Finistérrica falésia junto à mata atlântica,
as Azenhas do Mar são um presépio branco com cheiro a pinho e sabor a sal, com a
serra de Sintra vigiando as disciplinadas águas migrando para o Grande Oceano,
polvilhado por alvas casas debruadas a azul, e adornado promontório de urze e pinho patrulhado por corvos e gaivotas rasgando os céus desafiadores.
Encavalitada nas rochas, outrora terra de
rainhas, muitas a procuraram no passado, com destaque para a festejada visita
de D. Luísa de Gusmão em Julho de 1652, ou as estadias de Maria Pia e D. Amélia
em tempos mais recentes. De S. Lourenço é devota, como o atesta a singela
capela, cuja galilé destruída em 1966 foi restaurada em 1995, anualmente
celebrado nas festas do mês de Agosto, a celebrar a fé de pescadores e das gentes do campo, desse campo de chão quente e arenoso onde desde tempos imemoriais emerge o ramisco, talhado pelas mãos generosas e sábias de homens bons abrindo
covas, trabalhando o vime e no seu chão argiloso depositando as cepas e bacelos
donde frutificará o néctar que aquecerá a alma e saciará a sede.
Se o casario se perde na noite dos
tempos, é no século XX que as Azenhas do Mar surgem como postal dum Portugal
suave e laborioso lavrando os campos, partindo para a pesca ou tratando as vinhas.
No princípio do século, em 1920, ali constrói Raul Lino a sua famosa Casa Branca ou do
Marco, exemplar singular duma arquitectura despojada em diálogo com a natureza,
feita de silêncios e sensações, sem água nem luz eléctrica. E é decorrente do trabalho da Comissão de
Melhoramentos das Azenhas do Mar que em Agosto de 1927 se inicia a construção
da emblemática escola primária, projecto de Amílcar Pinto, Jorge Segurado e
Frederico Carvalho apadrinhado pelo então ministro da Instrução Pública Alfredo de
Magalhães e inaugurada dez meses depois, em Junho de 1928 pelo presidente
Carmona. É um período áureo das Azenhas do Mar, impulsionado por figuras
como Emílio Paula Campos, aguarelista e escultor, ali residente desde 1910, e
um dos entusiastas da construção da piscina oceânica, da escola, ou da estrada
para Janas, e em cuja casa se alojou Leal da Câmara ou um ainda jovem Júlio
Pomar, casa da qual fez um museu que funcionou entre 1945 e 1970, e cujo espólio
está hoje a salvo, também por acção de seu sobrinho e grande figura das
Azenhas, recentemente desaparecido, o arquitecto Francisco Castro Rodrigues.
É desse período o filme de Artur da
Costa Macedo “A Praia das Maçãs e as Azenhas do Mar”, estreado no cinema Condes
em 28 de Agosto de 1928, bem como a abertura duma carreira de autocarros da Auto
Sintrense em Março de 1930, e a extensão do eléctrico da Praia das Maçãs até às
Azenhas nesse mesmo período, facto celebrado de forma insólita. Sendo voz do
povo que o eléctrico só chegaria às Azenhas quando o chafariz deitasse vinho em
vez de água, do chafariz de Vila Chã, construído em 1893 por influência de Luís
Colares, inaugurado em 1894 e remodelado por Paula Campos em 1928, mais
conhecido pelo Arcão, promoveu o grande filantropo Alberto Totta, mesário da santa Casa e um dos fundadores da Adega Regional de Colares, a
canalização através do dito chafariz de barris de vinho de que milagrosamente
todo o povo se saciou, havendo mesmo o relato de um tal Jacinto que terá emborcado
nada menos que vinte e oito copos…
Regista-se igualmente em Maio de 1945 a
fundação da Orquestra Beira Mar, num período pujante de vilegiatura burguesa impulsionada
pela propaganda do Estado Novo e pela propagação dos chalés português suave
duma burguesia a banhos, dispersa entre Sintra e os Estoris.
As Azenhas do Mar são terra de vinho
e de néctares. Em 1848 Luís Augusto e Manuel José Colares fundaram a Adega
Beira-Mar e em 1899 João, António e Hermenegildo Bernardino da Silva a adega
Chitas, produtora do Collares Chitas, e desde 1900 do afamado Beira-Mar.
Dos 22 fogos registados em 1815 até
hoje, as Azenhas, felizmente, pouco cresceram, alvas testemunhas do labor dos
Homens e do poder do Mar. Registada na Conta-Corrente de Vergílio Ferreira ou
na Viagem a Portugal de Saramago, incensada por viajantes que nela vêm uma
Santorini do Atlântico, será de toda a justiça que lhe seja atribuído mais um
galardão público nestes tempos de afã mediático, cientes de que as ondas continuarão a
fustigar a rocha, o sol continuará a brilhar sobre o casario e na noite dos
tempos o promontório altivamente guardará este seu ninho.
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