sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Padre António Vieira, perigoso genocida?





É ridículo ver gente que devia ter dois dedos de testa acusar o Padre António Vieira do etnocídio do povo ameríndio, e mais demencial ainda é ver a sua estátua recentemente inaugurada “protegida” por hammerskins de quem ele por certo se distanciaria se fosse vivo.
O mundo do século XXI não é o mesmo do século XVII, e não se pode exigir a quem viveu nesse tempo, anterior à Revolução Francesa e à emergência das sociedades com direitos que felizmente se sucedeu, e de que Portugal foi pioneiro ao ser dos primeiros países do mundo a abolir a escravatura, o mesmo tipo de enfoque. Pelos cânones de hoje o infante D. Henrique seria um perigoso esclavagista e D. João II um tirano e um déspota.
Recordemos, contudo,  o seu Sermão Vigésimo Sétimo: «Oh trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh mercancia diabólica, em que os interesses se tiram das almas, e os riscos das próprias!... Os senhores poucos e os escravos muitos; os senhores rompendo galam, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros.»
Admitindo o cativeiro dos negros vindos de África, considerado legal, e não o dos índios, acrescenta Vieira: «Bem sei que alguns destes cativeiros são justos, os quais só permitem as leis, e que tais se supõem os que no Brasil se compram e vendem, não dos naturais, senão dos trazidos das outras partes: mas que teologia há ou pode haver que justifique a desumanidade e sevícia dos exorbitantes castigos com que os mesmos escravos são maltratados?»
Vieira era pelos índios chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi), e foi um exemplo de tolerância e grande defensor da comunidade indígena, num tempo que a muitos interessava mais o vil metal e a ganância do poder. Assistir pois aos eventos ocorridos na Lisboa de 2017 conspurca a sua memória e deixa mal na fotografia ambos os lados, uns por fanatismo etnocêntrico, outros por nacionalismo bacoco e de quem nunca terá lido uma linha da sua obra. Como ele escreveu “O não ter respeito a alguns, é procurar, como a morte, a universal destruição de todos.”




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