O dito memorando
de entendimento é mais sagrado que a Bíblia e pura e simplesmente adaptado
consoante as conveniências, assim deixando claro que não estamos perante um
acordo e muito menos um “entendimento” mas tão só perante um diktat, como o que se impõe aos vencidos
depois de findas as guerras.
Efectivamente,
como entender um documento que é imposto por cinzentos funcionários
internacionais, sem aprovação pelo Parlamento nacional ou verificação da sua
constitucionalidade, quando qualquer outro texto de menor relevância tem de
passar por esse crivo, como aliás é de Direito na esteira das mais elementares
regras democráticas?
O memorando
da troika enfileira com alguns dos
documentos mais ignóbeis da História de Portugal, como a Convenção de Sintra ou
o Ultimato inglês, ambos aceites sem que se lhes pudesse opor resistência, e em
todos os casos sem que o povo português tivesse uma palavra a dizer.
Saiu
recentemente um relatório do The
Economist sobre a democracia no mundo, onde Portugal é colocado no 26º
lugar, perdendo um lugar desde o ano passado, e muito atrás de países como a
Dinamarca, Holanda ou Suiça. Porquê? Porque mais que semanticamente garantir o
direito à representação democrática e liberdade de expressão, nesses países a
representação não se esgota nos partidos e nos parlamentos, e nenhuma medida
que altere o quadro das relações normais de governação ocorre sem que o povo,
em referendo, seja chamado a pronunciar-se, o que entre nos não ocorre,
ufanamente se reclamando que estando eleitos os representantes silogisticamente
representada e bem está a vontade popular.
Assim não é,
e assim não chega. Todo o processo da integração (e desagregação) europeia de
Portugal está desde o início eivado de lacunas: nunca o povo foi chamado a
pronunciar-se, a não ser em desinteressantes eleições para um deslavado Parlamento
Europeu. Não o foi em 1985, na adesão, nem quando em Maastricht se decidiu a
moeda única, nem quando se adaptou o cínico Tratado de Lisboa. A Europa dos
cidadãos é a Europa dos eurocratas títeres do eixo franco-alemão (hoje quase só
alemão) e às suas mãos soçobrará.
Portugal não
escolheu a Europa, não escolheu a troika, não escolheu empobrecer. Onde estão
os limites da representação formal? Condenar um país a empobrecer não deveria
ser proibido pela Constituição também? Onde estão os Jorge Miranda e os Vital
Moreira agora, que a Lei Fundamental apenas serve para teste a alunos de
Direito Constitucional?
A Europa
semântica caminha para o estertor. O projecto de Schuman e Monet que num
esperançoso dia no pós-guerra nasceu em Roma ameaça terminar em
Berlim, quando à terceira vez finalmente a Alemanha vencer a guerra.
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