Foi recentemente publicada a Lei
57/2019 que prevê a atribuição de novas competências às freguesias, numa lógica
de descentralização e subsidiaridade, e com natureza de permanência,
abrangendo áreas como as da gestão e manutenção de espaços verdes, limpeza das
vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, manutenção, reparação e
substituição do mobiliário urbano instalado no espaço público, (com exceção
daquele que seja objeto de concessão), gestão e manutenção corrente de feiras e
mercados, realização de pequenas
reparações nos estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do
ensino básico, manutenção dos espaços envolventes dos estabelecimentos de
educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico ou utilização e
ocupação da via pública.
Também o licenciamento da afixação de
publicidade de natureza comercial, (quando a mensagem esteja relacionada com
bens ou serviços comercializados no próprio estabelecimento ou ocupa o domínio
público contíguo à fachada do mesmo), a autorização da atividade de exploração
de máquinas de diversão ou colocação de recintos improvisados, realização de
espetáculos desportivos e divertimentos na via pública, jardins e outros
lugares públicos ao ar livre, acampamentos ocasionais, realização de fogueiras
e lançamento e queima de artigos pirotécnicos poderão passar a ser competências
das freguesias, tudo resultando do interesse e negociação entre quem delega e é
delegado, pois questões de fundo se colocam: a capacidade administrativa e
técnica das freguesias para assumir as novas responsabilidades, a tensão que
pode existir decorrente de funcionários municipais poderem não querer mudar
para as juntas, e de o envelope financeiro a pagar ou a receber ser
desinteressante para uma ou ambas as partes, sem por de lado os conflitos
eventualmente decorrentes de no período da negociação existirem forças
políticas de diferentes cores de ambos os lados, prontas a esticar a corda e a
um braço de ferro.
Será no prazo de 90 dias corridos após
a entrada em vigor do novo decreto-lei que câmara e juntas de freguesia devem
acordar numa proposta para a transferência de recursos para as freguesias, a
qual deve conter a indicação dos recursos humanos, patrimoniais
e financeiros que, anualmente venham a ser transferidos para cada uma das
freguesias.
As deliberações autorizadoras da
transferência de recursos serão obrigatoriamente comunicadas pelo município à
Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) até 30 de junho do ano anterior ao
do início do exercício da competência pela freguesia, para efeitos de inscrição
no Orçamento do Estado do ano seguinte, o que significa que ultrapassado esse
prazo este ano, já o Orçamento de 2020 os não poderá contemplar, caso em que a
DGAL procederá à inscrição no Orçamento do Estado do ano seguinte, dos últimos
montantes que tiverem sido comunicados pelo município.
Os recursos financeiros afetos às
transferências de novas competências para as freguesias provirão do orçamento
municipal, após deliberação das assembleias municipal e de freguesia, e serão
calculados tendo por base a estrutura de despesas e de receitas que os
municípios respetivos têm com o exercício dessas mesmas competências, não
podendo ser inferiores aos constantes de acordos ou contratos respeitantes às
mesmas matérias e serão financiados por receita proveniente do Fundo de
Equilíbrio Financeiro e da participação variável no IRS dos respetivos
municípios, sendo transferidos pela DGAL até ao dia 15 de cada mês, por dedução
àquelas transferências para cada município.
Para o início do exercício das novas
competências em 2019, o prazo de comunicação à DGAL ocorre no prazo de 15 dias
corridos após as deliberações legalmente previstas, sendo que o processamento
do primeiro duodécimo relativo às transferências de novas competências para as
freguesias ocorre no mês seguinte ao da entrada na DGAL dessa comunicação.
Relativamente ao ano de 2019, as
freguesias que não pretendam a transferência de competências previstas no
presente decreto-lei comunicam esse facto à DGAL, após prévia deliberação dos
seus órgãos deliberativos, até 60 dias corridos após a entrada em vigor do novo
decreto-lei.
Há, no entanto, que voltar a algo que
devia ser prévio a esta alteração: a redefinição do quadro legal das
freguesias, hoje resultado duma imposição economicista do tempo da troika que
arbitrariamente esquartejou o poder local em geografias variáveis.
Sob a semântica intenção do” reforço
da coesão nacional”, da “melhoria da prestação dos serviços públicos locais” ou
da "otimização da atividade dos diversos entes autárquicos”, a reforma imposta
pelo memorando da troika nasceu torta e sobretudo inquinada pela ausência duma
real e efetiva vontade originária provinda dos interessados na sua própria
reforma, essa sim, o verdadeiro paradigma da administração local democrática.
Chamando racionalização à sanha dos
cortes cegos, e organização do território a um critério que trata por igual o
que é de si saudavelmente desigual, a reorganização das freguesias já então
acenou com a libertação de recursos financeiros, alardeando uma suposta otimização
da alocação dos recursos existentes e o reforço das atribuições e competências
próprias, acompanhado dum envelope financeiro, prometendo na altura uma
majoração de 15% da participação no Fundo de Financiamento de Freguesias (FFF),
até ao final do mandato seguinte à fusão aos que sem discussão acatassem o
critério preconizado na proposta.
Foi uma outorga a jeito de canga e
não uma auscultação ou participação verdadeiramente democrática o que então
aconteceu. Expressões como “obrigatoriedade” de reorganização administrativa,
ou “proximidade” (quando a provável nova sede da freguesia pode vir a ficar a
mais de 20 km), mais não são que expressões semânticas, alem de que a solução
apresentada para a designação das freguesias anexadas criou uma nomenclatura
extensa e despida de identidade.
E as novas freguesias, alem de
nascerem tortas, nasceram obtusas, isto é, passaram a designar-se «União das
Freguesias», seguida das denominações de todas as freguesias anteriores que
nela se agregaram.
Esta reforma atabalhoada mexeu com o
Portugal profundo, a sua idiossincrasia e a vontade popular muitas vezes no
passado escrita em sangue contra os poderosos, e só um contrato com as
populações de génese democrática pode tornar pacífica uma lei que a todos
contente, por a todos respeitar.
Penalizadas, as autarquias, e as freguesias em particular, foram o parente pobre da crise. S. Martinho, onde os 30 cavaleiros donatários
de Sintra se instalaram depois do foral de 1154, onde os templários de Gualdim
Pais zelaram pela fé, que viu o Chão de Oliva e a Xentra moura, a judiaria e a
alpendrada, o nascimento e a morte de reis, o Lawrence e o Hotel Nunes, acolheu
Ferreira de Castro e escutou Zé Alfredo, foi engolida por uma mera decisão
administrativa que a ignorou e aviltou, criando a amorfa União das Freguesias de Sintra, com um nome extenso, e antes de se ver o montante do cheque
deveria ver-se quem é o legítimo portador, a “nova” entidade, ou a “antiga”,
por quem muitos clamaram mas parece terem esquecido. O tempo tudo apaga.
Contudo, antes das novas competências, não seria bom voltar a refletir sobre a
matriz geográfica das mesmas? Perguntar não ofende.
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