Para que
servem as organizações não -governamentais, associações cívicas e a dita
“sociedade civil “ em geral, nas quais associações como a Alagamares se inserem
e pretendem desempenhar um papel?
Norberto
Bobbio afirmou um dia que o cidadão, ao fazer a opção pela sociedade de consumo
de massas e pelo Estado de bem-estar social, sabe que está a abrir mão dos
controles sobre as atividades políticas e económicas por ele exercidas em favor
de burocracias, privadas e públicas, e que em conjunto com a realização de
eleições e a existência da burocracia, a democracia assenta para muitos na
ideia de que a representatividade constitui a única solução possível nas
democracias de grande escala, aí se esgotando a intervenção daqueles que se não
assumem como agentes políticos directos.
Pode
apontar-se Jürgen Habermas como um dos autores que melhor analisaram este
alargado entendimento da democracia. A criação de esferas públicas que
participem das instituições e as controlem, redesenhando a relação estabelecida
com os cidadãos, possibilita a indispensável reconciliação da democracia
participativa com a organização política tradicional do Estado, abrindo lugar
para a participação dos actores sociais em fóruns amplos de debate e
negociação, sem substituir, contudo, o papel dos representantes eleitos. A
efectividade democrática está assim reforçada com uma sociedade civil
organizada e com a dinâmica que ela desenvolve. Os movimentos, as organizações
e as associações podem, a partir de sua actuação revigorar os sentidos da
democracia, ocupando uma arena que lhe é natural e necessária.
O padrão
democrático de uma sociedade passa hoje não só pela densidade cívica da sua
sociedade civil, mas também pela pluralidade de formas participativas
institucionalizadas capazes de inserirem novos actores no processo decisório
destas mesmas sociedades. Acredita-se, com isso, que os actores societários
deverão não só abordar situações problemáticas e buscar influenciar os centros
decisórios, mas também assumir funções mais ofensivas no interior do Estado.
Na linha dos
estudos de Habermas, a sociedade civil pode ser compreendida como o espaço
público não estatal, composto por movimentos, organizações e associações que
captam os ecos dos problemas sociais na esfera privada e os transmitem para a
esfera pública.
São as ONGs,
os movimentos sociais, as comissões, grupos e entidades de direitos humanos e
de defesa dos excluídos por causas económicas, de género, raça, etnia,
religião, portadores de necessidades físicas especiais; associações e cooperativas,
fóruns locais, regionais, nacionais e internacionais de debates e lutas por
questões sociais; entidades ambientalistas e de defesa do património histórico
e arquitectónico, etc.
De entre os
aspectos positivos da ação da sociedade civil organizada destaca-se a
pluralidade do discurso e o estabelecimento do diálogo construtivo, tendo-se em
vista as múltiplas vozes que se querem fazer ouvir na sociedade civil; a
promoção da denúncia, tornando públicas as situações de injustiça e de violação
de direitos; a protecção do espaço privado, reforçando os limites do Estado e
do mercado; a participação directa nos sistemas políticos e legais,
estimulando-se e fortalecendo-se leis e políticas públicas que promovam os
direitos humanos; a promoção da inovação social, se possível construindo e
participando em redes redes que evitem a fragmentação e fortaleçam o uso dos
recursos.
Vivemos dias
de incerteza, mas também de desafio, e se certas patologias, como o desemprego
ou a emigração enfraquecem o número e a pujança dos que militam em associações
da sociedade civil, novas oportunidades, caldeadas pela experiência e o ânimo
de novos colaboradores vão permitindo este renovar de ciclo, com novos
protagonistas e novas (ou nem tanto) lutas para abraçar.
Entendo a participação
na vida associativa e o papel da sociedade civil como um contributo para o
pluralismo e um reforço essencial da democracia participativa, e tão
independente e genuíno será esse trabalho quanto mais distanciadas as
associações estiverem dos poderes político-partidários, grupos económicos ou
agentes que a coberto da participação mais não pretendam que usá-las ou
instrumentalizá-las na sua escalada para o poder, e é esse o fio da navalha em
que muitas vezes as associações e a sociedade civil se vêm enredados.
Independentes dos políticos, mas não da discussão das políticas, actores e
não figurantes, eis o nosso papel, activo ou reactivo, mas sobretudo, vivo. A
falta de verbas e um clima pouco propício ao pluralismo nem sempre ajudam, mas
só é derrotado quem desiste de lutar por dar sentido à vida em comunidade.
Nem todos entendem isto, sobretudo os que encaram a participação como
antecâmara para lugares e sinecuras, ou como terreno para projectos pessoais ou
umbiguistas. Na Alagamares há um desígnio comunitário e identitário afirmado em
11 anos de estimulante vida cívica de que não queremos abdicar nem adulterar.
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