Ao contrário da canção
de Paulo de Carvalho, os dez anos de Cavaco Silva na Presidência da República
foram anos em que a instituição e o povo se distanciaram, se teve uma visão
redutora e formal dos poderes presidenciais, em que a relação com os partidos
se pautou sempre por uma “quarentena higiénica” para quem estes- donde ele
emergiu, aliás- foram sempre “os agentes políticos”. Mesquinho, vingativo,
contabilista mais que visionário, provinciano mais que ecuménico, não obstante
ter sido o político português que em democracia mais vezes foi eleito com o
voto popular, encarna, no fundo, uma visão paroquial do país de que o Portugal
profundo e dos brandos costumes nunca se libertou.
Paradoxalmente, o homem
que chamou o Estado de “monstro” foi quem mais o engordou nos loucos anos
noventa, o homem do leme que apela ao regresso ao mar foi quem desmantelou as
pescas e a frota pesqueira, o homem dito impoluto e desinteressado foi quem ainda
hoje não explicou cabalmente as suas relações com o BPN e a clique que desde os
seus tempos se instalou na banca e nos negócios, neste novo fontismo de “agenda
telefónica” gerador de gestores sem experiência que não a do cartão partidário,
filiação numa jota ou assessoria num ministério.
A História dirá o que
foi Cavaco nestes anos vertiginosos. Se o Cavaco patrono dos Dias Loureiro,
Oliveira e Costa, Miguel Relvas ou Duarte Lima, se o construtor das
autoestradas onde ninguém passa ou dos polidesportivos sem atletas, se o
reformado que trocou o salário de Presidente pela pensãozita do Banco de
Portugal aforrada com o “honesto trabalho de professor”.
Celebremos, para já, a
brisa fresca que a partir de 4ª feira tirará o mofo dos cortinados de Belém. Não
para que conspirações maquiavélicas ali passem a ter lugar, conhecedores que somos da traquinice do novo inquilino, mas para que a
normalidade dum cargo cada vez mais normal reganhe o “espírito do lugar” e
espante as teias físicas e mentais que ali moraram nos últimos anos.
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