A dívida absorvia três quartos da
despesa e os juros metade das receitas, as taxas de juro subiam, apertando o
cerco às contas públicas. Tudo como de costume, no Portugal rotativista,
dançando de Hintze Ribeiro para Luciano de Castro, num previsível vira, que nem
o manguito do Bordalo conseguiam evitar.
O Baring Brothers, banco
inglês que já colocava a divida pública de vários países nos mercados,
abanou com a insolvência da Argentina, o que gerou o pânico internacional,
assustando os mercados. Em Portugal, a solução foi uma vez mais a austeridade.
Tornaram-se patentes as más aplicações da banca e o governo, pressionado,
viu-se obrigado a negociar uma receita extraordinária, ao conceder por três
milhões de libras o monopólio dos tabacos ao conde de Burnay.
Corria o mês de Outubro. D. Carlos
caçava em Vila Viçosa, alheado ao vexame que o governo do primo Eduardo lhe
impusera com o humilhante ultimato, os republicanos conspiravam nos cafés e o
Governo de João Crisóstomo debatia-se com a dívida e os adiantamentos à casa real.
Em Sintra, pintada de castanhos
outonais, de costas voltadas a Lisboa engalfinhada e claustrofóbica, Henry
Burnay, recente conde pela mão de D. Luís e novo magnata dos tabacos, visitava
o amigo Santos e Viana, a sua ajuda propiciara uma folga financeira ao governo
regenerador. A viagem desde as Laranjeiras fora tranquila e solarenga, no final
aproveitaria para rever a condessa d’Edla na casa do Regalo, a pobre
sofria de solidão, depois de enviuvar de D. Fernando, dividida entre o chalé de
cortiça e a casa de Lisboa.
A casa Henry Burnay & C.ª
não descurava uma oportunidade de negócio, a partir dela Henry Burnay
tornara-se omnipresente nos grandes empreendimentos, valia mais de um milhão e
quatrocentos mil réis, só em dinheiro. Fosse a metalurgia, lanifícios, papel,
ou sabão, nenhum grande negócio se fazia sem que tivesse uma palavra a dizer. O
recente negócio dos tabacos foi puxado por Santos e Viana, entre um charuto na
biblioteca da casa de S. Pedro:
-Você, Henry, sempre saiu melhor
que a encomenda! Então lá conseguiu que o João Crisóstomo lhe viesse comer à
mão!..
-É como lhe digo, Anselmo, estes
tipos, por dinheiro, até a mãe vendiam. Eu limito-me a aproveitar as
oportunidades! - Burnay desfrutava a vista sobre a Pena enevoada, era
sublime, pena o governo já a ter comprado à condessa d’Edla, chegara tarde para
o negócio.
-Então este ano não foi à Granja? -Burnay veraneava em Gaia, mas esse
ano por causa do negócio dos tabacos ficara por Lisboa.
-Não, não houve oportunidade.
Sabe que tive de adiantar trinta e seis mil contos ao Ministério da Fazenda? O
João Crisóstomo estava em pânico: era isso ou a bancarrota! Este país não tem
tino nenhum! Ainda sugeri que aligeirasse a contribuição predial e industrial
mas disse-me que não podia, o défice e tal…Assim não arranja aliados!
-Você é que devia estar no
Governo, Henry! Só quem sabe o que custa o dinheiro é que o sabe administrar! -
Santos e Viana bem sabia o que havia despendido para abrir o banco, com os
ministros a criar dificuldades, logo resolvidas com uns lugares na
administração.
-E parece que mesmo assim o dinheiro
não chega! O Baring está com dificuldades em emprestar, parece que tem de se
apresentar uma garantia em ouro! Ainda há dias disse ao Oliveira Martins que
suspender a conversão das notas por noventa dias era errado, cria pânico nas
pessoas, mas há lá uns “iluminados” que o aconselham. Mal, como sempre! O que
está a aguentar isto é a pauta aduaneira. E nós, claro… Bom, meu caro, tenho de ir, fiquei
de passar a visitar a condessa. O José Luciano ficou-lhe com a propriedade, mas
deram-lhe um monte de bilhetes do tesouro sem valor e parece que está com
dificuldades. É uma joia de pessoa, coitada!
-Então não fica para almoçar? Tenho
aí um capão…
-Não, não, obrigado. Fica para
depois. A ver se falamos do negócio da vidreira, na Marinha Grande, passe lá
nas Laranjeiras um dia destes…
Apressado, saiu, mandando seguir para
a Pena, uma livrança de dez mil réis estava já preparada para a condessa
d’Edla. Embora poupada, a boa senhora tinha de acorrer às despesas, D. Fernando
deixara-lhe bens mas pouco dinheiro em moeda.
Passados uns dias, apesar do
empréstimo, o Governo, pela mão de Oliveira Martins, ministro da Fazenda,
declarou a bancarrota parcial. O país saiu do padrão-ouro, reescalonou a dívida
externa e passou a financiar-se com a emissão de moeda e só em 1902 se deu a
situação como controlada. O país definhava, Henry Burnay, cavalheiro da
indústria, apesar de tudo enriquecia. O segredo está em agarrar as
oportunidades, pensava, terminando o charuto, enquanto a carruagem deslizava na
estrada da Pena.
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