quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A nostalgia de dizer não




Passem os regimes, governos e administrações públicas que passem, um dos defeitos congénitos do pathos nacional é o culto da burocracia. Se se tem de legislar, criam-se logo intermináveis portarias e regulamentos, certidões e atestados, fotocópias e pedidos de licença, sinal da pouca confiança no utente e por vezes sintoma dum tique autoritário que tanto pode ser o de quem dirige como muitas vezes a prova de vida do mais modesto colaborador. Há sempre o porteiro cioso da sua porta onde até um ministro tem de pedir para passar, o burocrata desesperado por encontrar uma deficiência para ufanamente pedir mais um papel, o fiscal revistando o processo para poder multar por cinco centímetros de afastamento ou falta duma coleção de cópias que na prática de nada servem senão para engrossar o processo, infernizar o utente e mostrar zelo perante o chefe.

É a herança do modelo napoleónico e centralista, do Estado-Carrasco em vez do Estado-Amigo, tudo em nome da “legalidade”, e do “rigor” se bem que ao mesmo Estado não pareça dever ter os administrados como utentes mas mais como vassalos do papel e da certidão. E, se os tempos modernos permitem o uso de plataformas digitais expectavelmente aceleradoras da análise e da decisão, ainda estamos a anos luz da simplificação.

O Estado pouco faz e pouco deixa fazer, e ainda se arroga o direito de sancionar quem faz e aposta. E raramente dá o exemplo: se para o utente o prazo é peremptório e a falta de resposta conduz ao arquivamento, para os serviços pressa não consta do dicionário, que o respeito é muito bonito, e se avançar sem o abençoado papelinho lá estará o embargo correctivo, a contraordenação castigadora, o auto sacramental. E ainda que o discurso dominante seja o da simplificação, há nos genes do funcionário o sentimento de orfandade sempre que um assunto se resolve à primeira.  Ainda um destes dias num serviço público uma senhora com tantos anos como a secretária de madeira que a viu envelhecer se regozijava por um processo ter demorado “apenas” quatro meses, “rápido” na sua escala de prioridades.

Muito se tem feito, é certo, no sentido de colocar a Administração próxima dos seus “clientes”, mas muito há ainda a fazer. É precisa uma descolonização mental séria e uma cultura de procedimento nova, rapidez com quem quer investir e aproveitar o “momentum”, rapidez com quem precisa de uma cirurgia e não pode esperar meses a fio, rapidez com quem quer construir a sua casa e vê o tempo e o dinheiro esvaídos em projectos, cópias e certidões que apenas servem para arquivar após facturar a bendita taxa. É tendo esse objectivo como prioritário que poderemos avançar, sem leis obtusas e semânticas que se invocam para obstaculizar ou atavios mentais do tempo das mangas de alpaca a bem da Nação.

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