A Paisagem Cultural de Sintra,
aprovada a 6 de dezembro de 1995, em Berlim, enquadra-se nas categorias II, IV
e V do parágrafo 24, estabelecidas pela UNESCO na "Orientations devant
guider la mise en oeuvre de la Convention du Patrimoine Mondial". Durante
o século XIX Sintra exerceu uma influência considerável sobre o desenvolvimento
da arquitetura romântica europeia. No entanto, o seu interesse não se resume
certamente a um ou dois edifícios de evidente importância, antes se espraiando numa
plêiade de palácios e parques, de casas senhoriais, com os seus jardins e
bosques, palacetes e chalés, envoltos numa vegetação exuberante, ou trechos de
muralhas que serpenteiam nos cumes da serra, e a tal singularidade não foi
alheia a UNESCO, compreendendo a harmoniosa complementaridade entre paisagem
natural e uma intervenção humana riquíssima.
Na promoção e defesa deste
património, dos monumentos e sítios classificados, há que juntar cidadãos,
associações cívicas, técnicos e
moradores. Só se pode acarinhar uma ideia como a de Paisagem Cultural se
ela for originada em consensos e como instrumento de desenvolvimento para quem
habita no seu seio, e não se funcionar como o eucalipto que tudo seca e põe a
comunidade contra si. Não há paisagem cultural sem pessoas, e não há gestão bem
sucedida sem consensos.
Recorde-se que aqui foi aprovada a
Declaração de Sintra, que procurou unir esforços para a mitigação e adaptação
às alterações climáticas, documento onde se procurou recolher experiências das
várias zonas classificadas, criar plataformas de conhecimento para promoção de
boas práticas, consolidar a valorização do património, criar e manter parcerias
e contribuir para um debate global sobre alterações climáticas.
Sintra integra igualmente desde há
alguns anos a Aliança das Paisagens Culturais, uma rede internacional
vocacionada para preservar espaços declarados Património da Humanidade pela
UNESCO.Em 2008 produziu-se a Declaração de Aranjuez, onde os sítios
classificados expuseram as suas inquietações e analisaram a necessidade de
compatibilizar a preservação dos lugares com um adequado desenvolvimento
económico e social das terras e gentes em seu torno.
Um dos pontos chave desta declaração
faz referência ás políticas de difusão do património cultural entre a
população, assinalando que a melhor forma de gerar cultura entre os cidadãos
passa por estes valorizarem o seu próprio património, pois só se pode valorizar
o que se conhece.
O texto exige “implicação, cumplicidade
e compromisso” do mundo científico na melhoria destes lugares, e na garantia da
sua sustentabilidade, e apela à participação cívica das comunidades locais,
enquanto elemento fundamental para um desenvolvimento sustentável das áreas
classificadas.
Traduz este anseio o reconhecimento da
necessidade duma cultura democrática de participação e transparência na gestão
da Paisagem Cultural, chamando os stakeholders, parceiros da sociedade civil
mais vezes em ligação com os técnicos. Paisagem Cultural sim,mas pró-activa e
não repressiva e distante.
O sucesso de qualquer empreendimento
depende da participação das partes interessadas e por isso é necessário
assegurar que as expectativas e necessidades sejam conhecidas e consideradas
pelos gestores.O envolvimento de todos os intervenientes não maximiza
obrigatoriamente o processo, mas permite achar um equilíbrio de forças e
minimizar riscos e impactos negativos na execução do mesmo.
Vem isto a propósito de na gestão de
empresas ou projectos com implicação em certos grupos, e na sociedade civil em
geral, as organizações internacionais recomendarem hoje a auscultação e
participação activa de stakeholders locais na implementação e prossecução de
projectos com repercussão na comunidade, na perspectiva de a todos envolver,
convidando-os para reuniões e visitas, recolhendo contributos e mudando o
paradigma com uma filosofia de "abrir para obras" acompanhando as
recuperações em curso é internacionalmente aconselhada, tendo já sido
verificada no caso do Chalé da Condessa ou na recuperação do Castelo dos Mouros.
Mas muito trabalho há a fazer ainda, e necessário se torna criar estrutura
física e mental para que o trabalho em curso não seja resultado apenas do maior
ou menor voluntarismo das equipas directivas que estão no momento. O modelo de
gestão e a correlação acionista adoptada podem ser melhorados, com uma maior
intervenção decisória por parte da Câmara, legítima representativa das
comunidades e única estrutura eleita e sufragada. Mas tal como é dever das
instituições abrirem-se à sociedade, imperioso se torna uma maior tomada de
consciência da sociedade de que não deve deixar as respostas todas em mãos
alheias e se deve empenhar mais em causas que são de todos. Só assim a
democracia será madura e os cidadãos o serão em plenitude.
Sintras aprovou a criação duma área
de Reabilitação Urbana com cerca de 180 hectares para o Centro Histórico de
Sintra.
Sobre o Centro Histórico muito já foi
dito, subsistindo velhas questões como a da sobreposição de planos e entidades,
que criam uma cacofonia de gestão e não permitem aos decisores uma assunção
plena do seu papel. Persiste igualmente um segmento do turismo baseado no
excursionismo, com uma média de dormidas no concelho de 2,3 noites (Cascais tem
3,4) e apenas cerca de 1500 camas entre hotéis, pensões e demais alojamentos,
não obstante se registe o aparecimento de novos espaços de alojamento.
A degradação do Centro Histórico,
desertificado, sem plano actualizado e sem atractividade para moradores e
visitantes, e o envelhecimento da sua população não incentivam a mobilidade social
ou o surgimento de massa crítica e criativa a partir de dentro, a par da falta
de um plano de marketing territorial assente nas virtualidades das pessoas e
não só no património histórico, sendo que apesar da marca romantismo, esta não
é idónea a caracterizar na globalidade um concelho onde apenas 10% da população
vive na Sintra dita “romântica”. Como problema central por todos reconhecido
continua a sentir-se o da mobilidade, faltando bolsas de estacionamento e uma
rede de mini buses que atravesse as zonas críticas a carecer de preservação
ambiental, problemas que estamos a enfrentar e a combater.
Apostar no transporte público no
acesso à serra e seus polos turísticos, com preços moderados para quem aceda
aos palácios de transporte público, sendo o bilhete de entrada e transporte
vendidos em conjunto, e com um diferencial de preço significativo, pode ser uma
das medidas entre outras, bem como o apoio fiscal, o reforço da sinalética e o
incremento de placas explicativas dos monumentos a visitar. Adoptar benefícios
em sede de taxas ou impostos a quem voluntariamente recupere património, bem
como destinar parte do montante cobrado em sede de contra-ordenações a um fundo
de reabilitação urbana, são iniciativas que se afiguram plausíveis, no quadro
de uma estrutura que promova o emprego e o crescimento, as actividades económicas
essenciais (na óptica do turismo, empregabilidade, fixação no terciário, lazer
e habitação qualificada) passando pela celebração de protocolos ou contratos
programa que desenvolvam um partenariado positivo e gerador de sinergias, que
se manifestem de modo permanente e não só no momento do licenciamento ou
instalação.
As lojas têm igualmente que
desenvolver um conjunto de especificidades, que determinarão não apenas a sua
sobrevivência, como também o seu sucesso em termos de futuro, devendo a
política de estacionamento ponderar a mobilidade das pessoas mas num quadro que
reconheça a particularidade do Centro Histórico e a indesejável massificação
turística redutora do “espirito do lugar”.
Defender o património é vivê-lo, e
com ele conviver, como se cada peça, cada cheiro, cada sabor ou recanto fossem
a mais preciosa relíquia deixada pelos nossos avós e que os nossos netos um dia
receberão, estranhando primeiro, orgulhando-se depois.
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