Termina hoje em Marraquexe mais uma Cimeira do Clima, onde se verá até onde os países estão dispostos a ir para respeitarem o compromisso que assumiram em Paris de limitar a subida da temperatura abaixo dos 2 graus Celsius relativos à era pré-industrial e a continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius.
Quando relatórios das Nações Unidas voltam a lembrar a
urgência em agir rapidamente para reduzir as emissões de gases com efeito
estufa, defrontamo-nos com a nova doutrina Trump, que alega serem as alterações
climáticas uma invenção chinesa e aponta para a nomeação para a Agência
americana de protecção ambiental de Myron Ebbers, um conhecido negacionista das
ditas alterações e defensor dos combustíveis fósseis.
Trump quer que os Estados Unidos se desvinculem do Acordo
de Paris antes do fim do período de quatro anos que o país ficou obrigado a
respeitar. Recorde-se que o acordo, assinado por 195 países, entrou em vigor a
4 de novembro, e recentemente líderes de 360 grandes empresas enviaram uma
carta a Trump a pedir que respeite o Acordo de Paris.
Se até há pouco tempo, o clima era de satisfação por,
finalmente, os dois maiores poluidores, China e Estados Unidos, terem chegado a
acordo quanto às metas a cumprir para minorar os efeitos das alterações
climáticas, agora já ninguém está seguro quanto ao futuro. Apesar de não ter
poder para bloquear o cumprimento do tratado por parte de outros países ou
alterar as regras do acordo, pode a nova administração americana optar por não o
executar o que pode por em causa o objetivo de limitar o aquecimento global a
um máximo de dois graus centígrados acima dos níveis pré-industriais.
Para não ter de esperar até 2020, Donald Trump pode
sempre sair da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações
Climáticas, que enquadra o acordo de Paris. No entanto, esta seria uma decisão
polémica tendo em conta que se trata de uma convenção aprovada pelo Senado.
Até ao momento 97 dos 197 signatários ratificaram o
Acordo de Paris, considerado histórico, mas três grandes emissores de gases não
o ratificaram: a Rússia, a Austrália e o Japão.
Quando é sabido que nos próximos 15 anos será preciso
levar a cabo reduções sem precedentes nas emissões de gases com efeito de
estufa e fazer esforços para resistir a aumentos dos impactos climáticos, são
precisas estratégias nacionais até 2050, como aumento da ajuda financeira aos
países em desenvolvimento, assistência técnica para a criação de uma política de
incremento das energias renováveis, aposta em transportes alternativos e
reflorestação do planeta.
O objectivo do limite de 2º C foi definido em 2009, em
Copenhaga. Cumprir este objectivo será também particularmente importante para Portugal,
onde, se não for invertido o actual ciclo de aquecimento global, a paisagem
tornar-se-á globalmente desertificada até 2100.
Sintra e as alterações
climáticas
Em Sintra, segundo o "Plano Estratégico do Concelho de Sintra Face às Alterações Climáticas" coordenado pelo prof.
Filipe Duarte Santos, antevê-se que em meados do século XXI as temperaturas
médias anuais subam1.7 a 3.3 °C, com maior ênfase no Verão (3.6ºC a 5.4°C em Julho)
do que no Inverno (0.7 a 1.6 °C em Dezembro).
No final do século a elevação da temperatura média anual pode chegar a 2 a 3°C acima
do que são actualmente no Inverno e 5º a 10º C no Verão, com ondas de calor
mais frequentes e noites tropicais em que poucas vezes a temperatura descerá
abaixo de 25º C. A precipitação média no final do século baixará de 800 mm para
540 a 700 mm e a radiação solar aumentará até um máximo de 8%.
Haverá reduções anuais no escoamento dos principais cursos de água na ordem dos -30% em meados do século e -50% para o final do século,
e para os aquíferos é de esperar uma diminuição da capacidade de exploração
sustentável. O impacto no rebaixamento do nível nos aquíferos será ainda
modesto, menor que -0,5 m, mas para o final do século já alcançará máximos de
-0,7 m no final do semestre húmido, e -0,8 m no final do semestre seco.
O consumo de água dos sintrenses, agora da ordem de 80 m³
entre 2020 e 2030 será 3% a 15% acima dos valores actuais. O nível médio do
ar continuará a subir, com cenários de 0,2 m a 1,4 m para o horizonte de 2100.
Fenómenos de
precipitação intensa irão promover a erosão das arribas, e a modificação do
regime das ondas associada às alterações climáticas deverá aumentar a deriva
litoral e portanto o potencial de transporte de sedimentos, predominante para
sul, em até mais 20% em relação à situação actual. A configuração das praias aponta
para reduções da superfície dos areais, embora muito variáveis de praia para
praia. Nas mais encaixadas e instaladas em desembocaduras fluviais, a redução
será pequena. Pelo contrário, as praias mais abertas, estreitas e limitadas
pelo lado de terra por uma arriba, como a do Magoito, que são extremamente
sensíveis à rotação do rumo das ondas, devem perder grande parte do areal.
Os cenários colocados pelos autores do estudo sugerem um
aumento do stress ambiental na vegetação florestal. O stress hídrico poderá
tornar as árvores mais susceptíveis e aumentar os danos causados pelas pragas e
doenças.
No futuro
aumentará também o risco de incêndio florestal e a deterioração dos
ecossistemas florestais pela dificuldade de regeneração das árvores e pela
proliferação de espécies invasoras mais competitivas e melhor adaptadas às novas
condições climáticas.
Prevê-se o aumento da incidência de pragas e doenças,
assim como o risco de invasão por novas espécies de regiões de clima tropical
ou subtropical. É também muito possível que as taxas de crescimento de pragas e
doenças sejam estimuladas pelo aumento da temperatura, sobretudo quando têm a
possibilidade de ter várias gerações por ano.
O aumento das
temperaturas no Inverno, quando acompanhado por humidade elevada, poderá
favorecer a expansão de alguns agentes patogénicos, modificando a estrutura e
composição da vegetação, com consequência para a restante biodiversidade: a
fauna seguirá os destinos do seu habitat e a comunidade de insectos sofrerá com
as alterações climáticas, uma vez que são animais de sangue frio.
Algumas populações, especialmente aquelas que têm
distribuição geográfica limitada, pequenas áreas de habitat ou reduzido número
de indivíduos (como o cravo-romano, o feto-de-folha-de-hera, o miosótis-das-praias ou a
boga portuguesa), poderão não ter capacidades para se adaptarem às rápidas
alterações climáticas, e a sua extinção pode ocorrer em populações com baixa taxa de
reprodução e capacidade de dispersão.
Dentro dos mamíferos o grupo dos morcegos é o mais
vulnerável, dada a dependência do seu metabolismo com a temperatura e a sua
dieta depender da comunidade de insectos. Nos répteis e anfíbios deverá haver
uma diminuição da sua área de distribuição, uma vez que são animais de sangue
frio e com fraca capacidade de dispersão.
Os cenários indicam que em finais do século as ondas de
calor serão um fenómeno frequente, afectando grupos mais sensíveis como as
crianças e os idosos. O problema do ozono poderá persistir e agravar-se pelo
menos até meados do século e o número de dias propícios a salmoneloses na
região de Sintra aumentará dramaticamente no Verão.
O risco de transmissão de doenças por insectos subirá em
todo o concelho. Mesmo no Inverno o clima passará de totalmente desfavorável a
ocasionalmente favorável. O Verão continuará de forma geral a ser a estação do
ano mais favorável à transmissão, embora em meados do século o clima se
torne tão seco que o risco começará a diminuir.
As alterações climáticas em Sintra vão no sentido de
aumentar a produção de pólenes ao longo de todo o século, agravado pela
diminuição da precipitação que promoverá menos a limpeza da atmosfera. A
radiação solar aumentará significativamente, e como o número
de dias confortáveis para actividades no exterior aumentará, tudo se conjugará
para um maior risco de melanomas.
Apesar da vasta área florestal do Parque Natural
Sintra-Cascais (3675 ha), o valor anual de sequestro é de cerca 53 500 toneladas de CO2,
ou seja da ordem de 2% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) dos
sintrenses (âmbito total). Segundo os autores do estudo, no caso específico de
Sintra duas estratégias surgem como as mais adequadas para sequestro biológico
de carbono: o aumento permanente da área florestada e do número de árvores de
arruamento, e o aumento da duração média das árvores com vista à meta de longo
prazo de sequestro de 8% das emissões de GEE.
Estima-se que o índice de emissões totais (estritas e
implícitas) per capita seja da mesma ordem do valor médio nacional, ou seja, 8
toneladas de CO2 eq./habitante. No entanto, este valor pode ser reduzido se houver uma generalização
das energias renováveis, edifícios mais eficientes, melhores transportes públicos
e mais ciclovias.
Porque, como alertava um famoso programa televisivo de Luís Filipe Costa nos anos 70, inspirado nos avisos de Gonçalo Ribeiro Telles, “Há Só Uma Terra”…
Sintra faz parte desde 2015 do consórcio que irá desenvolver a metodologia do projeto ClimAdaPT.Local para aplicação a nível nacional das estratégias municipais para as alterações climáticas, sendo uma das uma das autarquias que já têm estratégias próprias para os seus territórios.
Porque, como alertava um famoso programa televisivo de Luís Filipe Costa nos anos 70, inspirado nos avisos de Gonçalo Ribeiro Telles, “Há Só Uma Terra”…
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