Recordo com saudade e
emoção essa madrugada de 12 de Agosto de 1984 quando um olímpico Carlos Lopes, com um ar ladino e fresco, entrou para a História ao transpor o portentoso Estádio Olímpico de Los Angeles, repleto
de gente para o encerramento dessa extraordinária olimpíada, e entre flashes e
cor a Portuguesa ecoou bem alto, a todos que em Portugal e pelo mundo fora
assistiam ao primeiro ouro de Portugal deixando lacrimejantes. Ainda hoje, com o fundo da magnífica
música de John Williams, autor do, para mim, mais emblemático hino olímpico
composto até hoje, recordo esse momento, a que assisti noite dentro em Lisboa,
na companhia de minha avó, que para acompanhar o momento fez chá e uns bolos, também ela torcendo. A
marca atingida, 2h 9m e 21s, foi recorde olímpico até aos Jogos Olímpicos de Pequim,
em 2008, e Carlos Lopes, bem como o saudoso Mário Moniz Pereira, entrou para a
História restrita dos deuses do Olimpo, um franzino sportinguista de
Vildemoinhos que aos 38 anos e treinando ao fim de tarde, depois do trabalho, assim batia os
craques mundiais. Já em 1976 deixara um cheiro a pouco quando Lasse Viren, um
polícia finlandês perito em transfusões sanguíneas lhe roubara o ouro nos 10000m em Montreal,
daí para a frente, foi a geração de Rosa Mota, António Leitão, os irmãos
Castro, Fernanda Ribeiro e Fernando Mamede, entre outros.
Na altura, entre outras homenagens,
atribuiu-se o seu nome ao Pavilhão dos Desportos de Lisboa, local onde vi
muitos espectáculos, jogos de hóquei, comícios e festas, recordo ali ter
apertado a mão a Yasser Arafat em 1979, na sua única vinda a Portugal, bem como
ter escutado Mitterrand e Olof Palme e ter até ouvido cantares alentejanos e cançonetistas da moda. Com o
correr dos anos, tal como Carlos Lopes, também o "seu"Pavilhão foi fenecendo, chaga aberta
no centro da cidade, apesar da altivez dos seus azulejos, estátuas e cantarias. Lisboa nova rica
virava a Oriente, e o Pavilhão Carlos Lopes sobrava como memória a sépia que aos
poucos desaparecia da vida da cidade, como aconteceu com o Parque Mayer, o Monumental, o Éden, o
café Gelo ou o mercado das Picoas.
Na reunião de um
circunstancialismo virtuoso, o Pavilhão renasceu das cinzas, e Lopes lá
assinalou ontem os seus 70 anos, eternizado numa exposição permanente no centro de Lisboa.
Porque um país sem memória dos seus e do seu património, não pode ter futuro que
se veja.
Parabéns Carlos Lopes,
campeão das pistas e também da humildade. Porque como lembrou um dia Cervantes, “a humildade
é a base e o fundamento de todas as virtudes, e sem ela não há nenhuma que o
seja”
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