O mundo do
século XXI não é o mesmo do século XVII, e não se pode exigir a quem viveu nesse
tempo, anterior à Revolução Francesa e à emergência das sociedades com direitos
que felizmente se sucedeu, e de que Portugal foi pioneiro ao ser dos primeiros
países do mundo a abolir a escravatura, o mesmo tipo de enfoque. Pelos cânones de hoje o infante D. Henrique seria um perigoso esclavagista e D. João II um tirano e um déspota.
Recordemos, contudo, o
seu Sermão Vigésimo Sétimo: «Oh trato
desumano, em que a mercancia são homens! Oh mercancia diabólica, em que os
interesses se tiram das almas, e os riscos das próprias!... Os senhores poucos
e os escravos muitos; os senhores rompendo galam, os escravos despidos e nus;
os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em
ouro e prata, os escravos carregados de ferros.»
Admitindo o
cativeiro dos negros vindos de África, considerado legal, e não o dos índios,
acrescenta Vieira: «Bem sei que alguns
destes cativeiros são justos, os quais só permitem as leis, e que tais se
supõem os que no Brasil se compram e vendem, não dos naturais, senão dos
trazidos das outras partes: mas que teologia há ou pode haver que justifique a
desumanidade e sevícia dos exorbitantes castigos com que os mesmos escravos são
maltratados?»
Vieira era
pelos índios chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi), e foi
um exemplo de tolerância e grande defensor da comunidade indígena, num tempo
que a muitos interessava mais o vil metal e a ganância do poder. Assistir pois
aos eventos ocorridos na Lisboa de 2017 conspurca a sua memória e deixa mal na
fotografia ambos os lados, uns por fanatismo etnocêntrico, outros por
nacionalismo bacoco e de quem nunca terá lido uma linha da sua obra. Como ele
escreveu “O não ter respeito a alguns, é
procurar, como a morte, a universal destruição de todos.”
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