O maior
paradoxo das sociedades modernas e altamente mediatizadas é que a democracia
pode facilmente ser capturada pelo autoritarismo ou prevalecer a sua desvalorização se uma
representação de massas de valores ditos democráticos ocupar o espaço público e
o espaço da representação política.
Vejamos
alguns exemplos. Nos Estados Unidos, em pleno folclore das primárias, o jogo da
democracia privilegia o candidato que dela pouco sabe ou pensa poder comprar, o
inefável Trump, incrível Hulk da sociedade mediática, prometendo esmagar os
vizinhos preguiçosos e o Estado islâmico, seja lá o que isso for na sua testa
onde pouco mais cabe que a descabelada cabeleira loura. E os cidadãos
espectadores aplaudem, reféns da democracia-ecrã, transformada em reality show
de soundbites, mistificações e encenação.
O mesmo se
diga da forma como é governada a dita “União” Europeia. A Europa da paz de
Schuman e Monet, unida do Atlântico aos Urais, não é mais que uma mera
representação de pseudo democracia, dominada pelos poderes erráticos e não
eleitos que ao mesmo tempo que posam para a “foto de família” de líderes iguais
entre iguais, o fazem quando os grandes já tudo decidiram no jogo dos
interesses, assim gerindo uma Europa à beira dos Grexit, Brexit e outros exit que
a breve trecho deixarão definitivamente de fora os cidadãos, cansados de não se
sentirem representados e sujeitos aos apelos a nacionalismos defensivos de que
o internacionalismo dos interesses os não defende.
Também na
política doméstica assim sucede, num jogo de máscaras que afasta os eleitores
dos eleitos, com a mentira e a dissimulação elevados a valor táctico e o
cansaço com a democracia a resvalar para a procura de causas de franja que mais
não exijam que mero protesto nas redes sociais ou aglutinados em movimentos
inorgânicos.
Este o mundo
em que vivemos, de rebeldes sem causa por causa de mavericks e demagogos que
descobriram o poder mágico da mentira como maneira de chegar ao Poder e em
completo desnorte ideológico e doutrinário, e de ilusionistas manipuladores que
transformaram o slogan em doutrina, o vómito em discurso e a imagem virtual em
realidade. Nunca a informação circulou tanto e no entanto nunca a cegueira foi
tão grande, todos erraticamente deambulando num mundo perdido, como na obra de
Saramago, sem encontrar o fogo no topo da caverna, como angustiadamente o
procuramos desde Platão. Perante a anomia de uns e a taquicardia de
outros, continuamos ligados à máquina. Até quando?
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