“Há governo? Sou contra!” Esta velha
história atribuída a um conhecido anarquista é típica do bota-abaixismo que
caracteriza uma certa visão nihilista e maniqueísta do poder, onde o governo do
país é conhecido como “eles”, e todo o governo desde que o nosso partido não
esteja nas rédeas do poder é mau. É típico dos países latinos, em que tudo se
arregimenta em torno do partido ou do clube de futebol, numa visão paroquial do
mundo e da forma de governar.
Ora dirigir um
país é uma arte que requer compromisso, cedências no supérfluo sem recuar no
essencial, o que faz com que, na melhor tradição leninista por vezes se tenham
de dar dois passos atrás para dar um passo em frente. Prova-o a solução de governo
que vai para um ano vem dando lições da arte do compromisso, o que há muitos
anos já deveria ter acontecido.
Questionam
alguns que quem governa não chegou em primeiro, mas as eleições não são uma
maratona, e é preferível uma maioria de 3 que soma, do que um bloco central que
subtrairia. É claro que a pureza ideológica fica um pouco afastada, mas quando
se inventou a terceira via para os partidos trabalhistas, o eurocomunismo ou os
partidos liberais, onde ficou então a pureza ideológica?
O mundo mudou
muito, com a globalização, a irrupção da era digital e das redes sociais e a
democracia do espectáculo que nos leva para caminhos diferentes dos de há 20
anos ou mais. Os ideólogos foram substituídos pelos opinion makers, o Capital
de Marx e a Bíblia pelo Facebook e o Instagram, e um paralítico como Roosevelt
ou um velho gordo como Churchill nunca seriam eleitos nos seus países, quando
conta mais o fato que se usa, a música que se houve ou a mentira mil vezes
repetida que passa a ser um dogma.
Vivemos dias da
chamada geringonça. Mas não foram geringonças também as asas de Ícaro, a
passarola de Bartolomeu de Gusmão, o zepelim ou o avião dos irmãos Wright? E
não abriram tais feitos as portas para o progresso e nova visão de um mundo, em
permanente criação de geringonças desde a descoberta da roda?
Governar é uma
arte performativa. Governar com arte e engenho é uma ciência, que todos os dias
adiciona páginas aos manuais de sociologia ou ciência política. E nas
sociedades democráticas, tem sempre uma vantagem: é que se pode mudar quando
perder o fôlego ou deixar de funcionar.
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