolgados pela projeção dum ego grupal ou, se calhar, pelo álcool que a todos liberta e adormece. Gregários que somos, precisamos dessa inclusão, do abraço fácil, ontem feitos de idas ao cinema ou à discoteca, das futeboladas na rua, ou dos namoriscos de liceu, hoje filtrado pelas redes sociais e pelo preço barato de um “gosto”  que a todos faz “amigo”.

Amigos, porém, são os que, porventura tendo começado por ser conhecidos nesse contexto, souberam (soubemos) atravessar a cortina invisível das nossas personas, e olhar para eles, e eles para nós, fora das máscaras sociais com que nos projetamos, inclusive para eles (e muitas vezes, para eles, sobretudo). 

A amizade tem rituais iniciáticos, mas só quem souber ver para lá da caverna das ilusões e sentir o Ser, e não o Parecer, pode, após assentar a poeira dizer: este é um Amigo!. É um processo longo, doloroso por vezes, feito de desilusões e artifícios. Porém, quando uma centelha de Luz nascida de atos, e não só de palavras ou gestos mecânicos e previsíveis aproximar e afirmar essa cumplicidade, grandes momentos, e estradas patrulhados pelo Sol, surgirão, e os verdadeiros amigos se revelarão. A esses é consentida a frase que magoa, mas faz acordar, as lágrimas de desespero que logo um abraço limpará, ou o conselho desinteressado que pode dar força para dar um passo em frente. Eis a Grande Utopia.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Efemérides Sintrenses em 2020


Vem aí 2020, ano para assinalar algumas efemérides que a Sintra respeitam, nomeadamente o centenário da Escola Militar de Aviação na Granja do Marquês (foto) e o da morte na sua casa da Estrada da Macieira, do Dr. Gregório de Almeida, médico em Sintra desde 1891, e considerado "O Pai dos Pobres".

É em 1920 que Adriano Júlio Coelho funda a Sociedade de Turismo de Sintra, no âmbito da qual se constrói o Casino, o Bairro das Flores e fazem melhoramentos no caminho de ferro. Também neste ano morre em Londres o 2º visconde de Monserrate, Frederick Cook, deixando como herdeiro o filho, Herbert Cook. E, em 29 de agosto, nasce em Tavarede, Figueira da Foz, a poetisa de Sintra Maria Almira Medina,(foto) centenário que igualmente se espera tenha o relevo que Maria Almira merece.
Em 1920 Raul Lino constrói a famosa Casa Branca, nas Azenhas do Mar, e em Outubro é fundado o Sporting Clube de Lourel, filial nº 108 do Sporting Clube de Portugal. Já a 24 de outubro, morre o proprietário da Quinta da Regaleira, António Augusto Carvalho Monteiro,(foto) herdando a quinta o seu filho Pedro, e também este evento deverá ser um momento para revisitar a sua figura de filantropo.
Mas de memória mais recente outras datas são de assinalar em 2020: os 80 anos da morte de Carlos de Oliveira Carvalho, o “Carvalho da Pena”, da fundação do Hóquei Clube de Sintra, e da abertura da biblioteca municipal no Palácio Valenças, os 50 anos do restaurante Apeadeiro, ou os 40 da morte do cantor Max, residente no concelho.
Rumo ao futuro, Sintra não pode esquecer o seu passado, e os construtores de Memória que fazem dela uma experiência mais que um lugar.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

2019 a terminar


2019 chega ao fim com diversas nuvens no horizonte, desde a incerteza quanto à economia mundial, dado o Brexit e a tensão nas relações com a China, quer na evolução do processo democrático em muitas zonas do globo (Hong Kong, Venezuela e Bolívia, entre outras, sem falar no grande debate e nas grandes decisões adiadas sobre o combate às alterações climáticas, que os grandes poluidores teimam em procrastinar, quais avestruzes na areia.
O ano internacional foi marcado, nas Américas, pela irrupção do populista Bolsonaro no Brasil, a braços com o défice democrático, a catástrofe ambiental na Amazónia e as decisões pendulares em torno da Operação Lava Jato, que para já colocaram Lula fora da cadeia, bem como pela tensão política no Chile e na Bolívia, aqui tendo mesmo levado à demissão de Evo Morales, e o regresso do peronismo à Argentina. Mais a norte, a guerra comercial de Trump, a braços com a trapalhada dos telefonemas para a Ucrânia e o processo de impeachment, prometem cenas dos próximos capítulos em 2020, ano de eleições presidenciais.

Na Europa, o Brexit balançou entre os gritos por “order” e as piruetas de Boris Johnson, vencedor duma guerra ganha pelo cansaço, enquanto no universo comunitário uma nova equipa imposta pelo diretório franco-alemão impôs Ursula Von Der Layen como a “senhora que se segue”. Também Espanha esteve na berlinda, com as sentenças dos independentistas catalães e a sucessão de atos eleitorais inconclusivos, fato que também ocorreu em Israel, levando a soluções de compromisso instável ou mesmo a novas eleições no ano que vem.
África mantém-se pouco aberta a grandes mudanças, não obstante as eleições em Moçambique e na Guiné-Bissau terem ocorrido com transparência, segundo os observadores, e Omar El-Bashir e Boutflika tenham sido substituídos por pressão popular, no Sudão e na Argélia, o primeiro ministro etíope tenha ganho o Prémio Nobel da Paz, e Mugabe morrido, já afastado, aos 95 anos.
Produto ou não do clima que se revolta, houve ciclones em Moçambique, nas Bahamas e nos Estados Unidos, tornados nos Açores, fogos no Brasil, na Califórnia e na Austrália. Clima que pôs em destaque Greta Thunberg e as Fridays for Future, e a impotência dos Estados para afrontar o problema, como o fiasco da COP 25 o atesta.
Destaque ainda para os atentados de Christchurch, a prisão de Julian Assange, a entronização de Naruhito no Japão, o incêndio da Notre Dame, a morte de Jacques Chirac, a convulsão social em França e a vontade da Turquia de se tornar uma potência hegemónica na Ásia Central.

Entre nós, o ano fica marcado pela reeleição de António Costa, o fim da “geringonça”, a criação do Aliança, e o aparecimento de novos partidos na Assembleia da República, o caso das golas inflamáveis, as greves dos motoristas de matérias perigosas e dos enfermeiros, a saída de cena de Assunção Cristas e a continuação da atenção mediática em torno de diversos casos judiciais, uns mais políticos (Operação Marquês, Tancos) desportivos (Alcochete) ou criminais (morte de Luís Grilo). Casos como o do bebé sem rosto ou o encontrado no lixo, o aumento da violência doméstica, as atitudes de Joe Berardo no Parlamento, e o estado do Serviço Nacional de Saúde foram notícia ao longo do ano e prometem passar para 2020. De referir também o desaparecimento de Arnaldo de Matos, André Gonçalves Pereira, Alexandre Soares dos Santos e Freitas do Amaral, e de figuras de relevo da cultura portuguesa, como Sequeira Costa, Bigotte Chorão, Maria Alberta Menéres, Agustina Bessa Luís ou Pinharanda Gomes.

No plano cultural e artístico internacional, é significativo o painel dos que nos deixaram este ano: James Ingram, Agnes Varda, Bibi Ferreira, Bruno Ganz, Karl Lagerfeld, André Previn, Beth Carvalho, Doris Day, Franco Zeffirelli, João Gilberto, Rutger Hauer, Peter Fonda ou Anna Karina, num ano marcado pela ascensão da Netflix e do digital e pelas ameaças do 5G chinês. No plano nacional, assinalar a morte de Dina, Roberto Leal, Teresa Tarouca, Argentina Santos, José Mário Branco, Eduardo Nascimento, o reconhecimento dos caretos de Podence como Património Imaterial da Humanidade, o Prémio Camões atribuído a Chico Buarque, e o Pessoa a Tiago Rodrigues.

O desporto continuou a ser marcado pelo futebol e pelas polémicas: a situação explosiva do Sporting, a expulsão de Bruno de Carvalho, os casos e-toupeira, Lex, ou Rui Pinto. Mas também pela vitória do Benfica e de Bruno Lage no Campeonato Nacional, a transferência milionária de João Félix para o Atlético de Madrid, a conquista da Liga das Nações, ou os sucessos nos campeonatos do mundo de hóquei em patins e futebol de praia, a par de troféus individuais, como o do judoca Jorge Fonseca, e o o reconhecimento internacional de Jorge Jesus no Brasil. Morreram, entre outros, Nikki Lauda, Jordão e Fernando Peres.
Last, but not the least, Sintra. 2019 continuou a marcar o crescendo de Sintra como destino turístico, confirmado pelos milhões de visitantes e potenciado pelos inúmeros prémios internacionais e a visibilidade dada este ano pela estreia do filme “Frankie” de Ira Sachs, integralmente filmado entre nós. Destaque fatual para a inauguração de novos centros de saúde, a aprovação do novo Plano Diretor Municipal ou as alterações ao trânsito e regulamentação do transporte turístico. Finalmente, uma nota de saudade para assinalar três amigos que faleceram, a todos deixando saudade: o arquiteto Diogo Lino Pimentel, grande defensor do Centro Histórico e sua autenticidade; o antigo vereador António Correia de Andrade, lutador em prol da resolução de muitos problemas urbanísticos, ligados, sobretudo, com os bairros ilegais; e o anterior presidente da junta de Cacém e S. Marcos, Estrela Duarte, exemplo de trabalho e dedicação às populações por si representadas.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Morrer depois de já ter morrido



Morreu José Lopes, dizem as redes sociais, ator que o meio abandonou, e viveria de forma precária numa tenda, algures no concelho de Sintra. Confesso que nunca ouvi falar dele, nem recordo nenhuma peça, filme ou novela em que tenha entrado. Mas de tantos "amigos" indignados, nas redes sociais, vituperando a sociedade pela falta de auxílio, não haveria um só que lhe pudesse ter valido, encaminhado ou apoiado? Tanto "amigo" e já só morto há dois dias se deu por ele? Tantos amigos que tinha afinal, e contudo...

Hoje a amizade e a compaixão são só nas redes sociais, ao alcançe dum like ou emoji, mais para que outros leiam e vejam que assentes na vida vivida e de sentimentos reais. Logo já outro assunto dominará a rede, e o falecido regressará ao silêncio para onde há muito já estava desterrado. Alguns terão sido amigos de verdade, admito, sem conhecer, mas ninguém que se assuma como amigo pode deixar de se interrogar, se no Inverno duma sociedade de foguetório não há já uma vela de esperança que, tendo podido ajudar José Lopes (n)os tivesse igualmente ajudado a salvar.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O envelope verde

Um Natal sportinguista...

Na casa de Janas, desde há muitos anos que na árvore de Natal aparece pendurado um envelope verde, sem remetente ou destinatário. Tudo começou por causa do tio Álvaro. O velho e espartano solteirão detestava o Natal, não porque não estimasse a família, mas para ele massificador de emoções, fazendo da fraternidade algo a que se acrescia lucro e iva. Era avesso às compras, às comezainas pantagruélicas e aos pares de meias com ursinhos embrulhadas com fitas cintilantes, confissão desesperada de quem não tinha nada original para oferecer. Até o Pai Natal fora inventado pela Coca-Cola, alegava reticente.
Sabedora do feitio torto, naquele Natal Sofia decidiu deixar de lado as peúgas e gravatas às bolas e foi à procura de algo que ele apreciasse, e a ideia surgiu-lhe um pouco por acaso: Sérgio, o filho mais novo, jogava futebol no colégio, e em meados de Dezembro a sua equipa fora disputar um jogo contra uma de Monte Abraão. Em contraste com os equipamentos limpos e de boas marcas da equipa do Sérginho, os deles eram usados e sujos, sapatilhas esfarrapadas, um mundo cruel e real. O tio Álvaro também foi ao jogo, e sentiu claramente a diferença entre os que têm e os que anseiam, reais mundos deste mundo. Os de Monte Abraão perderam o jogo, mas com o orgulho ferido calaram a derrota, não eram as sapatilhas a única coisa esfarrapada ali.O tio Álvaro, velho adepto de futebol, e do Sporting- nasci para sofrer, dizia - no fim do jogo encolheu os ombros, taciturno:
-Os miúdos da outra equipa têm potencial, mas é pena, têm poucas condições, é por isso que muitos deles depois desistem. Apesar de torcer pelo nosso Sérgio, hoje gostava que eles tivessem ganho! -desabafou, um pouco mais expansivo que o habitual.
Nos anos sessenta, Álvaro Camacho fora treinador de juniores no Sporting, a alguns viu mesmo singrar nas divisões intermédias, amigos para o resto da vida. Ainda nessa altura, no café do Fernando, com muitos dos putos já veteranos, comentava regularmente as partidas e as carreiras difíceis. O desabafo deu a Sofia uma ideia para um presente que por certo o levaria a mudar de ideias quanto à data. Divorciada e dona duma boutique, com alguma folga financeira que permitira a casa em Janas, tinha um coração generoso. Dias mais tarde, entrou numa loja de desporto, comprou onze pares de sapatilhas e enviou-as à escola de Monte Abraão. Na véspera de Natal, discretamente, pendurou na árvore cintilante um envelope verde, com um bilhete para o tio Álvaro, a oferta das sapatilhas aos miúdos era o presente dela para ele. Surpreendido, esboçou um sorriso discreto mas luminoso e naquele ano, depois da ceia, até comeu filhoses, e bebeu vinho do Porto.
Nos anos seguintes, a árvore de Natal passou a contar com um envelope verde pelo qual um grupo de crianças ou pessoas carentes beneficiaria, sem o saber, dum tio que recriminava o Natal, virando mesmo tradição: um ano, foi um cheque a um paralímpico sem meios; outro, um perú para o lar de idosos onde estava a Ercília, antiga criada da casa, o envelope surpresa passou a ser o momento alto do Natal pelo qual o tio Álvaro passou a aguardar, ansioso, sem grandes exuberâncias, mas interiormente feliz. Religiosamente, era sempre o último presente a ser lido na noite de Natal, e com o tempo até o Sérgio e os irmãos mais novos deixaram de lado os brinquedos que já sabiam ir receber, à espera do momento em que, qual entrega dos Óscares, se revelaria o nome dos contemplados desse ano. O tempo foi passando, e as crianças crescendo, mas o inevitável envelope nunca perdeu o seu lugar e encanto.
Um dia, um cancro de pulmão fez das suas e o tio Álvaro partiu, levando o velho sportinguista que detestava o Natal, mas involuntariamente fizera vários Natais felizes.
O ano passado, ainda chorosos pela perda do carismático tio, Sofia e Sérgio, já adulto, como sempre enfeitaram a árvore junto à lareira onde pontificavam retratos de familiares sorridentes, mortos e vivos, o tio Álvaro em destaque com o seu bigode farto e o nariz achatado. No meio das bolas e luzes, e do presépio da avó Chica, de novo um envelope verde, bem ao centro. Foi Sérgio, cúmplice, quem o colocou. Antes da ceia do Natal, um segundo envelope adornava outra ramagem da árvore, e à noite, mais três se lhe juntaram. Também os irmãos mais novos de Sérgio, fãs do Bruno Fernandes, sem o dizerem, colocaram envelopes, e sorridentes, disfarçaram surpresa, alegando ser coisa do Pai Natal. À meia-noite, depois da ceia e dos presentes, todos à vez foram à árvore e abriram o envelope com a prenda que em memória do tio Álvaro iriam dar: a Joaninha, duas bonecas para o ATL da escola, em Morelinho; o Rui, uma bola de futebol para os filhos do Etelvino, desempregado e em dificuldades; até o Marquitos, na ingenuidade dos seus cinco anos ofereceu um desenho representando o tio Álvaro com um leão, treinando dois meninos a jogar futebol, para o infantário.Nos natais da casa de Janas, o espírito de Natal passou a ser o momento da homenagem àquele velho tio avesso às aparências, e a ser mais importante dar que receber.É Dezembro de Natal, na rádio toca Rudolph the Red Nosed Reindeer, e fico por aqui, que há envelopes verdes para ir comprar. Só eu sei porque não fico em casa.  
   

domingo, 1 de dezembro de 2019

Portugueses, celebremos...


O momento é solene na Quinta do Espingardeiro. Sua Alteza Real El-Rei D. Duarte II, novo rei de Portugal, recebe neste momento os conjurados que o restauraram na Coroa depois dos extraordinários eventos da última madrugada.

Assinalando-se como de costume o feriado do 1º de Dezembro, grupos monárquicos convocaram durante a noite, através do Twitter, uma manifestação contra o regime, em protesto contra a degradação das instituições e do prestígio do país, e logo pelas cinco da manhã umas dezenas de jovens, vindos do Urban e da Rua Rosa, se juntaram no Terreiro do Paço, local onde em 1908 o saudoso rei D. Carlos foi assassinado por cobardes carbonários.
Rápido alguns milhares acorreram em apoio, a captar o flash mob para o Instagram. Passando na hora, embuçado, o fadista João Braga falou à multidão, incitando contra os corruptos e vendilhões da Pátria, momento em que um grupo mais determinado apelou a que se restaurasse a monarquia no país. Inflamados, e fugindo ao controlo dos poucos policias destacados, marcharam até à fragata Corte-Real, ancorada em Alcântara, onde só um oficial de dia e alguns marinheiros permaneciam. Invadindo a embarcação, e aprisionado o tenente de serviço, fuzileiros veteranos, hoje porteiros de bares na 24 de julho, apoderaram-se do navio e do paiol, para gáudio da populaça, com nacionalistas e skinheads à mistura, conduzindo o amotinado vaso de guerra para Belém, onde via rádio, e já frente ao palácio presidencial, contactaram o Estado Maior das Forças Armadas exigindo a rendição do regime.
Enquanto grupos civis cortaram os acessos a Belém e S. Bento, controlando as saídas dos cacilheiros e do metro, os ocupantes do Corte-Real ameaçaram com fogo sobre Lisboa e o Palácio de Belém, exigindo a rendição do Presidente da República. Apanhado de surpresa, (apesar de saber sempre tudo), este encontrava-se no momento a tirar selfies no Banco Alimentar contra a Fome, e aí encontrou abrigo junto de alguns sem abrigo, tendo sido escondido por Isabel Jonet entre pacotes de esparguete e o leite em pó. Um assessor ainda tentou parlamentar com os revoltosos, mas estes, via grupo de Whatsapp, entretanto criado, mostraram-se intransigentes, e o ex-presidente acaba de ser evacuado num tuk tuk para a Base Aérea nº1, em Sintra.
Alertadas, a CNN e a CMTV enviaram já jornalistas para o terreno, Christiane Amanpour, Tânia Laranjo e Moita Flores estão a comentar em direto, garantindo a mão de Rosa Grilo e de Carlos Santos Silva na rebelião e financiamento do golpe. Em Sintra, no café da Natália, D. Duarte, vai sendo informado por telemóvel e pelos alertas da CMTV do curso dos acontecimentos, roendo as unhas e comendo travesseiros quentinhos.
Reunido no Restelo, o ministro Cravinho ameaçou com a força militar, e com um ciberataque aos revoltosos, para tanto tendo mobilizado alguns estagiários recentemente contratados a 500 euros na Web Summit, e Rui Pinto, que sabemos ter sido solto há pouco no calor dos acontecimentos por Ana Gomes e Francisco J. Marques. Ainda se tentou acionar um dos submarinos, o Tridente, mas este tem a guarnição toda em formação, e nunca fez tiro real, além de que os operacionais e a artilharia estão na República Centro Africana e os poucos que estão de serviço ainda estão de ressaca das comemorações do 25 de Novembro.
No auge da operação, os conjurados, com o apoio de um grupo de forcados e figurantes do programa do Baião, aliciados com a promessa de bilhetes para o Rock in Rio e o Europeu, invadiram o Palácio de Belém, apeando a foto do deposto presidente Marcelo e içando a bandeira monárquica. Uma proclamação ao país circula no Twitter e no Facebook, e muitos populares, arvorando bandeiras azuis e brancas, se multiplicam neste momento nas ruas da Baixa, num Black Friday patriótico. No Palácio da Independência, Mário Centeno e Eduardo Cabrita, amordaçados com golas antifumo, foram defenestrados pela populaça aos gritos, acicatados por Bruno de Carvalho, e pelo Rouxinol Faduncho, ostentando já umas reluzentes dragonas de marechal. Sem derramamento de sangue, reforçado o movimento com o apoio de ex-militares da PJM, com granadas recuperadas de Tancos, alguns amigos de Mustafá e do Macaco, e da própria Cristina Ferreira, caiu de forma abrupta a III República Portuguesa, implantada a 25 de Abril de 1974.As redes sociais estão entupidas de likes e emojis, os telemóveis saturados, e o Hino da Carta é neste momento o vídeo mais visualizado no You Tube, a par dos discursos de Greta Thunberg e do nascimento de pandas no zoo de Budapeste.
Ainda esta manhã, na casa de Sintra, D. Duarte vai receber uma delegação de conjurados que em exaltação patriótica o irão proclamar legítimo herdeiro do trono, gritando real por el-rei de Portugal. Sabe-se já que com o apoio da futura rainha, D. Isabel de Herédia, e dos infantes, Sua Majestade vai aceitar o pesado fardo que o povo português, nação de gente boa, lhe pede neste momento histórico, e em cortejo triunfal partirá ao fim da manhã para a Ajuda num UMM blindado, escoltado por motards e campinos a cavalo. Derrotado em Évoramonte, o bisavô, D. Miguel, exulta por certo, lá onde esteja.
Na sala do trono no Palácio da Ajuda as forças armadas irão prestar lealdade ao novo monarca, que, dirigindo-se ao povo duma das janelas, e envergando o manto que pertenceu a D. Carlos, irá prometer democracia e pluralismo, respeito pela tradição, e julgamentos isentos para os derrotados. Uma banda tocará o Hino da Carta, esperando-se igualmente discursos de Toy, Lili Caneças e Betty Grafstein, duquesa de Mântua.
Segundo nos fizeram saber já, as primeiras medidas do novo regime serão a extinção da Guarda Nacional Republicana, substituída pela Guarda Real, a convocação de Cortes Constituintes e a nomeação dum governo de puro sangue azul, sendo o nome mais falado para o presidir o Marquês das Antas, D. Jorge Nuno. A aclamação oficial de D. Duarte II ocorrerá na Sé de Lisboa daqui a um mês, perante o clero, a nobreza, e os parceiros sociais.
Ainda esta noite o presidente deposto, Marcelo, partirá para o exílio, encontrando-se neste momento a tirar selfies com os militares que o detiveram. Perturbado, fala sozinho, e solta frases sem sentido, como comprar leite para os sem abrigo ou ter ainda trinta e sete condecorações por entregar. O ex-primeiro ministro António Costa, que se encontrava na Índia, em visita oficial, ainda apelou à mediação de Guterres e do videoárbitro, mas reconheceu já a derrota. É impressionante o ambiente nas ruas, o povo exulta, grupos de forcados de Salvaterra, membros do grupo Stromp e até José Cid acorrem a celebrar o novo rei. Uma corrida à antiga portuguesa com pompa celebrará em breve este dia histórico, em que a velha nobreza e os marialvas estão finalmente vingados.
Refreadas as emoções, há que retomar a administração da coisa pública. Na quarta feira, o Conselho de Ministros irá reintroduzir o escudo como moeda nacional, com cotação em paridade com o bolívar venezuelano, e inúmeros dirigentes do PAN partirão para o exílio em Trinidad e Tobago, condenados a comer sandes de courato e febras durante a viagem. Ao deputado Ventura foi prometido um título de duque, e a nomeação como novo Intendente da polícia. Dois conhecidos líderes espirituais negros, Joacine e Mamadu, fugiram para um quilombo perto de Palmela, onde ainda hoje serão detidos e levados a julgamento, do Brasil voltarão exilados como Jorge Jesus, que será ministro do Desporto e feito Visconde de Flamengo.
Instalado na Pena, contemplando os seus domínios e as hordas de súbditos e turistas, D. Duarte II vai finalmente reinar no trono de Portugal. Viva o Rei! Viva o 1º de Dezembro! Antes Rei uma hora no Facebook que pretendente toda a vida!
Em breve num cinema perto de si.