Na Quinta da Ribafria, a partir de hoje, questões como
a do futuro da Europa vão ser colocadas no âmbito dum espectáculo concebido e
escrito por Miguel Real e Filomena Oliveira, conceituados escritores e
dramaturgos, e pessoas queridas da comunidade cultural sintrense. E o tema é não
só actual, como premente.
A Europa está
moribunda e em fase de estertor, como os motores falseados da Volkswagen.
Em 1953, em Hamburgo, Thomas Mann defendeu que devemos
ambicionar ter uma Alemanha europeia e não uma Europa alemã. Vinte e cinco
depois da unificação, sobre o papel da Alemanha na Europa e no mundo, ninguém
se preocupou, com os alemães ocupados nessa altura consigo próprios e com a
integração económica dos novos Estados federados do Leste, tanto que no final
dos anos noventa a Alemanha era tida como um caso problemático na Europa, do
qual se haveria de cuidar da questão do endividamento estatal, com níveis de
desenvolvimento abissais entre o Leste e o Oeste, e canalizando muitos fundos
(grande parte deles comunitários) para nivelar as economias. Era impensável
então que a Alemanha um dia pudesse apresentar-se como modelo nas questões de
política fiscal e do saneamento orçamental. E com a introdução do euro, pareceu
que a Alemanha tinha aberto mão do seu mais importante instrumento de poder
frente às outras economias europeias, o marco alemão.
O problema é que a Europa mudou e, na medida em que
mais países entraram na União Europeia, o projecto dos Estados Unidos da Europa
distanciou-se cada vez mais. O que parecia possível na Europa dos Seis,
tornou-se impossível com as ampliações para Sul, Norte e Leste.
A crise do euro posterior a 2008 tornou visíveis as contradições
da Europa. Querendo-se ou não, a Alemanha é, com os seus recursos e
capacidades, o único país que pode manter a coesão da Europa heterogénea e
ameaçada por forças centrífugas. Na Europa, tem a possibilidade de manter a
coesão na União Europeia, e no mundo, tem de cuidar para que a economia
europeia não seja marginalizada através da ascensão da Ásia. Mas não seria
isto, na verdade, uma tarefa das instituições europeias? Não foram tais
instituições, principalmente o Parlamento, fortalecidas nos últimos anos, para
assumir essas tarefas, nomeadamente depois do Tratado de Lisboa? O que resultou
foi exactamente o contrário. Valorizado anteriormente, o Parlamento Europeu não
desempenhou praticamente nenhum papel no apogeu da crise do euro, ficando as decisões
a cargo das reuniões intergovernamentais, e a "cabeça" da UE dividida
entre a Comissão e o Conselho Europeu. Algo semelhante ocorre também na questão
de saber se a Grã-Bretanha permanecerá como membro da UE ou se deixará a
comunidade, o que provavelmente será negociado quando chegar a hora
directamente entre Berlim e Londres. Tudo isto, bem como a recente aprovação do
Brexit pelos britânicos, contraria profundamente o projecto europeu. Uma coisa
parece ser certa: estão a ser as crises que indicam se as instituições são robustas
ou não. E nas crises actuais, de que ressaltam os problemas financeiros da
Grécia e a tendência de saída da Grã-Bretanha ou a crise dos refugiados sírios
e magrebinos, as instituições europeias mostram-se incapazes e dissonantes.
Talvez porque elas foram criadas a pensar no “funcionamento normal” da Europa
enquanto não surgissem grandes problemas e as questões pudessem ser resolvidas
em consenso. Como não tem vindo a ser esse o caso, e o eixo franco- alemão está
debilitado, o poder deslocou-se e os governos nacionais voltaram a desempenhar
o papel principal, com destaque para a Alemanha.
A Alemanha contribui sozinha com mais de um quarto do
poderio económico na zona euro, e são seus os riscos maiores nos programas de
ajuda aos países endividados do Sul da Europa. Com isto, coube-lhe a posição
decisiva na fixação das condições para a ajuda, achando que pelo facto de a
austeridade ter funcionado na Alemanha nos anos noventa, tal pode ser copiado a
papel químico para países com outros estádios de desenvolvimento e outras
políticas e práticas fiscais, orçamentais ou bancárias. Essa falta de
tolerância e compreensão está pois a levar cada vez mais a uma Europa alemã
longe da Alemanha europeia de Adenauer, Willy Brandt ou Helmut Kohl. É uma
Europa em cadeira de rodas, e cada vez mais comatosa.
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