Existe hoje no mundo um contingente de cerca de 160 milhões de refugiados, pessoas que foram forçadas a fugir por recearem pela sua vida e liberdade, e que na maioria dos casos, abandonaram tudo – casa, bens, família e país – rumo a um futuro incerto em terras estrangeiras.
Guerras, perseguições políticas e religiosas, intolerância
de natureza étnica e racial, os refugiados são, em larga escala, pessoas
indefesas ante a violação cabal dos seus direitos, que foram objeto de mais que
uma centena de tratados, acordos e protocolos internacionais visando de forma
direta e indireta protegê-los, mas que no terreno esbarram com a rejeição e o
desdém do Outro, vizinho ou conterrâneo.
Hoje, os novos escravos têm um nome: refugiados, e o
mundo em que vivemos revela o pior da natureza humana, capitaneado por arautos
da intolerância que cavalgam as inseguranças e medos de cada um, ampliados pela
desinformação e uma comunicação social tendenciosa e desinformadora.
De uma maneira
generalizada, os refugiados não têm encontrado ambientes receptivos quando
buscam estabelecer-se noutros países e são, em maior ou menor grau, mal
recebidos pela população do país receptor por representarem perigo imediato à
manutenção de seus próprios empregos. São indesejados, ameaçam a estabilidade
económica e social e fazem florescer sentimentos cruéis e desumanos como tão
somente podemos ver se manifestando através de ações xenófobas.
Como criar e fazer valer políticas humanitárias de
inclusão social? O refugiado é aquele que perdeu quase tudo. E somente não foi
tudo porque subsistiu a esperança. Forçado a deixar seu país, deambula pelo
mundo esmolando a cidadania e implorando por liberdade, estima, emprego ou
educação.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, o
ACNUR, em cada dez refugiados no mundo, sete são acolhidos por países pobres.
Esta constatação deveria fazer corar de vergonha os dirigentes dos países
industrializados e servir como uma advertência para que venham a, efetivamente,
assumir um papel proeminente na proteção dessas massas humanas, em constante
movimento, em diáspora permanente das suas pátrias, buscando apenas ter
assegurado o sagrado direito à vida. É de todo incompreensível ver a falta de
solidariedade demonstrada pelos países ricos para com os expatriados daa
guerras, da fome ou da perseguição, falta de solidariedade mais perceptível
quando vemos a eclosão de novos e mais violentos conflitos no Médio Oriente,
África, ou leste da Europa. Conflitos que demonstram ser inadiável um Pacto de
Humanidade visando a superação do estado de insegurança colectiva em que o
mundo vive, em colapso ético e moral, pacto esse que destaque a urgência da
compreensão do género humano, respeite a sua diversidade e as diferentes
culturas e crenças religiosas e políticas. E se hoje é Trump o novo
anti-Cristo, não se deve esquecer o muro de Orban na Hungria, os acordos com Erdogan
para os manter para lá duma linha sanitária, as deportações preconizadas por
Estados do antigo Leste europeu ou a forma desumana como muitos passam um
rigoroso inverno na Grécia, Bulgária ou Turquia, fugindo dum Inferno para logo
cair noutro.
O enfraquecimento da ONU como actor global agudiza a
crise presente, e aumenta o desafio e o risco de ser refugiado. O pedido de
asilo por parte dos migrantes tem sido, na grande maioria das situações, a
única opção disponível. E é nesse clima de instabilidade internacional que tem
proliferado o fenómeno perverso que é o tráfico de seres humanos: os
traficantes são motivados pela expectativa de receberem grandes somas de
dinheiro para transportar os migrantes por distâncias enormes. Devido à
ilegalidade dessa prática que infelizmente se vem tornando corriqueira, os
migrantes sofrem duplamente. Primeiro porque se arriscam ainda mais do que o
razoável e depois porque são largados
em locais diferentes daqueles que lhes foram prometidos.
A presente ordem mundial é defeituosa, entre outros
motivos, porque não tem conseguido aplacar problemas milenares como a fome e a
miséria e muito menos criar o ambiente adequado a um melhor relacionamento
entre o capital e o trabalho, além de ter demonstrado a sua incompetência
quando se trata de manter uma paz mundial duradoura.
Um dos maiores paradoxos do nosso tempo, marcado pelo
fenómeno da globalização, é o do ressurgimento de discursos etnocêntricos. A
virulência com que líderes políticos têm feito a apologia da supremacia de uma
raça ou religião em detrimento de outras é algo que preocupa qualquer pessoa
bem intencionada. Ao mesmo tempo que assistimos à liberalização dos mercados,
ocorre em muitos países, a expulsão sumária dos estrangeiros sejam eles brancos
ou de outra cor qualquer. Ressalta daí a questão da responsabilidade do governo
do mundo.
A humanidade constitui um único povo, e apresenta
desafios fundamentais para o modo como a maioria das instituições da sociedade
contemporânea cumpre suas funções. A questão dos refugiados traz consigo muitos
desafios. Em primeiro lugar, o desafio de ser aceite. Todos buscam aceitação no
meio em que vivem. É através dessa aceitação que uma pessoa se sente cidadã em
uma sociedade. Esta aceitação contribui para que, gradativamente, o refugiado
se sinta incluído no processo das novas relações sociais que necessita
estabelecer. É bem conhecido o facto de que todos temem o que lhe é
desconhecido, o que não lhe é de alguma forma familiar. O refugiado por vir de
outro país sofre a dor da não aceitação, uma vez que não domina os códigos da
comunicação e os códigos culturais que sempre têm reforçado “o sentimento de
pertença”. Com o crescimento das práticas xenófobas esta aceitação tem sido por
demais árdua pois além de não contar com o domínio desses códigos, o refugiado
é visto com solene indiferença quando não com patente hostilidade. Prover um
curso intensivo de adaptação à nova sociedade em que irá viver é factor
decisivo para que seja assegurado o bem-estar do refugiado. Tal curso deveria
sempre buscar privilegiar o estudo do idioma do país em que está passando a
residir, bem como o conhecimento dos principais traços culturais da nova
sociedade. Ter uma visão panorâmica sobre o sistema jurídico prevalecente é
também de importância capital.
Há que aprovar leis que garantam aos refugiados o acesso
à cidadania nacional. A começar pela concessão de sua documentação legal.
Possuir um documento de identidade é assegurar ao refugiado a sua existência
legal perante a sociedade e em decorrência, significa lhe assegurar direitos e
deveres para com a mesma sociedade. É através do acesso a uma “identidade” que
o refugiado pode ser beneficiário do conjunto de políticas sociais providas
pelo Estado a seus nacionais. Dentre outros aspectos podemos citar o desafio de
constituir e de manter sua unidade familiar, o reconhecimento do casamento e
também do nascimento de seus filhos. Sem a superação desse desafio temos um
crescimento no contingente de párias sociais, reforçando-se dessa forma,
estereótipos discriminatórios de uns em relação a outrem. É através da
cidadania que pode votar e ser votado, entrar e sair de um país sem ser visto
como suspeito potencial de práticas ilícitas.
Depois, o desafio de manter as suas crenças religiosas,
manter a sua língua e o direito a preservar o seu património cultural, ter
acesso ao progresso educacional e independência financeira, de se sentir em
segurança e poder transitar livremente dentro dum país e deste para o exterior
O maior desafio que temos pela frente tanto a refugiados
como a não refugiados é o desafio de sermos humanos. Por quem dobram os sinos afinal?
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