Se há alguém que pode ser justamente considerado o precursor dos estudos sobre a história de Sintra, esse alguém é João António de Lemos Pereira de Lacerda, 2.º visconde de Juromenha.
Era filho do 1º. visconde de Juromenha, o tenente-general António de Lemos Pereira de Lacerda, e começou a sua educação no seminário irlandês de S. Pedro e S. Paulo, vulgarmente conhecido pelo Colégio dos Inglesinhos, passando depois ao Real Colégio dos Nobres. Foi mais tarde para a Universidade de Coimbra, onde fez exame de francês, inglês, latim e grego, e matriculou-se em seguida nas faculdades de Matemática e Filosofia, cursos que teve de interromper por ter rebentado a guerra civil em 1828. Seu pai tornara-se partidário da causa miguelista e ele acompanhou-o nas mesmas ideias. Recebendo procuração de seu pai, representou-o na reunião dos Três Estados do Reino, convocados em Julho de 1828, e nessa qualidade aclamou a nova realeza. Não foi, porém, um político militante nem exaltado, e durante os anos de 1828 a 1838 não consta que se evidenciasse pelas ideias exageradas ou por feitos, que atraíssem antipatias e ódios. Quando terminou a campanha, contudo, dadas as simpatias miguelistas teve de emigrar, durante 4 anos. Regressando à pátria a sua estreia na carreira das letras foi a publicação da obra intitulada Cintra Pinturesca, ou Memoria descriptiva das villas de Cintra, Collares e seus arredores, Lisboa, 1838; saiu sem o nome do autor, e foi acompanhada dum atlas e de estampas ilustrativas de diversos pontos da Memoria. Esta obra foi revista por Alexandre Herculano, com quem o visconde de Juromenha travara relações por intermédio do seu antigo amigo e condiscípulo Inácio Pizarro de Morais Sarmento, realizando-se entre os três contínuas conferências literárias. As relações com o grande historiador foram sempre as mais amigáveis, apesar da profunda divergência de opiniões políticas.
O visconde de Juromenha era tido geralmente como um dos mais profundos investigadores das nossas antiguidades. O que ambicionava sobretudo era entregar-se ao estudo da obra de Camões, dos seus críticos e comentadores. De 1838 a 1859 foi esse o alvo constante. Às suas acções se deve averiguar-se a data verdadeira da morte do poeta, que foi um ano depois daquela em que fora designada pelos antigos biógrafos e até pelos contemporâneos de Camões; o lugar da sua sepultura no convento de Sant'Ana, descobrindo-se os ossos, a fim de se prestar a homenagem que se devia ao poeta. Em 1859 mandava imprimir na Imprensa Nacional o 1.º volume. Além deste trabalho, o visconde de Juromenha preocupava-se também com outros estudos igualmente importantes. O conde de Raczynski, ministro da Prússia em Portugal, interessava-se muito pela arte portuguesa, e desejava travar relações com o visconde de Juromenha, quando andava trabalhando nos dois livros que escreveu: Les artes en Portugal e Dictionnaire historiço-artistique du Portugal. Foi o visconde de Balsemão quem o apresentou ao diplomata prussiano. O visconde de Juromenha foi um grande auxiliar para aqueles trabalhos, como o próprio conde Raczynski confessa no Dictionnaire a pág. 169, dizendo que um grande número dos mais importantes esclarecimentos sobre artes em Portugal, que se encontram reunidos nas suas Cartas e no Dicionário, os deve ao visconde de Juromenha, a quem tece os maiores elogios, dizendo que se não fosse o seu auxílio, não teria concluído nunca aqueles trabalhos. O visconde de Juromenha colaborou no Jornal de Bellas Artes, onde escreveu um artigo acompanhando o catálogo de uns 70 quadros de primeiros artistas estrangeiros, enviados pelo célebre Mariette a D. João V. Na Revista Critica de Bellas Artes, redigida por Loesevitz, escreveu dois artigos, um acerca de Grão Vasco, e o outro intitulado Túmulos de Santa Thereza e Santa Sancha de Lorvão, em que minuciosamente descreve os riquíssimos túmulos de prata daquelas princesas. Colaborou entre outros nos jornais Nação e Catholico, e em outros. Escreveu também um artigo folhetim sobre o punhal de prata (faca de mato) que naufragou, onde se encontram algumas informações curiosas relativas à arte de ourivesaria em Portugal. Quando o exército italiano entrou em Roma, escreveu um opúsculo dirigido a Pio lX, em que fazia a sua profissão de fé católica, sob o título de: Submisso protesto de um portuquez catholico, ao santissimo padre Pio IX, Lisboa; 1869. Escreveu também e publicou em 1870 outro opúsculo: O isthmo de Suez e os portuguezes; saíra primeiro em folhetins na Nação. Em 1873, por circunstâncias políticas e a instâncias dos seus correligionários, saiu do Reino, e foi à Baviera por ter sido convidado, a assistir em Heubach ao consórcio da princesa D. Maria Teresa de Bragança com o arquiduque Carlos Luís, irmão do imperador de Áustria-Hungria, Francisco José. Regressou a Lisboa quatro meses depois. Por proposta de Silva Túlio, elegeu-o a Academia Real das Ciências seu sócio correspondente. No Occidente, vol. x, de 1887, pág. 147, 159, 174, 190 e 198, vem a sua biografia e uma apreciação das suas obras, escrita por Brito Aranha. Deixou muitos manuscritos, entre os quais : Lucrecia Borgia; estudo biográfico com as suas cartas, documentos, um fac-símile e um retrato contemporâneo desconhecido; Resposta á obra do sr. Latino Coelho «Camões» no tomo I da Galeria dos varões illustres; Angelberg, fragmento de viagem; opúsculo em que descreve a visita que o autor fez, acompanhando as filhas de D. Miguel de Bragança junto da sepultura de seu pai, quando foi assistir ao casamento da princesa D. Maria Teresa; O leão e o burro, conto chinês; refutação ao livro do general Francisco Leoni «Camões e os Lusíadas»; neste opúsculo, aludindo ao apelido do general e ao epíteto com que são classificados os membros do partido legitimista, o autor rebatia, pelo lado jocoso, as asserções pouco verídicas com que ele era criticado e a memória de Camões caluniada; Onde estava a liberdade, opúsculo político. Sobretudo pela Cintra Pinturesca merece já o epíteto de Pai da História de Sintra.
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