Hoje é o Dia
Internacional da Língua Portuguesa, ocasião para uma vez mais protestar contra
o Acordo Ortográfico. Camões e Castilho adoptaram a escrita fonética, Herculano
a etimológica, em 1911 uma reforma ortográfica, conhecida como Reforma de
Gonçalves Viana, aboliu muitas das duplas consoantes e privilegiou a pronúncia
em prejuízo da etimologia, como ocorreu durante a Idade Média. O Brasil ficou
de fora dessa reforma, e seguiu ortografia diferente, sendo que em 1940
Portugal adoptou um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e em 1943 o
Brasil um Formulário Ortográfico. Em 1990 foi adoptado um novo acordo
ortográfico, que privilegia o critério fonético em detrimento do etimológico, em
vigor no Brasil desde 2009 e ratificado pelos países de língua oficial
portuguesa em 2010. Em Portugal, adoptado gradualmente nos meios de comunicação
social, o acordo modifica 1,6% das palavras do português europeu e 0,5% das do
português do Brasil, entre 110.000 palavras estudadas.
Sendo o Acordo
Ortográfico uma convenção internacional depende antes de mais da sua entrada em
vigor na ordem jurídica internacional, o que ainda não ocorreu, por Moçambique
e Angola não o terem ratificado, recusando os efeitos do protocolo modificativo
de 2004 que prevê que entre em vigor desde que três países o ratifiquem.
Acresce que o próprio acordo exige que antes da sua entrada em vigor os Estados
signatários assegurem a elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa, o que não foi feito sequer.
É o uso e o senso comum
que faz uma língua, e mais importante que a ortografia é a dinâmica linguística
que faz, por exemplo, que sejam indiscriminadamente introduzidos muitos
anglicismos sem tradução adequada, decorrentes do mundo globalizado onde as
expressões económicas ou informáticas entram sem sequer se dar muita ênfase à
sua tradução, acentuando um novo-riquismo cultural e o peso das relações de
força dominantes (rating, bullying, carjacking, upload, delete, ipod, e muitas
outras). Por outro lado, foi alguma vez redutor para a expansão do inglês a
existência de um inglês britânico, americano, africano ou caribenho? Ou o
castelhano da Europa e o da América Latina?
A diferença enriquece,
e é património. Afirmar uma unidade fonética é falacioso pois um português,
angolano ou brasileiro pronunciará sempre a mesma palavra de forma diferente, e
não é por escrever diferenciado que um português não entenderá um livro de
Jorge Amado ou um brasileiro um de Lobo Antunes, as diferenças aí serão
culturais, ressaltando-se mesmo que por vezes a língua se torna difícil de
apreender não pela grafia mas dentro do seu grupo de falantes pelos
regionalismos ou pelas expressões caídas em desuso e produto de épocas
históricas. Aliás, se o critério era dar primazia ao fonético porque não caiu o
h em homem, húmido ou outras em que o h é mudo?
Por estes motivos,
enquanto não for legalmente imposto o uso da grafia revisionista inventada para
dar trabalho aos editores, continuarei a utilizar o português de Sebastião da
Gama, Agustina, Lobo Antunes e Cardoso Pires. Facciosamente.
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