O recente
filme de Martin Scorsese “Silêncio” vem colocar sérias questões em torno de
áreas metafísicas como as da fé, da devoção, do confronto de culturas e da
fragilidade da natureza humana, o que, só por si, não é de menos.
Que Deus é
este que deixa sofrer o seu rebanho, como se constantemente o esteja a por à
prova, e que só com a promessa de redenção no “paraíso” atenua o tormento da
incerteza das convicções em seres aflitos, mas no fundo, os únicos que
distinguem a água da água benta?
Pessoalmente
agnóstico, embora baptizado, comunhão e crisma feitos, vestido de anjinho em
procissões na minha infância, e padrinho de 4 afilhadas de baptismo e 2 casais
pelo casamento , tudo sobre as normas da Santa Madre Igreja de Roma (processo
mais cultural que de fé), descortino neste filme de Scorsese, que é apimentado
por os protagonistas serem jesuítas portugueses no Japão do século XVII, uma
reflexão sobre a natureza humana, a força da fé e a fé imposta à força, de
deuses oficiais e clandestinos que sublinham sobretudo a necessidade de através
da fé se afirmar antes de mais a fé na própria força interior, seja ela
dominada pelas crenças e convicções seja pelo afirmar do Eu individual perante
o Outro diferente e desconhecido.
Pessoalmente,
não acredito na existência de Deus (com D, grande, fruto duma formatação
cultural judaico-cristã) mas não contesto a sua possível existência. Sobre a
sua existência se moldaram civilizações, guerras, correntes artísticas e feitos
heroicos. Não acredito, mas acredito nos que acreditam, e isso leva-me a um
profundo respeito pelos crentes de diversos credos, como minha avó com o seu
santinho padre Cruz no missal de mesa de cabeceira, ou minha mãe, acedendo
velas nos dias dos meus exames (não tivesse eu estudado, e nem a “cábula” de
Cristo ajudaria…). Mas o respeito por essa fé era imenso, era terapêutico e
unificador, no que tinha de afirmação de unidade na família e de referência e
ligação entre passado e futuro. Lá estava a igreja no momento do baptizado, do
crisma, do casamento, da Páscoa e Natal e do funeral, muitas vezes já sem
questionar as convicções mas como fenómeno cultural assumido como natural.
Pirro de
Élis, o fundador da escola filosófica do cepticismo, caracterizado por negar ao
conhecimento humano a capacidade de encontrar certezas, acompanhou Alexandre, o
Grande na conquista do Oriente, ocasião em que entrou em contato com os
faquires da Índia. Estudou filosofia com o atomista Anaxarco de Abdera, durante
e após esta expedição e ao estudar a pluralidade de discursos filosóficos do seu tempo,
concluiu que todas as doutrinas eram capazes de encontrar argumentos igualmente
convincentes para a razão. Desdobrou a sua filosofia em três questões: qual a
natureza das coisas, como devemos portar-nos ante elas e o que obtemos com esse
comportamento. Para ele, toda a intenção de ir além das aparências está
condenada ao fracasso pelas deficiências dos sentidos e pela fraqueza da razão.
Não é
possível afirmar que Deus ou os deuses não existam, e a refutação científica do
Big Bang ou mesmo uma eventual comprovação de algo como a vida após a morte,
também não serão por si provas da existência de algum deus em particular ou de
deuses de modo geral.
Sou pois um
agnóstico teísta, mas não fora do debate: haja Deus ou não haja, o mundo seguirá o seu caminho e a
Terra girará à volta do Sol (como também disse -e desdisse- Galileu…). E ele
continuará presente ou ausente nos que acreditam ou não, a uns gritando, a outros
sendo mudo, mas a ninguém sendo indiferente. Todos precisamos dessa
intangibilidade difusa que nos preserve a Esperança, seja a mística religiosa,
o militantismo político ou a devoção a causas e ideais, por muito pessoais que
eles sejam. A História do Homem é a permanente busca da Luz no topo da Caverna.
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