Só com uma
sociedade civil forte e no quadro de um Estado Democrático se pode ter uma
verdadeira política de património cultural. A política para o património deve
ser um campo de compromissos, contra o fachadismo, e servida por elites
esclarecidas, o que no nosso país foi secularmente contrariado por um Estado
atávico e napoleónico, produto de trezentos anos de inquisição e cinquenta de autoritarismo, e onde a dita "sociedade civil" sempre foi olhada como
contrapoder e inimigo com um Estado resistente aos mecanismos de escrutínio, e
onde o diálogo permanente com os mais de cem mil envolvidos em associações de
defesa do património nunca teve um fórum institucional permanente de expressão.
Na promoção
e defesa do património, dos monumentos e sítios classificados, há que juntar
cidadãos, associações cívicas, técnicos e moradores. Em Sintra, por exemplo, só se pode acarinhar uma
ideia como a de Paisagem Cultural se ela for originada em consensos e como
instrumento de desenvolvimento para quem habita no seu seio, e não se funcionar
como o eucalipto que tudo seca e põe a comunidade contra si. Não há paisagem
cultural sem pessoas, e não há gestão bem sucedida sem consensos.
Sintra
integra desde há alguns anos a Aliança das Paisagens Culturais, uma
rede internacional vocacionada para preservar espaços declarados Património da
Humanidade pela UNESCO.Em 2008 produziu-se a Declaração de Aranjuez, onde os
sítios classificados expuseram as suas inquietações e analisaram a necessidade
de compatibilizar a preservação dos lugares com um adequado desenvolvimento
económico e social das terras e gentes em seu torno.
Um dos
pontos chave desta declaração faz referência ás políticas de difusão do
património cultural entre a população, assinalando que a melhor forma de gerar
cultura entre os cidadãos passa por estes valorizarem o seu próprio património,
pois só se pode valorizar o que se conhece.
O texto
exige “implicação, cumplicidade e compromisso” do mundo científico na melhoria
destes lugares, e na garantia da sua sustentabilidade, e apela à participação
cívica das comunidades locais, enquanto elemento fundamental para um
desenvolvimento sustentável das áreas classificadas.
Traduz este
anseio o reconhecimento da necessidade duma cultura democrática de participação
e transparência na gestão da Paisagem Cultural, chamando os stakeholders,
parceiros da sociedade civil mais vezes em ligação com os técnicos. Paisagem
Cultural sim,mas pró-activa e não repressiva e distante.
O sucesso de
qualquer empreendimento depende da participação das partes interessadas e por
isso é necessário assegurar que as expectativas e necessidades sejam conhecidas
e consideradas pelos gestores.O envolvimento de todos os intervenientes não
maximiza obrigatoriamente o processo, mas permite achar um equilíbrio de forças
e minimizar riscos e impactos negativos na execução do mesmo. Na gestão de empresas ou projectos com implicação em certos
grupos, e na sociedade civil em geral, as organizações internacionais
recomendam hoje a auscultação e participação activa de stakeholders locais na
implementação e prossecução de projectos com repercussão na comunidade, na
perspectiva de a todos envolver, convidando-os para reuniões e visitas,
recolhendo contributos e mudando o paradigma com uma filosofia de “abrir para
obras” acompanhando as recuperações em curso, que é internacionalmente aconselhada,
tendo já sido verificado no caso do Chalé da Condessa ou na recuperação do
Castelo dos Mouros. Mas muito trabalho há a fazer ainda, e necessário se torna
criar estrutura física e mental para que o trabalho em curso não seja resultado
apenas do maior ou menor voluntarismo das equipas directivas que estão no
momento. O modelo de gestão e a correlação acionista adoptada podem ser
melhorados, com uma maior intervenção decisória por parte da Câmara, legítima
representativa das comunidades e única estrutura eleita e sufragada. Mas tal
como é dever das instituições abrirem-se à sociedade, imperioso se torna uma
maior tomada de consciência da sociedade de que não deve deixar as respostas
todas em mãos alheias e se deve empenhar mais em causas que são de todos. Só
assim a democracia será madura e os cidadãos o serão em plenitude.
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