Porque Portugal é um Estado de Direito Democrático, de acordo com o artº 2º da Constituição”, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais” a validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição (nº 3 do artigo 3º), sendo tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais, e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático (artigo 9º, alínea b).
Nos termos do artigo 18º os preceitos constitucionais respeitantes aos
direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades
públicas e privadas, e a lei só pode restringir os direitos, liberdades e
garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as
restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos, não podendo os órgãos de soberania
conjunta ou separadamente suspender o seu exercício, salvo em caso de estado de sítio ou de emergência,
declarados na forma prevista na Constituição, e por períodos de 15 dias, devidamente balizados e fundamentados. Igualmente, nos termos do artigo 26º, a
todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à
imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à
proteção legal contra quaisquer formas de discriminação. Mais claramente, dispõe
o artigo 35º que a informática não pode
ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou
políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem
étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista
por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados
estatísticos não individualmente identificáveis, rezando o nº 4 desse
normativo: “ É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos
excecionais previstos na lei”.
Com estes
constrangimentos legais, há que evitar dar o passo que abriria a caixa de Pandora para
uma sociedade concentracionária, condicionada, e com um leque das liberdades
claramente profanado.
Sabemos
que cada telemóvel que usamos há muito põe estes valores em causa: podemos
ser georreferenciados, podem desenhar-nos perfis para uso comercial, político
ou policial, e são recentes os casos da Cambridge Analytica e da campanha de
Trump, em 2016, baseada em perfis recolhidos ilegitimamente, ou ainda a invasão de
propostas comerciais baseadas nas escolhas que fizemos ao comprar online uma vez que fosse, ou ao consultar certos sites ou bases de dados, aí deixando uma pegada digital.
Contudo,
mal ou bem, é ainda nossa opção dispormos dessa privacidade quando decorre da nossa vontade
individual, mais ou menos esclarecida, numa sociedade onde estar na montra é cada vez mais uma hedonística prova de vida e
a manifestação de opinião se reduz a um like ou um emoji.
A máscara que hoje nos protege, pode porém ser um dia o açaime que nos silencia, e o telemóvel que nos liga ao mundo a torre de marfim onde nos vigiam.
Que a pandemia não nos deixe
escorregar para a esquizofrenia.
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