Mouro nado em terra de amendoeiras, ainda jovem o hoje Grande Historiador foi mandado estudar na madrassa, contas e álgebra foram a sua vocação. Alto e esguio, tímido e encavacado, partiu depois para o grande bazar, onde se dedicou à banca. Legumes, frutos, amêndoas, de tudo vendeu o jovem, mouro de trabalho, poupando para o futuro, professor mais tarde na madrassa onde estudara. Tudo registando em cadernos azuis, para mais tarde se ving… digo, relatar, tinha um sentido apurado da História e do seu papel incontornável na mesma, quem se não ele pois para contar a única verdade possível, a sua?
Estando o
Emirado dominado pelos almorávidas e tendo adquirido um camelo novo, anunciou a
jihad, ele que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, e pregando a guerra
santa chegou a emir. Allah u akbar!- gritou quando de cimitarra em punho entrou em Ushbuna, seguido pelas tropas do
Crescente Laranja. Como emir fez obras, mas, mandado pelo Califado, mandou
arrancar amendoeiras e figueiras, encostar os barcos e vender o gado,
deu trabalho porém, e os muezzin do minarete chamavam por ele como se o próprio
Profeta fosse, senhor do Islam e pavor dos infiéis kafir, para ele apenas camelos. Cansado, e tendo-se retirado dez anos, entendeu, ouvida uma moura
encantada, voltar para aplicar a sharia, mas os tempos haviam
mudado e teve de o fazer em luta com o vizir Youssuf El Socas, estudioso de
Filosofia e chefe das tribos do norte. Disputando ambos a interpretação do Corão,
deixou que se esbanjassem os dinares, obrigando a que, enviados pelo Califado,
três reis do Oriente chegassem trazendo ouro, incenso e mirra. Envelhecido e
agastado, Al Zeimer arrastou-se nos últimos anos sem dinheiro nos cofres ou tâmaras na
tenda, sem primavera árabe, restou-lhe o inverno em Bulik Eime, quando um novo emir, conhecido pelos afectos, o mandou desamparar a tenda. Mas como registará a História este personagem das mil e uma
(tenebrosas) noites? Guardará de Al Zeimer a memória de Ali Babá, que abrindo a
gruta com palavras mágicas, logo, qual bolo-rei, se deixou levar por quarenta
ladrões? Ou como Grande e avisado Sultão que domou os insurrectos e ora relata ele
mesmo a sua versão dessas noites, e também de muitas quintas feiras, enganado
por vizires, vestais e cortesãos sem preparação, não fosse ele, que Alá o guarde?
Salam‟alek,
Al Zeimer, emir de Bulik Eime e senhor do Gharb Al Andaluz! Sem a certeza de a
História o absolver, escreveu ele já a sua História, não hajam erros
comuns de percepção, como se diz hoje em terras do Crescente, e o opróbio e o anátema soez caiam sobre
o justo dos Justos e maior que Saladino. Nunca fiando nos escribas
geringonçeiros, a verdade é só uma e é a dele, pois então. Nada pois como uma pequena
vingança para aumentar a adrenalina a um velhaco marafado enquanto degluta umas
pataniscas com grelos. Não há muito tempo para moldar a Eternidade. A dele, sobretudo.
Delicioso texto. Parabéns Fernando Morais Gomes.
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