sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Bye bye, Britannia!


É hoje que o Reino Unido sai da União Europeia. Uma União Europeia moribunda e em fase de estertor, acossada pelo desgaste do Brexit, o populismo eurocético, e as pressões duma América errática, duma China expansionista e duma Rússia com sonhos imperiais. Não parece fácil, contudo, o que os brexiteers pretendem, e de que convenceram os britânicos (mais ingleses que escoceses ou irlandeses). O Império Britânico simbolizado pela anacrónica Commonwealth não vai voltar, o Reino Unido não tem particulares vantagens competitivas num mundo globalizado, e não estranharia se daqui por dois ou três anos não fossem os súbditos de Sua Majestade a pedir “order!”, entalados entre os poderes fáticos que na verdade controlam o mundo.
Ficamos agora numa União Europeia dominada pela Alemanha. Em 1953, em Hamburgo, Thomas Mann defendeu que devemos ambicionar ter uma Alemanha europeia e não uma Europa alemã. Quase três décadas depois da unificação, há que refletir sobre o futuro desta Europa. O problema é que a Europa mudou e, na medida em que mais países entraram na União Europeia, o projeto dos Estados Unidos da Europa distanciou-se cada vez mais. O que parecia possível na Europa dos Seis, tornou-se impossível com as ampliações para Sul, Norte e Leste.
A crise do euro posterior a 2008 tornou visíveis as contradições da Europa. Querendo-se ou não, a Alemanha é, com os seus recursos e capacidades, o único país que pode manter a coesão duma Europa heterogénea e ameaçada por forças centrífugas. Na Europa dizem ter de se manter a coesão na União Europeia. Não foram as suas instituições, principalmente o Parlamento Europeu, fortalecidas nos últimos anos, nomeadamente depois do Tratado de Lisboa? O que resultou foi exatamente o contrário. Valorizado anteriormente, o Parlamento Europeu não desempenhou praticamente nenhum papel no apogeu da crise do euro, ficando as decisões a cargo das reuniões intergovernamentais, e a "cabeça" da UE dividida entre a Comissão e o Conselho Europeu. Uma coisa parece ser certa: estão a ser as crises que indicam se as instituições são robustas ou não. E nas crises atuais, de que ressalta a saída da Grã-Bretanha, os populismos, com ou sem colete amarelo ou os Vox e os Fidesz a minar o rumo, mostram-nos instituições europeias incapazes e dissonantes. Talvez porque elas foram criadas a pensar no “funcionamento normal” da Europa enquanto não surgissem grandes problemas e as questões pudessem ser resolvidas em consenso.
A Alemanha contribui sozinha com mais de um quarto do poderio económico na zona euro, e são seus os riscos maiores nos programas de ajuda aos países endividados do Sul da Europa. Com isto, coube-lhe uma posição decisiva na fixação das condições para a ajuda, achando que pelo facto de a austeridade ter funcionado na Alemanha nos anos noventa, tal podia ter sido copiado a papel químico para países com outros estádios de desenvolvimento, e outras políticas e práticas fiscais, orçamentais ou bancárias. Essa falta de tolerância e compreensão está, pois, a levar cada vez mais a uma Europa alemã longe da Alemanha europeia de Adenauer, Willy Brandt ou Helmut Kohl. É uma Europa em cadeira de rodas, e cada vez mais comatosa. O Parlamento Europeu é hoje um bordel espanhol e uma quinta com muitas raposas dentro do galinheiro, liderado por figuras de segunda e sem chama. Do outro lado volta a ouvir-se o Rule Britannia, do lado de cá da Mancha salva-se o Hino à Alegria de Beethoven, riscado,é certo,não se sabendo se sucedido pelo Requiem de Mozart ou pelo Sonho de Uma Noite de Verão de Mendelssohn. Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos.

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