“Os nossos sonhos não cabem nas vossas urnas” dizia um cartaz dos jovens que há uma semana acampam nas Puertas del Sol, em Madrid, inspirados nos portugueses da Geração à rasca em luta contra a precariedade do emprego, a falência do Estado Social e a dependência que fere a dignidade de quem tendo procurado qualificar-se enfrenta a falta de emprego, de valorização pessoal, a ambição de uma casa e família, numa irritante letargia que, prolongando-se no tempo pode despertar erráticos cantos de sereia de salvíficos arautos cavalgando o descontentamento e a crise.
Em Março deste ano, estavam registados no Centro de Emprego de Sintra 18.000 desempregados. Diárias procissões nas filas do desencanto, procissão renovada de suplentes da vida, a geração sem remuneração está minada pela desesperança e incomoda-se, e incomodando-se, incomoda-nos. Quem não tem um filho, um primo, um sobrinho que já caiu ou está prestes a cair neste tumulto, nova lepra dos novos anos de chumbo? Pensar que aos vinte e dois anos, depois de licenciado, apenas demorei poucos meses para arranjar um emprego, e nunca desde então deixei de o ter, e hoje, perto dos trinta e cinco, pessoas há que pasmados olharam para um contrato sem termo como quem olha o original da Bíblia, com a estupefacção de ter visto algo raro, é algo que dá que pensar e naquilo que fizemos ou deixámos fazer desta sociedade, onde de repente, aflitos, procuramos o Nós depois de anos a exaltarmos o Eu.
Despedidos da vida, licenciados sem saída, um Estado forçado a ser magro e para onde apesar dos cantos de sereia eleitoral não se pode olhar, mais que ocupar praças e militantes dormir no chão, necessário se torna, isso sim, é sem hesitações depressa levantar desse chão. Não é tarde para ter um passado, é demasiado cedo para desistir do futuro. E esse constrói-se com perseverança, união de esforços, atacar o dito “sistema” por dentro e não só com acções emblemáticas que depois dos telejornais e dos talk-shows disso mais não passam. Minar os partidos do poder, para que por dentro se possa chegar ao âmago de quem decide, não aliviar a pressão, enfrentar o sistema com as suas próprias armas. Não esquecer que Tróia foi conquistada, não após meses de cerco, mas depois que um cavalo de madeira para lá transportou os que contra ela lutavam e já espalhados pela cidade.
Os dezoito mil que diariamente esperam na fila, montando o cerco, mais os dezoito mil que em breve lá podem ir parar, mais todos os outros mil que querem que esses dezoito mil desapareçam da fila, têm de unir esforços, tomar o poder por dentro, construir o cavalo, para, mudando as políticas e os actores mudar a Economia da Descrença que larvar deste país se apoderou.
A democracia é um território de afectos, alguém disse. Sem trabalho e sem futuro não haverá afecto por uma democracia padrasto território de precários e descrentes. E da paixão à descrença, da descrença à ruptura, o território de afectos da democracia pode silencioso gerar novos ódios, e com eles a vinda de providenciais salvadores, embora hoje sem real poder para salvar, morta a Europa das Nações. Sem emprego e sem futuro não há democracia, esta é o território dos homens livres e sem dinheiro ou futuro, e sobretudo sem esperança, ninguém pode reclamar ser homem livre. Logo, há entre nós aflitos setecentos mil sonhos para sonhar e já aqui perto, dezoito mil deles pelo menos. Façamos que dezoito mil sonhos voltem a sonhar, começando pela arma que, bem usada, ainda pode vencer muitas guerras: o voto, lúcido, empenhado, diariamente vigiado pelos seus militantes donos, depois do seu singelo depósito. Para quem vive e sobrevive em Sintra, que em 5 de Junho vá às urnas tendo estes dezoito mil motivos no pensamento, e pode ser que um dia alguns dos sonhos, pelo menos, caibam dentro das urnas.
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