A realização do festival Aura em Sintra, de 10 a 13 de Agosto, suscita para lá do espectáculo visual e da animação de rua uma reflexão sobre a luz e a sua (omni)presença por vezes despercebida no nosso quotidiano, seja enquanto elemento estético, seja enquanto metáfora, por oposição às trevas.
Filosoficamente, a Luz tem uma
conotação positiva.Para Heráclito, o fogo era um princípio de purificação e de
geração de poder. Zeus, rei de todos os deuses, tem um nome cuja etimologia
indica a palavra Dyeus, significava “luz”, “brilho”, “luminosidade”, “dia” ou
“céu”. Antigas crenças, provenientes da Pérsia e da Babilónia ligavam o destino
dos mortos com as estrelas do céu e com a sua luz, brilhante ou baça, segundo a
ventura de cada pessoa. Em Platão, assim como a luz do sol torna visíveis os
objetos materiais, a luz do Bem torna as Formas inteligíveis e visíveis aos
olhos da mente. Na alegoria da caverna, o nosso mundo é colocado em contraste
com o mundo real e perfeito das formas pela analogia com o sol. Os homens
presos na caverna podem ver somente as sombras projetadas nas paredes pela
iluminação do fogo externo sobre os objetos que passam pelo lado de fora. Neste
contexto, a filosofia representava uma ponte pedagógica que serviria para que
esses homens pudessem passar, gradualmente, da completa obscuridade para a luz
do sol que permitiria o conhecimento verdadeiro da realidade. Criou-se, por
conseguinte, o problema filosófico que consiste na caminhada das trevas para a
Luz e da ignorância para o conhecimento. Lembre-se Descartes, e a sua ideia de
que a luz natural da razão ilumina os objetos que podem ser conhecidos clara e
distintamente, ou a força exercida pelo pensamento iluminista na filosofia
contemporânea, período aliás conhecido como século das Luzes.
Já no plano da realidade
palpável, a luz desde há muito suscita problemas estéticos e ambientais, muito
se reflectindo hoje sobre a sua correcta ou má utilização, bem como da poluição
ocasionada pela luz excessiva que interfere nos ecossistemas, causa efeitos
negativos à saúde, ilumina a atmosfera das cidades, reduzindo a visibilidade
das estrelas e interferindo na observação astronómica. Este tipo de poluição é
considerado um efeito colateral da industrialização, resultando da má
utilização das luzes das casas, dos anúncios publicitários, da iluminação
viária e sinalização aérea e marítima, bem como todas as fontes artificiais de
luz, o aumento crónico e temporário da iluminação seja de edifícios, ruas,
barcos de pesca, luzes de segurança, veículos ou plataformas petrolíferas.
Alguns processos naturais só
podem acontecer na escuridão, como o repouso, a predação ou recarga dos
sistemas. Por esta razão, a escuridão possui importância igual à da luz do dia.
A poluição luminosa pode confundir a navegação animal, alterar relações entre
presas e predadores e afectar a fisiologia
dos animais. O aumento da claridade do céu à noite representa o efeito mais visível,
e os astrónomos já o reconhecem. Numa escala global, aproximadamente 20% de toda
a electricidade utilizada é no período da noite. O produto final da iluminação
eléctrica gerada pela carbonização de combustíveis fósseis é a descarga dos
gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global e pela exaustão
dos recursos não renováveis.
Para além de ser prejudicial para os animais nocturnos,
migratórios ou em voo, o efeito da luz na forma de fogo ou de lâmpadas atrai as
aves migratórias e não migratórias durante a noite, e tem sido utilizado como
uma forma de caça, já que a desorientação das aves que usam o horizonte como
orientação é interrompida pela claridade. A luz artificial provoca graves efeitos
nas tartarugas que procuram locais para postura e nas crias, que têm que
encontrar o mar. Muitos estudos mostram que os peixes evitam fontes de luz
branca, e existem espécies que são atraídas pela luz, o que é utilizado para os
apanhar, dada a adaptação dos olhos dos peixes a um ambiente escuro e possíveis
danos nos olhos devido a luzes mais brilhantes. Na aquacultura do salmão, a luz
que se encontra submersa aumenta a profundidade de natação e reduz a densidade
do salmão do Atlântico em jaulas de reprodução.
Devido ao facto de os oceanos possuírem menos fontes de luz
artificial comparando com ambiente terrestres, o efeito e alcance de uma única
fonte é muito mais elevado. Como consequência destas circunstâncias, as aves
marinhas são altamente atraídas pelos faróis das plataformas e podem ficar
directamente aleijadas ou morrer devido ao efeito de armadilha da luz que faz
com que as aves circulem à volta da fonte de iluminação, reduzindo as suas
reservas energéticas e tornando-as incapacitadas para alcançar a costa mais
próxima ou diminuindo a sua habilidade para sobreviver ao inverno e à
reprodução.
Sistemas de iluminação inadequados estão relacionados a
diversos problemas de saúde. A iluminação noturna pode causar problemas de
sono, depressão e cancro. O efeito atrativo que a luz exerce sobre os insetos
também tem consequências sanitárias. Insetos transmissores de doenças tais como
malária ou a leishmaniose podem ser atraídos por luzes e assim aproximar-se de
populações humanas.
Para minimizar os efeitos negativos da iluminação
artificial, são necessárias novas estratégias de iluminação. A luz tem que ser
usada de um modo preciso e as regulações devem ser implementadas através de
leis. O senso comum diz que ambientes urbanos mais iluminados são mais seguros,
por isso, gasta-se muito com a iluminação pública. Porém vários estudos indicam
que a iluminação pública, quando mal planeada, pode ser mais maléfica que
benéfica. As lâmpadas ofuscam os olhos das pessoas, permitindo que os criminosos
que se escondem em locais que não são diretamente iluminados não sejam vistos.
Ou seja, mesmo que as pessoas tenham uma sensação de segurança maior em
ambientes bem iluminados, isso não quer dizer que elas realmente estejam mais seguras.
Enfim, todo o mundo da Luz está para urbanistas, planeadores
e decisores ainda muito às escuras, e não entrou a sério da forma de construção
das cidades. Para já, com o Aura, teremos luz em Sintra por estes dias, ela que
já é a Cynthia promontorial donde atlantes poetas sempre partiram em busca da
Luz, e para se reflectir, quiçá, sobre o barulho das luzes.
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