segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O Conclave




Pedro Alcobia era um filho de Sintra. Pároco de Colares em 2013, bispo em 2017, em 2021 ascendeu a cardeal-patriarca de Lisboa, com página no Facebook e homilias no You Tube, a Igreja ao clique de um rato. Controverso, defendia que Deus é mãe e não pai, convicto que não se deveriam combater os cataclismos, e que a vontade divina poder nenhum devia deter. Crente nas alterações climáticas como sinal do fim dos tempos, intransigente com o celibato e o preservativo, publicou mesmo um livro atacando o antigo Papa Ratzinger, que, apesar de rigoroso, para ele havia cedido ao agnosticismo. Avesso aos políticos, as suas homilias eram um gongórico pedaço de retórica, elogiadas no Osservatore Romano e atacadas em Lisboa pelo Partido Radical, fundado em 2016 por Ana Drago. Foi assim que depois da morte de João XXIV, o ruandês Joseph Kizomba, vitimado pelo HIV, o seu nome começou a circular na Cúria como papabile, o cardeal Pescatore, de Milão, apostava mesmo nele abertamente, em mails mandados aos membros do Colégio Cardinalício, que respondiam com enigmáticos smileys.
Passadas as exéquias por Kizomba, começaram as reuniões conspiratórias. Os chineses queriam um Papa asiático, os americanos apostavam em John Scottdale, cardeal do Texas e diretor do Banco do Vaticano. Com ele o rating da Santa Sé subira, e Deus ajudava as cotações do Nasdaq, principal receita da Cúria. Europeus e latinos, porém, preferiam o português, paladino dos princípios e punidor dos desvios.
No dia da abertura do conclave, o cardeal Alcobia levantou-se às sete, orou e leu os mails, antigos paroquianos de Colares enviavam twits para que o seu pastor se sentasse na cadeira de Pedro. De seguida, juntou-se aos eleitores na missa Pro Eligendo Papa, em S. Pedro, para depois, em procissão, se dirigirem à Capela Sistina, e dar início à eleição, o Espírito Santo iluminaria os cardeais. Interiormente, Alcobia ambicionava o lugar, místico, queria devolver Deus a um mundo profano e assolado pelo hedonismo. Adepto da seleção natural, para si, o Deus da paz também o era da guerra aos inimigos da Igreja, descrentes que conduziam o mundo a partir de Pequim, a potência mundial desde que a União Europeia acabara em 2015. Já na Capela Sistina, olhou Deus criando o mundo no fresco de Miguel Ângelo, e viu-se a si no topo, anel do Pescador no dedo, a Nova Cruzada em embrião. Depois de todos sentados, o camerlengo proferiu o ritual Extra omnes, o momento para os estranhos abandonarem a Capela Sistina. Vítor Godinho, o secretário do cardeal, aguardaria no gabinete, Alcobia dera instruções para atuar.
Depois dos rituais, votaram os cardeais mais idosos, depois os demais. O primeiro escrutínio deu 45 votos para o cardeal de Xangai, 35 para o de Lisboa, 7 para o de Palermo. O chinês sorriu, simulando surpresa pelo resultado, o lobby asiático dava sinais de funcionar. Como não foi concludente, os votos foram queimados, e foi negro o primeiro fumo. Nas votações seguintes, o mesmo se repetiu, e o dia terminou sem que Roma conhecesse um novo Papa. Nesse período, entretanto, misteriosas mensagens deixadas por Godinho surgiram nos aposentos dos cardeais eleitores, referindo “ É Pedro o herdeiro de Pedro, Peregrino da Cruzada”.
Ao quarto dia, repetiram-se os procedimentos, e já havendo conversado entre si sob pseudónimo no Facebook, os cardeais finalmente decidiram. Lidos e contados os votos, Pedro Mendes Alcobia, antigo pároco de Colares e Cardeal Patriarca de Lisboa, recolhia os votos necessários, o Espírito Santo iluminara finalmente o coração dos eleitores. Alcobia, de olhos cerrados, rezava, perante o facies amarelecido do cardeal chinês. O Cardeal Diácono foi até ele e perguntou-lhe, solene:
-Reverendo Cardeal, aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?
-Aceito, em nome do Senhor - respondeu, simulando indecisão e sacrifício.
-Como queres que te chamemos?
-Pedro. Pedro II -anunciou, sem hesitações.
A escolha do nome provocou um arrepio na sala, seguido do silencioso ato de obediência, com os cardeais prostrados e osculando-lhe o pé direito, fumo branco finalmente saiu da chaminé, para gáudio dos fiéis reunidos na praça. Meia hora depois, o filho de um desenhador da Câmara de Sintra e de uma operadora de call center tornava-se o 268º Chefe da Igreja Católica e Vigário de Cristo na Terra. Em S. Pedro, apinhado de gente, urbi et orbi, o cardeal de Varsóvia proclamou o novo Papa:
-Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam! Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum Petrus, Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem qui sibi nomen imposuit Petrus Secundo.
Pedro Alcobia olhou a multidão e abençoou-a, solene, ao mesmo tempo que uma trovoada, tombava nos céus de Roma. Em Colares, onde a população se juntara frente a um ecrã gigante colocado na Adega Regional, Virgílio Penaguião, blogger de temas esotéricos, interrompendo um post sobre o abate dos plátanos e aumentando o volume da televisão, correu a buscar um livro na estante. Uma antiga profecia atribuída a S. Malaquias, bispo irlandês do século XII, falava de Petrus Romanus, o último dos Papas, que iria "alimentar suas ovelhas em muitas tribulações" e no "dia da perseguição final ".

Enquanto em Roma debaixo duma borrasca diluviana Pedro Alcobia era aclamado pela multidão, os telejornais abriam emissões especiais noticiando o lançamento de mísseis balísticos a partir de Pyongyang, um destruíra já o USS Obama, porta-aviões americano estacionado no Índico. Os dias do fim iam começar.

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