É
hoje que o Reino Unido sai da União Europeia. Uma União Europeia moribunda e em
fase de estertor, acossada pelo desgaste do Brexit, o populismo eurocético, e
as pressões duma América errática, duma China expansionista e duma Rússia com
sonhos imperiais. Não parece fácil, contudo, o que os brexiteers pretendem, e
de que convenceram os britânicos (mais ingleses que escoceses ou irlandeses). O
Império Britânico simbolizado pela anacrónica Commonwealth não vai voltar, o
Reino Unido não tem particulares vantagens competitivas num mundo globalizado,
e não estranharia se daqui por dois ou três anos não fossem os súbditos de Sua
Majestade a pedir “order!”, entalados entre os poderes fáticos que na verdade
controlam o mundo.
Ficamos
agora numa União Europeia dominada pela Alemanha. Em 1953, em Hamburgo, Thomas
Mann defendeu que devemos ambicionar ter uma Alemanha europeia e não uma Europa
alemã. Quase três décadas depois da unificação, há que refletir sobre o futuro
desta Europa. O problema é que a Europa mudou e, na medida em que mais países
entraram na União Europeia, o projeto dos Estados Unidos da Europa
distanciou-se cada vez mais. O que parecia possível na Europa dos Seis,
tornou-se impossível com as ampliações para Sul, Norte e Leste.
A
crise do euro posterior a 2008 tornou visíveis as contradições da Europa.
Querendo-se ou não, a Alemanha é, com os seus recursos e capacidades, o único país
que pode manter a coesão duma Europa heterogénea e ameaçada por forças
centrífugas. Na Europa dizem ter de se manter a coesão na União Europeia. Não
foram as suas instituições, principalmente o Parlamento Europeu, fortalecidas
nos últimos anos, nomeadamente depois do Tratado de Lisboa? O que resultou foi
exatamente o contrário. Valorizado anteriormente, o Parlamento Europeu não
desempenhou praticamente nenhum papel no apogeu da crise do euro, ficando as
decisões a cargo das reuniões intergovernamentais, e a "cabeça" da UE
dividida entre a Comissão e o Conselho Europeu. Uma coisa parece ser certa:
estão a ser as crises que indicam se as instituições são robustas ou não. E nas
crises atuais, de que ressalta a saída da Grã-Bretanha, os populismos, com ou
sem colete amarelo ou os Vox e os Fidesz a minar o rumo, mostram-nos instituições
europeias incapazes e dissonantes. Talvez porque elas foram criadas a pensar no
“funcionamento normal” da Europa enquanto não surgissem grandes problemas e as
questões pudessem ser resolvidas em consenso.
A
Alemanha contribui sozinha com mais de um quarto do poderio económico na zona
euro, e são seus os riscos maiores nos programas de ajuda aos países
endividados do Sul da Europa. Com isto, coube-lhe uma posição decisiva na
fixação das condições para a ajuda, achando que pelo facto de a austeridade ter
funcionado na Alemanha nos anos noventa, tal podia ter sido copiado a papel
químico para países com outros estádios de desenvolvimento, e outras políticas
e práticas fiscais, orçamentais ou bancárias. Essa falta de tolerância e
compreensão está, pois, a levar cada vez mais a uma Europa alemã longe da Alemanha
europeia de Adenauer, Willy Brandt ou Helmut Kohl. É uma Europa em cadeira de
rodas, e cada vez mais comatosa. O Parlamento Europeu é hoje um bordel espanhol
e uma quinta com muitas raposas dentro do galinheiro, liderado por figuras de
segunda e sem chama. Do outro lado volta a ouvir-se o Rule Britannia, do lado
de cá da Mancha salva-se o Hino à Alegria de Beethoven, riscado,é certo,não se
sabendo se sucedido pelo Requiem de Mozart ou pelo Sonho de Uma Noite de Verão de
Mendelssohn. Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos.
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