domingo, 7 de agosto de 2016

Astérix e Obelix em Cynthia



      
Ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália estava ocupada pelos romanos. Toda? Não! Uma pequena aldeia povoada por irredutíveis gauleses resistia ao invasor. E a vida não era nada fácil para as guarnições romanas nos campos fortificados de Babaorum, Aquarium, Laudanum e Petibonum. Num recanto da Armórica, um conjunto de aldeões com a ajuda de uma poção mágica que lhes dava uma força sobre-humana, preparada pelo druida Panoramix, resistia ainda, cinco anos após a rendição de Vercingetórix em Alésia. Naquela tarde, Astérix e Obélix caçavam tranquilamente javalis quando o cão Ideafix detectou um forasteiro entre os arbustos, ladrando-lhe, nervoso:


-O que é Ideafix?- Obélix já antevia algum exercício para abrir o apetite- são romanos, são, são?


Coberto de folhas, um pequeno homem de bigode escuro e cabelo negro, com um ar frágil, pediu que não lhe fizessem mal, vinha de longe só para lhes falar.


-Não vos assusteis, amigos, sou António, um lusitano, e venho para vos pedir ajuda!


-Lusitano?- Obélix coçou a cabeça. Isso não é o mesmo que romano, por Toutátis?


-Não, Obélix, não digas disparates, lusitanos são um povo ao sul da Hispânia, comem peixe e divertem-se com um jogo com bola. Os romanos estão sempre a falar num famoso Ronaldo, já esteve em Roma, no Coliseu!


-Hummm… e comem javali?


O lusitano aproveitou para se meter à graça:


-Sim, sim, na nossa província de Bairrada, ocupada por guerreiros suevos, e noutras. É uma especialidade, o nosso javali!


Mais descansado, Asterix levou o lusitano até à aldeia. Em casa, o chefe, Abraracourcix levantava a mesa, desgraçadamente desde que introduzira a paridade na aldeia tinha tarefas domésticas para executar três vezes por semana. Recebido o frágil visitante este explicou ao que ia:


-Caros amigos, o meu chefe, o grande Rubio, edil de Cynthia, nas costas da Lusitânia, enfrenta um ataque de piratas- há quem lhes chame turistas- provindos das estepes teutónicas, que, munidos de sticks que capturaram imagens nossas por meios mágicos nos querem levar à ruína. Com eles apareceram umas geringonças chamadas tuktuk, com que invadem as ruas da nossa aldeia, arengando nas suas línguas bárbaras, e como ouvimos falar na vossa poção mágica, como povo amigo, pedíamos o vosso precioso auxílio. O nosso chefe manda dizer que se conseguirem acabar com estes ataques piratas vos oferece férias a todos nas nossas aldeias, plenas de sol e areia, e onde podem provar as nossas queijadas, que são uma autêntica poção!


Assurancetourix, o bardo, que entrava na altura, apanhou o fim da conversa, e logo se ofereceu para ir:


-Costa da Lusitânia? Oh, aí poderei apresentar as minhas novas canções, e ganhar uma lira de ouro, quem sabe…


Astérix mandou-o calar e coçando a cabeça advertiu para as dificuldades:


-Sabes, quem decide é o nosso druida Panoramix. Se ele estiver afim…


Felizmente o druida estava, e ficou eufórico com a ideia, ali poderia recolher mágicas folhas de oliveira e experimentar uma poção que vira no congresso de druidas em Lutécia, algo chamado ramisco, a que atribuíam poderes curativos. Assim sendo, António acompanhado dos gauleses, e também de Assurancetourix, embarcaram com destino à Lusitânia, não sem que Obélix nas costas da Cantábria “saudasse” com uma sessão de ginástica piratas acabados de pilhar um drakkar de bacalhau.


Cynthia pareceu-lhes simpática. Vendedeiras de peixe apregoavam nas ruas, romanos entusiasmados dedicavam-se a um jogo de caça a uns tais Pókemons, máquinas infernais disparavam por todo o lado, como bruxaria de tudo capturando imagens. Empenhado, Panoramix pediu para o levarem ao chefe. No sopé da serra de Cynthia, numa tenda remendada, Rubio, o chefe luso, terminava umas pataniscas. Ao vê-lo, Obelix ficou horrorizado, nem uma perna de javali, que povo mais esquisito era aquele. O chefe ficou contente por os ver e depois de lhes oferecer uma iguaria, um doce com ovos a que chamavam travesseiro, pediu-lhes ajuda para debelar a invasão. Os ataques vinham sobretudo do Norte, onde hordas em low cost, depois de destruírem Esparta e o Peloponeso avançavam agora para a Lusitânia e em particular a costa de Cynthia. César lavava as mãos, ocupado com a valquíria Angela que o provocava a Norte, analisada a situação, Panoramix gizou um plano:


-Faremos assim, nobre Rubio. Amanhã pela manhã, todos os homens com menos de trinta anos farão fila na praça central, eu distribuirei a poção e nas duas horas seguintes todos os pombos correios, estafetas, legiões ou coortes de forasteiros serão eliminados. Ao meu sinal, a liberdade do vosso povo será reposta e podereis em paz voltar aos vossos pratos de bacalhau!


-Óptimo!-Excitado, Rubio mandou avisar os chefes locais, incrédulos, alguns não compareceram, insistindo antes nos poderes duma poção de Reguengos, o jovem Celso prometia trazer um balde, e queria ser o primeiro.


Era longa a fila, no dia seguinte. Obélix ainda tentou infiltrar-se, pondo um chapéu a imitar um pegador de toiros, mas Panoramix fez má cara, caíra no caldeirão em pequeno e não precisava de poção. Acometidos de uma força colossal, os pequenos lusitanos, empolgados, logo se dirigiram à praça por onde entravam as quadrigas e cavalos dos invasores, destruindo um tuktuk gigante que transportava suevos. Um monstro accionado por imagens mágicas, a que chamavam selfies,  ainda foi atiçado, mas, destemidos, os de Cynthia deram luta, ao fim do dia, em Roma,  César que lera os fígados das aves, enfim decretava apoio a Rubio que rejubilava, ufano, enquanto as ruas de Cynthia ficavam livres de quadrigas e dos forasteiros que se atulhavam de cerveja e hidromel. Era a vitória total, nem Mourinho, o bravo guerreiro da Ibéria, lograra chegar tão longe, uma vez mais a poção miraculosa ajudava os homens de Bem. Nessa noite, os de Cynthia ofereceram um festim com danças locais e regadas com um ramisco digno dos Deuses. Já vermelho, Panoramix pedia uma pipa, para levar para a aldeia, a um canto, pendurado duma árvore e amordaçado, Assurancetourix via negada a sua estreia ibérica. Não era o único, porém, a seu lado e guardado por guerreiros lusitanos, dois condutores de tuktuk capturados, pendiam igualmente amordaçados, impedidos de manobrar as tenebrosas máquinas.


Já os gauleses regressavam a casa, novo surto de estrangeiros retomava os ataques a Cynthia. Definitivamente, não havia poção mágica que resolvesse. Os deuses haviam decretado que Cynthia seria assolada, e contra o Olimpo, nem Toutátis, nem os edis, nem os poderosos gauleses podiam. Ainda hoje a praga subsiste, e não há Verão, nem solstício, nem saturnal, em que a invasão desordenada não atinja Cynthia, sob o silvo uivante dum Tritão para os lados da Roca. 

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