quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A primeira árvore de Natal

Do meu livro "Histórias Com Sintra Dentro"


Os príncipes já estavam no salão, impecáveis nos fatos tiroleses que o tio Augusto oferecera para a recepção que a rainha daria nas Necessidades ao corpo diplomático, um presépio gigante, ladeado por serafins dourados adornava o salão do trono. Pedro terminara as aulas de geografia com o visconde de Carreira, e como sempre, quedava-se sorumbático e calado, seria rei um dia, e o visconde vigiava-lhe a postura. Intrigado, Lipipi, contemplava um barco numa garrafa, tentando descobrir como o teriam enfiado lá dentro. Pelas sete horas, com o salão profusamente iluminado e decorado com esculturas que Fernando comprara em Paris, começaram a chegar os embaixadores das nações amigas, ministros e convidados. O país estava pacificado, depois da convenção de Gramido, e a família real ocupava-se com a educação dos filhos, sete já, com o nascimento de Augusto, em Novembro.

À hora marcada, a rainha entrou na sala, com Fernando a seu lado, duas camaristas secundavam-nos. As várias gravidezes haviam-na tornado obesa, vinha enfiada num vestido roxo que não lhe favorecia as formas,   fardado de general dos exércitos, com o longo cabelo louro em desalinho, D. Fernando fazia suspirar as cortesãs. Era um pinga-amor, respeitador de Maria, porém, e zeloso da educação dos filhos. Nessa manhã estivera em Mafra, montando o Monarch, avisando no palácio que se preparassem, pois faria uma surpresa durante a recepção da noite. Tinham nascido poldros à égua da rainha, iria vê-los e passaria pela Pena, a inspeccionar as obras, carros de bois transportavam por esses dias blocos de pedra de Ançã para a ala sul, onde já se desenhavam os contornos do palácio.

Na sala, o príncipe Augusto, irmão de Fernando, de visita para o Natal e conhecer o novo sobrinho, a quem puseram o seu nome, conversava com o barão Eschwege, que dava pormenores sobre a construção da Pena, noutro canto, o visconde de Carreira comentava com a marquesa de Lavradio como a rainha ficara desgostosa com o óleo que Beaulieu pintara retratando os príncipes, achando-os pouco favorecidos.Após as boas vindas da rainha, Fernando, num português atrapalhado, pediu silêncio, e mandou que entrasse o coro de S. Vicente de Fora, que perfeitamente afinado, entoou canções em canto ambrosiano. No final, também D. Fernando fez questão de cantar uma melodia austríaca, Stille Nacht, Heilige Nacht, para tanto chamando ao piano Manuel Inocêncio, professor de música dos príncipes. O ambiente, de início formal e protocolar, estava agora desanuviado.De seguida, D. Fernando pediu a palavra:

-Majestade, Excelências, se não vos importais, passemos à biblioteca, tenho uma surpresa para todos vós!

Era a altura de desvendar o mistério da ida a Sintra de manhã. Aberta a sala contígua, até então fechada, um pinheiro gigante, profusamente engalanado, deslumbrava, repleto de velas e doces. Vários candelabros luminosos e uma crepitante lareira aqueciam o ambiente, irrompendo a sala numa salva de palmas, em sinal de admiração.

-Em Coburgo, conta-se a história de São Bonifácio, que certo dia salvou um príncipe que ia ser sacrificado num bosque pelos druidas. –explicou -Derrubada a árvore onde o príncipe ia ser imolado, nasceu no local um pinheiro, que para nós, simboliza a paz. É tradição desde então colocar em todas as casas uma árvore pelo Natal, como símbolo de fraternidade!

Extasiados, Lipipi e Pedro correram para a árvore luminosa, enquanto a rainha se deteve a apreciar as velas que Fernando, com o auxílio de Eschwege e dos criados, passara a tarde a colocar. Mas não ficavam por ali as surpresas. A um bater de palmas, um indivíduo com enormes barbas brancas entrou na sala, transportando um saco:

-Eis um Weihnachtsmann, o homem que no Natal premeia quem praticou boas acções, distribuindo prendas às crianças! -explicou, deitando um olhar misterioso na direcção dos filhos. Perante a alegria de Lipipi, futuro rei D. Luís, seguiu-se a distribuição de presentes que o homem das barbas ia tirando do saco e que Fernando entregava, um a um. Para Maria, um vestido, do atelier de madame Clochard, em Paris; para Pedro, livros com a anatomia de animais, oferta da rainha Vitória, que adorava os primos portugueses, um chapéu de almirante para Luís. Nenhum convidado foi esquecido, e todos foram presenteados com aguarelas de flores e pássaros, pintadas por Fernando em Sintra durante o Verão.

Naquela noite, serena e feliz, iluminava-se pela primeira vez uma árvore de Natal, sendo Fernando o weihnachstmann do Norte, invadindo as Necessidades naquele Natal português. Finda a memorável noite, a todos saudou, de coração cheio:

-Feliz Natal para todos, meus amigos!Frohliche weihnachten!

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