segunda-feira, 2 de setembro de 2013

3 de Setembro de 1968: A Festa Schlumberger




Pierre Schlumberger inspecionava as luminárias e archotes ultimando os pormenores para a festa na Quinta do Vinagre, enquanto os repórteres da Time e Paris Match iam chegando a Colares. Militares da GNR garantiriam a segurança dos mil e duzentos convidados servidos por um batalhão de criados impecavelmente vestidos. Dois dias depois, Anteñor Patino daria outra festa no Alcoitão, era o momento de brilhar e esmagar.

Pierre acabava de se retirar da presidência da Schlumberger Well Surveying Corporation, desde 1956 que o alsaciano assegurava a presidência da firma que seu pai lançara em 1927.Mais de trezentos milhões de dólares de receitas, era o fruto do império construído em quarenta anos, com mais tempo livre agora, era tempo de mostrar ao mundo o poder dos Schlumberger. Quatro anos antes desposara Sãozinha, uma portuguesa com sangue alemão, que estudara em Lisboa e o convencera a comprar a quinta de Colares.

A casa era uma mansão quinhentista, agora ricamente decorada. Sem olhar a despesas, mandou vir Picassos, tapeçarias, samovars e castiçais e durante meses decoradores trabalharam para construir um cenário feérico, aplicando três milhões de dólares nos mais de vinte quartos e jardins. No pátio da entrada, onde pontificava uma arejada varanda assente em colunatas, um tanque com dois leões heráldicos rematava um harmonioso conjunto. Antes da festa, alguns momentos a sós com Sãozinha, um anel de brilhantes premiaria o bom gosto da anfitriã, distribuindo charme pela várzea de Colares.

Nessa noite de 3 de Setembro toda a beautiful people do mundo confluía para Lisboa. Jactos, iates, bólides, todos os prendados com o cobiçado convite. Não estar na festa Schlumberger era ser irrelevante. Até ministros quiseram ir, Salazar opôs-se porém, havia que ter contenção e sobriedade, já iam as filhas do almirante Tomás. À hora aprazada, o glamour da Europa e América, o exotismo asiático, playboys e tycoons da finança, espalhavam elegância na estrada de Colares enquanto nas bermas voyeurs tentavam identificar as estrelas, apreciar os vestidos, as jóias e os decotes: o rei Umberto de Itália, Juscelino Kubitschek, os duques de Bedford, a princesa Ira von Furstenberg, Vincent Minnelli, Zsa Zsa Gabor, Audrey Hepburn, Françoise Sagan, Gina Lollobrigida, a Begum Aga Khan, todos os que contavam. Flûtes de champanhe e canapés de lagosta circulavam ao som de orquestras, qual conto de fadas. Á meia-noite, porém, os cocheiros não virariam ratos, ou as carruagens abóboras. A condessa Rotschild ostentava uma tiara que era cópia da de Grace do Mónaco, asseveravam alguns, Gina Lollobrigida, a mais decotada, desde o Estoril que vinha seguida por papparazzi. Audrey Hepburn recordou que nessa noite Henry Ford II celebrava o aniversário, e lá veio um regado happy birthday, dear Henry, enquanto Soraya da Pérsia, alertada para mais um sismo no seu país comentava com Curd Jurgens que não a incomodassem com trivialidades…

Os homens da GNR, entre o pasmo e o assombro, contemplavam aquele inusitado desfile de pavões, as luzes admiráveis, a fartura de comes e bebes que gentilmente os anfitriões puseram à disposição. O cabo Antunes, transferido de Mesão Frio, sentia-se o chefe da guarda em Buckingham, montando o perímetro entre Almoçageme e a Ribeira, onde só os convidados passavam. Ainda provou um canapé chamado cabiar mas aquelas bolinhas pretas sem sabor não convenciam, antes uma posta mirandesa com tinto do Dão, que aquela comida fina. Sãozinha obsequiava, esmagadora. O deslumbrante vestido enfiaria o da Duquesa de Argyll num sapato, passeando classe pelos jardins da Quinta do Vinagre.

Como era exótico Portugal em 1968.Num país onde as notícias mais frequentes eram as da partida de soldados para o Ultramar e os festivais da canção onde o jet set doméstico desfilava anualmente, em apenas dois dias decorriam duas grandes festas, separadas apenas por vestidos, penteados, diadema e charutos.
Por cá, uma era chegava ao fim. A 6 de Setembro à noite, um carro acelerado saía do Palácio de São Bento, Salazar, com o seu médico, Eduardo Coelho, ao lado e Silva Pais director da PIDE à frente, seguia com urgência para o Hospital de São José. Os médicos não se entendiam quanto ao diagnóstico, mas concordavam que era preciso operar, o que aconteceu no dia seguinte. Uma cadeira que não estivera na festa milionária, havia feito das suas…      
   
     

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