quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A primeira árvore de Natal



Os príncipes estavam já no salão, impecáveis nos fatos tiroleses que o tio Augusto comprara para a recepção de Natal que sua mãe, a rainha, ofereceria ao corpo diplomático. A noite estava amena nas Necessidades, um presépio gigante, ladeado por serafins de asas abertas, adornava o salão contíguo à sala do trono. Pedro terminara a aula de geografia com o visconde de Carreira, seu preceptor, como sempre, estava sorumbático e calado. Seria rei um dia, o visconde vigiava-lhe a postura. Lipipi, mais bonacheirão, intrigado, contemplava um barco numa garrafa, tentando descobrir como o enfiaram dentro. Pelas sete horas, com o salão profusamente iluminado e decorado com esculturas que Fernando comprara em Paris, chegaram os embaixadores das nações amigas, ministros, e inúmeros convidados. O país estava pacificado por Saldanha, apesar do triunfo dos cabralistas, depois da convenção de Gramido, e a família real, mais descontraída, ocupava-se com a educação dos filhos, sete , com o nascimento do príncipe Augusto, em Novembro.

À hora marcada, a rainha entrou na sala, com Fernando a seu lado, duas camaristas secundavam-nos. As várias gravidezes haviam-na tornado obesa, enfiada num vestido roxo que não lhe favorecia as formas, mais própria de burguesa que de rainha. D.Fernando, fardado de general dos exércitos, com o cabelo louro em desalinho, fazia suspirar as cortesãs. Era um pinga-amor, porém, sempre respeitador de Maria, e zeloso da educação dos filhos. Nessa manhã estivera em Mafra, montando o Monarch, misterioso, avisou que se preparassem, pois faria uma surpresa durante a recepção da noite. Tinham nascido poldros à égua da rainha, ia vê-los, no regresso passaria pela Pena a inspeccionar as obras, carros de bois transportavam por esses dias pedra para a ala sul, onde já se viam os contornos do palácio.

Na sala, rodopiavam os grandes do reino. O príncipe Augusto, irmão de Fernando, de visita para o Natal e para conhecer o novo sobrinho, a quem puseram o seu nome, conversava com o barão Eschwege, que dava pormenores sobre a construção da Pena, a outro canto, o visconde de Carreira comentava com a marquesa de Lavradio como a rainha ficara desgostosa com o óleo que Beaulieu pintara com os príncipes, para ela pouco favorecidos.

Após as boas vindas da rainha Maria, Fernando, num português atrapalhado, pediu silêncio, e mandou entrar o coro de S.Vicente de Fora. Doze jovens impecavelmente vestidos e em canto ambrosiano entoaram então algumas canções de Natal, perfeitamente afinados. No final, também D.Fernando fez questão de cantar uma melodia austríaca, Stille Nacht, Heilige Nacht, chamou ao piano Manuel Inocêncio, o professor de música dos príncipes, e como combinado, cantou para a assistência, maravilhada e rendida à sua voz possante. O ambiente, inicialmente formal e protocolar, estava agora desanuviado. Intrigante, D.Fernando pediu a palavra:

-Majestade, Excelências, se não vos importais, passemos à biblioteca, tenho uma surpresa para vós!
Era a altura de desvendar o mistério da ida a Sintra de manhã. Aberta a sala contígua, até então fechada, um pinheiro gigante, profusamente engalanado, deslumbrava, repleto de velas e doces. Vários candelabros e uma crepitante lareira compunham o ambiente, irrompendo a sala numa salva de palmas, em sinal de admiração.

-Em Coburgo, conta-se a história de São Bonifácio, que certo dia salvou um príncipe que ia ser sacrificado num bosque por alguns druidas. –explicou -Derrubada a árvore onde o príncipe ia ser imolado, nasceu no local um pinheiro, que para nós simboliza a paz. É tradição desde então colocar em todas as casas uma árvore pelo Natal, como símbolo de paz e fraternidade!

Extasiados, Lipipi e Pedro correram para a árvore, enquanto a rainha Maria, admirada, apreciava as velas que Fernando com o auxílio de Eschwege e dos criados passara a tarde a colocar. Mas não ficavam por ali as surpresas. A um bater de palmas, um indivíduo com enormes barbas brancas entrou na sala, trazendo um saco:

-Eis um Weihnachtsmann, não sei como se diz em português, mas é alguém que no Natal premeia quem praticou boas acções, distribuindo prendas, sobretudo às crianças! -explicou, deitando um olhar misterioso na direcção dos filhos. Perante a alegria de Lipipi, futuro rei D.Luís, seguiu-se a distribuição de presentes que o homem das barbas tirava do saco e que Fernando entregava um a um. Para Maria, um vestido, do atelier de madame Clochard, em Paris; para Pedro, livros, com anatomia de animais, oferta da rainha Vitória, que adorava os primos portugueses, um chapéu de almirante para Luís. Nenhum convidado foi esquecido, e todos foram presenteados com aguarelas de flores e pássaros, pintadas por Fernando nesse Verão em Sintra.

Naquela noite serena e feliz, iluminava-se pela primeira vez uma árvore de Natal, sendo Fernando um perfeito weihnachstmann do Norte, invadindo as Necessidades naquele seu Natal português. Finda a memorável noite, a todos saudou, de coração cheio:

-Feliz Natal para todos, caros amigos!Frohliche weihnachten!

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