Passam
hoje, 9 de Janeiro, 860 anos da outorga por D.Afonso Henriques a 30 cavaleiros de
Sintra do seu primeiro foral. Aqui uma leitura ficcionada do mesmo, e
das suas disposições, essas sim, fidedignas:
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Amen. Aprouve-me, a mim Afonso, Rei dos Portugueses, filho do Conde
Henrique e da Rainha Teresa e neto do Rei Afonso, e a minha mulher, Rainha
Mafalda, filha do Conde Amadeu, dar-vos, a vós que habitais em Sintra, da
classe superior ou da inferior, e de qualquer ordem que sejais, e a vossos
filhos e descendentes, carta irrevogável, de direito, estabilidade e serviço.”.
Assim começou Mestre Alberto, tabelião régio, a carta com que Afonso Henriques
outorgava foral a Sintra. Deixados alguns cavaleiros no castelo donde os mouros
haviam debandado, vinha agora uma delegação da vila prestar obediência e saber
que ordenava el-rei para a antiga praça moura. À audiência assistiram Pelagio
Zapata, Gonçalves de Sousa, Pedro Fernandes e o arcediago de Lisboa, Sancho
Moniz Egas. Por sua vontade lhes dava trinta casais, um para cada família, por
direito hereditário e sem tributo a Lisboa, também a habitual parte em seara
ficaria dispensada. Pelagio Zapata, mestre em leis, aconselhou sobre a melhor
forma de aplicação da justiça:
-Senhor, acertado será que para quem vossas leis não
acate, tenha a justiça pesada mão: não passe homicídio ou violação de mulher
sem que quem tais crimes cometer pague dez morabitinos, metade para vossa
majestade e metade para o queixoso. E quem assaltar a casa alheia, que pague
sessenta soldos, metade para vós e metade para o queixoso. Quem ferir outrem com
lança, espada ou faca, proponho cinco morabitinos, metade para vossa majestade e
metade para o queixoso. Quem viver amancebado com mulher séria, um morabitino.
E para quem ferir ou espancar outra pessoa, dez varadas se afiguram apropriadas.
Sábio será também que quem brigar com armas e, tendo ido a tribunal, não se
emendar ao fim de três vezes, tenha a casa derrubada. Mais: proponho que no
foro de Sintra crieis seis juízes no julgamento de homicídios, e três nos
outros.
D. Afonso,
agasalhado com uma pele, dado o frio de Janeiro, a tudo anuiu com a cabeça,
Sintra, sentinela do Tejo, carecia de bons cavaleiros, leais e recompensados:
-Honrados sejais, nobres cavaleiros, um conselho vos
dou: quem se servir de armas sem razão dentro da vila, há-de perdê-las; mas se
questões houver entre vós, não se julgue o pleito pelo foro de Sintra no que
respeita ao elmo e à loriga, mas apenas quanto ao escudo e à clava. E não entre
lá homem de outra terra: tal o recado que mande, tal lho mandem a ele, igual
por igual; e seja a sua caução ou fiança de um soldo, se houver junta ou
destrinça.
A Gonçalves
de Sousa, senhor de Lamego, chamou a atenção o enorme número de mouros forros
trabalhando nas várzeas, também aí convinha chegar a mão real:
-Curial será, senhor, que os peões que lavrem com um
só boi paguem um sexto de trigo e cevada, e se lavrarem com dois ou mais,
entreguem um quarto, entre trigo e cevada, por alqueire do mercado. E justo
será também que se pague um puçal de vinho a tirar de cinco quinais. O rei,
pouco dada a questões de lavoura, mandou Mestre Alberto escrever:
-Que se lavre como ordem real: quem lavrar com bois,
não pague tributo por qualquer ganho. Caçador que apanhar cervo ou caça do
género com laço ou armadilha, que entregue meio lombo, e se for porco, uma
costa. O batedor de coelhos, que entregue uma vez por ano três coelhos e suas
peles. Ao colhedor de mel selvagem, que entregue uma vez por ano meio alqueire
do que tiver colhido. Pague por ano o sapateiro um soldo, o ferreiro ferre um
cavalo, mercadores e peleiros, paguem um soldo cada! Mestre
Alberto sorriu, Afonso aprendia a ser rei, menos dado a correr atrás dos
mouros, forte na justiça e a pensar no recheio dos cofres.
Peres
Ramires, dos de Sintra, chamou a atenção sobre os limites das terras sob alçada
régia. Pelágio Zapata, que já estudara o termo, avançou com uma proposta: desde
Almosquer, pela vertente e outeiros, servindo de limite um caminho público em
Cabriz, até ao monte, e dessa vertente pelos outeiros ao limite de Cheleiros,
seguindo daí até ao rio de Galamares. Aos cavaleiros de Sintra, aquartelados no
Arrabalde, agradou, assim ficaria. A D.Afonso importava o concurso dos homens
de armas, os cavaleiros deveriam combater uma vez por ano no exército, e estar
disponíveis para pelejar.
Respeitosos,
ajoelharam. O Conquistador lavrada a carta, apôs o selo real, bem como a
rainha, na presença dos confirmantes: Pedro Pelágio, príncipe de Lisboa, Afonso
Mendes, de Coimbra, e Rodrigues Pelágio, de Santarém. Era o dia 9 de Janeiro de
1192 da era de César. (* 1154 da era de
Cristo).
Retirando
para os aposentos, molestado por dores, sequela de pelejas antigas, D. Afonso
saudou os trinta, um a um, e mandou-os em paz. Os mais próximos repararam que
coxeava duma perna. Virando-se para Peres Ramires, esboçou umas palavras
finais:
-Lavrada fica a palavra do rei. E se alguém desfizer
este contrato, com Satanás seja excomungado!
No dia
seguinte, e na posse do precioso foral, os trinta de Sintra volveram ao
Arrabalde, como sempre envolto em neblina, e agora terra d'el-rei. Logo mais,
irmãos templários se juntariam no termo, desde o cabeço da serra e
estendendo-se até ao mar, uma nova ordem nascia e em harmonia. Por muitos anos,
cristãos, marranos e mouros, haveriam de ver crescer as hortas e, destros,
caçar gamos na serra.
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