domingo, 5 de janeiro de 2014

O Jornal de Sintra e as causas públicas


Foi a 7 de Janeiro de 1934 que saiu o primeiro número do Jornal de Sintra, tendo António Medina Júnior como director e Mário Reis como chefe de redacção, para ficar até hoje, no maior caso de longevidade da imprensa local, atravessando regimes políticos e diversas épocas da história sintrense. Num tempo em que a imprensa escrita era quase em exclusivo o meio para a difusão das grandes causas públicas, muitas vezes de forma incendiada, coube ao Jornal de Sintra logo nesse seu primeiro ano um papel fulcral na defesa do património público e dos direitos das populações: a luta contra as restrições ao acesso aos jardins de Seteais.
Efectivamente, a 3 de Fevereiro desse ano  o Conde de Sucena apresentara à câmara a remissão do foro e o pedido de ajardinamento do campo de Seteais, aforado desde 1801 mas de pública fruição no que aos espaços exteriores respeitava. A ideia era "privatizar" os jardins, usados como caminho público e até campo de treinos do Exército, e dotá-lo de uma cerca, que, na prática, constituiria um aproveitamento exclusivo por parte do conde daquilo que desde sempre a todos pertencia. O tema causou indignação  nessa época, tendo o Jornal de Sintra pela pena de José Alfredo da Costa Azevedo, na altura um jovem colaborador assinando artigos com o pseudónimo de Zé da Vila, inflamado a opinião, em crónicas e versos dedicados ao tema e apelando mesmo a que tocasse a rebate o sino da Torre da Vila caso os propósitos de Sucena fossem por diante.Após muita pressão da população e da imprensa, o conde de Sucena acabou por desistirdo projecto de ajardinar Seteais a 5 de Abril seguinte, acabando por respeitar a carta de aforamento concedida ao Marquês de Marialva em 1801, numa clara vitória popular em que o Jornal de Sintra tomou uma posição em prol das grandes causas, reflectindo o sentir das populações.
É desse tipo de imprensa em favor das causas cidadãs que Sintra hoje continua a necessitar, não obstante a crise da imprensa escrita e a concorrência do audiovisual e das novas tecnologias. Durante anos foram meios de comunicação como o Jornal de Sintra quem promoveu homenagens a vultos ilustres, peditórios e festas de solidariedade para com os necessitados ou obras de beneficência, ajudou a esculpir na pedra homenagens a vultos locais como Gregório de Almeida ou Desidério Cambournac, em tudo isso tendo papel central António Medina Júnior, o figueirense de Tavarede que de Sintra foi filho adoptivo. Foi também nas páginas do Jornal de Sintra que, já reformado da política, o grande José Alfredo escreveu as crónicas mais impressivas da nossa história local, através dos seus artigos semanais nos finais dos anos setenta, e hoje recolhidas em livros e fonte de investigação essencial para descobrir a Sintra do século XX. 
Os tempos são hoje de apreensão pelo futuro do jornal e da imprensa em geral. Agora que perfaz 80 anos, há que  realçar o papel inestimável do Jornal de Sintra, levando semanalmente a todos os sintrenses as histórias do nosso pequeno mundo, num desfiar de imagens a sépia que a todos deve orgulhar,  por ter sempre colocado a causa pública em primeiro lugar e o dever de informar acima de tudo, e atento o facto de grande parte da sua história ter decorrido numa época em que a censura e o visto prévio coarctavam direitos e a nossa vida colectiva.

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