Pierre Schlumberger inspecionava as luminárias e archotes
ultimando os pormenores para a festa na Quinta do Vinagre, enquanto os
repórteres da Time e Paris Match iam chegando a Colares. Militares da GNR
garantiriam a segurança dos mil e duzentos convidados servidos por um batalhão
de criados impecavelmente vestidos. Dois dias depois, Anteñor Patino daria
outra festa no Alcoitão, era o momento de brilhar e esmagar.
Pierre acabava de se retirar da presidência da Schlumberger
Well Surveying Corporation, desde 1956 que o alsaciano assegurava a presidência
da firma que seu pai lançara em 1927.Mais de trezentos milhões de dólares de
receitas, era o fruto do império construído em quarenta anos, com mais tempo
livre agora, era tempo de mostrar ao mundo o poder dos Schlumberger. Quatro
anos antes desposara Sãozinha, uma portuguesa com sangue alemão, que estudara
em Lisboa e o convencera a comprar a quinta de Colares.
A casa era uma mansão quinhentista, agora ricamente decorada.
Sem olhar a despesas, mandou vir Picassos, tapeçarias, samovars e castiçais e
durante meses decoradores trabalharam para construir um cenário feérico,
aplicando três milhões de dólares nos mais de vinte quartos e jardins. No pátio
da entrada, onde pontificava uma arejada varanda assente em colunatas, um
tanque com dois leões heráldicos rematava um harmonioso conjunto. Antes da
festa, alguns momentos a sós com Sãozinha, um anel de brilhantes premiaria o
bom gosto da anfitriã, distribuindo charme pela várzea de Colares.
Nessa noite de 3 de Setembro toda a beautiful people do mundo
confluía para Lisboa. Jactos, iates, bólides, todos os prendados com o cobiçado
convite. Não estar na festa Schlumberger era ser irrelevante. Até ministros
quiseram ir, Salazar opôs-se porém, havia que ter contenção e sobriedade, já
iam as filhas do almirante Tomás. À hora aprazada, o glamour da Europa e
América, o exotismo asiático, playboys e tycoons da finança, espalhavam
elegância na estrada de Colares enquanto nas bermas voyeurs tentavam
identificar as estrelas, apreciar os vestidos, as jóias e os decotes: o rei
Umberto de Itália, Juscelino Kubitschek, os duques de Bedford, a princesa Ira
von Furstenberg, Vincent Minnelli, Zsa Zsa Gabor, Audrey Hepburn, Françoise
Sagan, Gina Lollobrigida, a Begum Aga Khan, todos os que contavam. Flûtes de
champanhe e canapés de lagosta circulavam ao som de orquestras, qual conto de
fadas. Á meia-noite, porém, os cocheiros não virariam ratos, ou as carruagens
abóboras. A condessa Rotschild ostentava uma tiara que era cópia da de Grace do
Mónaco, asseveravam alguns, Gina Lollobrigida, a mais decotada, desde o Estoril
que vinha seguida por papparazzi. Audrey Hepburn recordou que nessa noite Henry
Ford II celebrava o aniversário, e lá veio um regado happy birthday, dear
Henry, enquanto Soraya da Pérsia, alertada para mais um sismo no seu país
comentava com Curd Jurgens que não a incomodassem com trivialidades…
Os homens da GNR, entre o pasmo e o assombro, contemplavam
aquele inusitado desfile de pavões, as luzes admiráveis, a fartura de comes e
bebes que gentilmente os anfitriões puseram à disposição. O cabo Antunes,
transferido de Mesão Frio, sentia-se o chefe da guarda em Buckingham, montando
o perímetro entre Almoçageme e a Ribeira, onde só os convidados passavam. Ainda
provou um canapé chamado cabiar mas aquelas bolinhas pretas sem sabor não
convenciam, antes uma posta mirandesa com tinto do Dão, que aquela comida fina.
Sãozinha obsequiava, esmagadora. O deslumbrante vestido enfiaria o da Duquesa
de Argyll num sapato, passeando classe pelos jardins da Quinta do Vinagre.
Como era exótico Portugal em 1968.Num país onde as notícias
mais frequentes eram as da partida de soldados para o Ultramar e os festivais
da canção onde o jet set doméstico desfilava anualmente, em apenas dois dias
decorriam duas grandes festas, separadas apenas por vestidos, penteados, diadema
e charutos.
Por cá, uma era chegava ao fim. A 6 de Setembro à noite, um
carro acelerado saía do Palácio de São Bento, Salazar, com o seu médico,
Eduardo Coelho, ao lado e Silva Pais director da PIDE à frente, seguia com
urgência para o Hospital de São José. Os médicos não se entendiam quanto ao
diagnóstico, mas concordavam que era preciso operar, o que aconteceu no dia
seguinte. Uma cadeira que não estivera na festa milionária, havia feito das
suas…
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