No Inferno dos incêndios que há décadas nos fustigam, todos são culpados: os políticos que não planeiam, organizam ou pensam com visão de futuro e encarando o problema como desígnio nacional e prioridade; os autarcas que não fiscalizam ou punem os refratários que não limpam as propriedades e pastagens; os responsáveis da dita “proteção” civil que nada protegem, enrolados nos negócios do aluguer de aviões e do SIRESP; os partidos que usam a floresta e a proteção civil como arma de arremesso, enfeudados nos gabinetes de Lisboa; as populações que não limpam as matas, não procedem com civismo nem defendem o que sendo seu é de todos; os técnicos do fogo, peritos em diagnósticos mas desaparecidos no momento de decidir; a comunicação social, em busca de sangue ou de escândalo para alimentar as audiências e a publicidade; e os habituais velhos do Restelo do telejornal, Fernando Curto e Jaime Marta Soares, a quem nunca vi apagarem um fogo mas que dele falam de cátedra.
As florestas
cobrem 31% de toda a área terrestre do planeta e têm responsabilidade directa
na garantia da sobrevivência de 1,6 biliões de pessoas e de 80% da
biodiversidade terrestre, movimentando cerca de 327 biliões de dólares todos os
anos, mas infelizmente o mundo debate-se com a triste realidade da desflorestação
resultado das alterações climáticas e do exaurir dos recursos.
Em Portugal a
floresta ocupa 38 % do território de Portugal continental, verificando-se que o
pinheiro bravo, o sobreiro e diversos tipos de eucalipto são as espécies mais
representativas e, também, de maior interesse económico, ocupando no seu
conjunto quase 75 % da área de floresta. Portugal é igualmente o país da União
Europeia com mais floresta nas mãos de proprietários privados que, em grande
parte, se defrontam com a sua baixa rentabilidade. Este problema tem particular
incidência na floresta do norte e do centro, assim como nas áreas serranas a sul,
traduzindo-se num défice de gestão das áreas florestais a que se vem juntar o
crescente abandono de muitas áreas agrícolas. Esta situação é uma das
principais responsáveis pela dimensão do flagelo dos incêndios, que vem
tomando, nos últimos anos, proporções de calamidade pública. A expansão do eucalipto
é recente e coincide com o crescimento da indústria papeleira, responsável pela
gestão de cerca de 30% dessa área, na qual se abastecem em cerca de 20% do volume
total de madeira consumida.
Sintra é
particularmente representativa da intervenção humana na floresta. Por se erguer
perpendicularmente à linha de costa, a serra de Sintra é o primeiro obstáculo
natural que os ventos húmidos do Atlântico encontram intercetando o seu
percurso. Isso permite um microclima mediterrânico de feição oceânico, com
níveis de humidade característicos dos climas subtropicais. A proteção
proporcionada pelas copas e a manta morta gerada pela queda das folhas e ramos,
contribuem para a manutenção de temperaturas e de níveis de humidade no solo
propícias ao desenvolvimento da grande diversidade de espécies que aqui podemos
encontrar, na sequência da construção de autênticos parques românticos. Aqui
pontificam o cedro-do-Buçaco, da América Central, a búnia-búnia, da Nova
Caledónia, a araucária de Norfolk, o ginkgo da China ou a magnólia americana,
numa miríade de clorofila e orvalho.
Fala-se em
reforma da floresta, imposta pela emergência ditada pelo flagelo dos fogos em
2017, redigem-se relatórios, debitam-se palpites. Uma coisa é certa: só uma
dimensão de proximidade permitirá gerir com maior eficácia e com melhor
eficiência os recursos públicos. A gestão florestal e a informação cadastral,
visando a prevenção dos fogos florestais e as políticas de defesa da floresta
devem ser de responsabilidade municipal, por duas grandes ordens de razões: são
as autarquias quem melhor conhece os territórios e suas gentes, e são elas quem
pode ser responsabilizado politicamente em caso de divergência de entendimento
quanto às políticas adotadas, por estarem sujeitas ao escrutínio popular. O recente
caso da interferência do ICNF, estrutura burocrática sedeada em Lisboa, visando
o abate de árvores na serra de Sintra nas costas das autarquias respetivas, foi
exemplo claro da distorção do poder local e resquício dum poder bafiento e
tecnocrático onde a discricionariedade impera e o bom senso rareia. Sendo
Sintra, no caso vertente, a guardiã dum Património da Humanidade na categoria
de Paisagem Cultural para cuja classificação contou sobremaneira o espaço
cénico e a imagem humana e natural construída, devem ser os seus representantes
mais diretos a ter a última palavra quando se montam determinadas operações
ditas de segurança. Não devem critérios fitossanitários duvidosos ou burocratas
cinzentos presidir a decisões que são antes de mais políticas e estratégicas
visando uma política de ordenamento florestal participada, sustentável e amiga
das populações que dela fazem parte também, quer como produtores, quer como
fruidores. Venha um novo quadro legal e dê-se a César o que é de César, para
que de vez se possa fazer política para a floresta e não só para a árvore. Com
mecanismos de controlo, vigilância, escrutínio e transparência, claro está.
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