Será que ainda há amizades, ou não sobrará apenas a necessidade de ter pessoas em volta, rodeando imagens e não pessoas de carne e osso? Por vezes as coisas apenas parecem durar enquanto dura o tempo dumas rodadas ou enquanto não se parte para melhor, onde os vultos bons dos dias maus só lembram a existência desses dias maus, mesmo quando têm gente boa dentro, firme e leal.
Sou um lamecha com poucos amigos, mas esses poucos estimo-os(vos) como irmãos, nos dias bons e nos dias maus, até porque quando são bons celebrá-los-emos e abraçar-nos-emos como sobreviventes da Esperança. Sei que aquilo que para mim é amizade é mais do que para outros, e não resulta duma superficialidade automatizada, do tásse bem, de ser meros figurantes na espuma dos dias. Uns, ou porque casam e têm filhos, outros porque mudam de casa ou de emprego, não mais voltam a aparecer, apesar das promessas de lealdade e companheirismo sem nódoa, somem, assim, como se os anos de nada servissem e o velho amigo e cúmplice seja agora igual ao cliente do café que todos os dias à mesma hora lê o jornal e que já é familiar também.
Só o silêncio alberga os estados de alma. Envelhece o corpo, e se sempre procuro manter o espírito jovem e crédulo, tenho de admitir que assim já não é sempre. Começo a ver mal, eu que sempre me meti com os “caixa de óculos”, e a não distinguir as letras do jornal. O álcool, antes libertador, é por vezes castigador e pesado, logo as farmácias substituirão os bares na busca de bálsamo para o corpo e anestesia para a alma.
Olho o mar, e qual filme a sépia, vejo o meu passado, refletindo como nos meus sessenta e quatro anos já vivi várias vidas, como um gato, todas diferentes, sempre nela entrando renovados personagens, histórias, amizades e por vezes, sem dar por isso, encerradas em capítulos estanques, até que outro capítulo se abra e de novo tudo recomece, noutro tempo ou noutro espaço. E ingénuo, incauto, volto a dar o benefício à Vida, e esta a jogar às escondidas, com novas personagens e novas geografias e desafios. Nunca mais aprendo a não cair na ritual armadilha dos amigos para sempre, e a desacreditar de acreditar das pessoas, impondo a limpidez da verdade face à intermitência da farsa social.
Crescido nas festas de garagem e nas promessas de amanhãs cantando, tardio crente naquela amizade do tirar a camisa ou do largar tudo para acorrer aos “nossos”, vejo-me muitas vezes só entre a multidão. O mais perturbador é que até me sinto bem assim, couraçado, protegido de novas traições, ausente, mas presente para alguns, e esses alguns são muito poucos hoje, e são sobretudo alguns poucos cúmplices e irmãos. Os da minha geração saltitam para o médico ou para o centro de saúde, vencidos da vida e chatos, sombras nimbadas mas etéreas, arquivados no passado onde pertencem, património do meu baú.
Em vós estimula-me a juventude, os sonhos, o poder ser irmão mais velho, sem paternalismo, companheiro cota e protetor.
Enfim, escrevo num momento catártico na noite de Sintra. Muitos são nomes na agenda que de ano para ano se repetem. Uns saíram já no apeadeiro do passado. Outros, estão presentes e com eles choro, e rio, dou-me por inteiro e quero-os vencedores e audazes, criadores e fraternos. Esses, são, como é óbvio, alguns apenas, e eles sabem quem são.
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