Utopia foi um termo inventado por Thomas Morus e título
da sua principal obra, escrita por volta de 1516, passam agora quinhentos anos. Segundo a versão de alguns
historiadores, Morus apaixonou-se pelas narrações do navegador português
Rafael Hitlodeu que navegara com Américo Vespúcio e
ficara no litoral da América, enquanto este regressava à Europa. Aí conheceu
múltiplas regiões e visitou uma ilha cuja situação geográfica Rafael nunca mencionou.
O encontro com Thomas Morus foi mediado por Pedro Gilles e deu-se em Antuérpia.
O longo diálogo com Rafael, divide-se em duas partes: na primeira, Morus
tece duras críticas à sociedade em que vive, aspirando por uma sociedade
perfeita; a segunda parte consta da narração por Rafael da ilha idealizada, e que
conhecera com todos os pormenores: a organização política, social, como se
organizavam as famílias, a divisão do trabalho, as cidades, a alimentação, etc. Nessa ilha todos viviam felizes e cada um tinha o que necessitava. Tal
ilha imaginária mostrava-nos uma sociedade constituída com base na razão humana e onde só com esta se podiam
resolver as questões da justiça e do bem comum.
Passam agora 500 anos da edição
de tal obra, e a busca dessa mirífica Utopia ainda nos assalta, relendo Morus, o arauto de futuros que hão-de
vir, todos buscando a Luz resplandecente e redentora que nos devolva um mundo hoje capturado,
onde em cavernas da alma somos espeleólogos de amarguras e arqueólogos da
ansiedade.
A poção da impaciência fervilha no caldeirão, mas não é
ainda a hora de beber e soltar a Palavra, disforme sombra ainda na escura pedra
da Caverna-Mundo onde deambulamos. Pululam os ditadores da era do Twitter, demagogos vendendo
holográficos futuros, as gárgulas dos Trumps, Farages, das Marines e dos Dutertes, e muitos outros
títeres plantados nas matas penumbrosas dessa Utopia onde tarda o amanhecer e se digladiam poderes erráticos, usurários do vil metal, senhores da guerra e torquemadas do Verbo.
Falta o Fogo. O Fogo da Caverna, quente e aconchegado,
mas castigador e purificante, e nela somos ainda prisioneiros, como faunos na
noite. Na escuridão que se abate, tarda a Claridade e faróis pirilampos que nos guiem à fogueira utópica, quando, com um cálice de
cidra enfim saciaremos a sede de justiça e liberdade.
Rafael Hitlodeu erra ainda, na Caverna ainda fria e ululante, exilado nessa Elba Lunar donde, quem sabe, sairá uma radiosa manhã
para dias de Luz, desafiadores e labirínticos. Assim o
esperamos, há quinhentos anos, e há muitos mais quinhentos.
Por essa Utopia já várias vezes morremos, e logo qual Fénix renascemos,
libertos e libertadores, peregrinando como anacoretas aflitos em busca da luz vaginal.
E apesar das contrariedades de dias de incerteza, haveremos um dia de escrever
poemas cristalinos, e gritar perfurantes palavras que gravaremos em pedra. Porque ainda não é a
hora de Rafael, e também em Ítaca outra aflita Penélope faz e desfaz os seus novelos, aguardando
pelo desejado regresso de Ulisses, e pela salvífica Hora, cujo sinal talvez chegue no bico
de uma gaivota rasgando as costas da Finisterra.
É negra a espera pela Hora de Utopia. Mas, como escreveu Simone
de Beauvoir, “em todas as lágrimas há uma esperança”.
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