terça-feira, 27 de agosto de 2013

As chagas de Sintra



Sintra é um microcosmos onde o natural muito se interpenetra com o humanizado, decorrente de, morfologicamente, a serra ser o que hoje é muito graças à intervenção humana e florestação exótica a partir de D.Fernando II, isto para o bem, mas também por ser o jardim às portas da Grande Urbe que já lhe ameaça as fronteiras naturais e a invade com as  avassaladoras hordas de turistas e excursionistas, que pouco ou nada deixam dormitar as pedras seculares ou as armérias e camélias com que um dia a quiseram presentear.

E temos assim uma Sintra do desleixo, da ruína desmazelada promovida a vestígio sagrado, onde se mexe estraga se não mexe morre; a Sintra do excursionismo de fim de semana, do turista do circuito Vila-Piriquita-Regaleira-Comboio; a Sintra do plano de urbanização mais antigo de Portugal e ao mesmo tempo da incapacidade de planear o que quer que seja para levar ao terreno; a Sintra onde muitos mandam, poucos executam e nenhum respeita; a Sintra onde o que cheire a ouvir as pessoas cheira a heresia, onde se olha o património como o faqueiro precioso que se compra no dia do casamento, mas que quase nunca vai à mesa ao longo dos anos, com medo de estragar; a Sintra dos proprietários urbanos que, donos de vasto património o deixam ruir esperando mais valias urbanísticas, mas que apesar disso, são agraciados com comendas pela sua benemerência e filantropia (vamos a ver agora com os aumentos do IMI...); a Sintra do comércio ora débil ora elitista, da restauração ora precária ora do bolso cheio, da hotelaria do hostel barato ou da byroniana suite, mas onde o meio termo dificilmente tem lugar.

Tudo isto é muito antigo, nada novo, velhos problemas e também velhas críticas à incapacidade de resolver, o que é muito nosso aliás.

Hoje, uma pequena viagem pela Sintra que fenece, culpa de todos e que por isso talvez a não mereçam. Alguns exemplos soltos, dos muitos que por aí pululam:


Hotel Neto. Uma chaga já antiga. Antigo poiso de Ferreira de Castro no seu veraneio por Sintra, é o contraponto do inenarrável Hotel Tivoli, homenagem de Sintra a essa nobre espécie chamada patos bravos. Parece que foi ou vai ser adquirido pela Parques de Sintra-Monte da Lua. A ver.

Hospital da Misericórdia .Recuperado, fechado,não é já tempo demais? (Foto Blogue Rio das Maçãs)
 
Quinta do Relógio. D.Carlos passou aqui a lua de mel,a ver vamos que outras festas aqui poderão ocorrer.A Câmara parece que ia comprar.Mas assim é que não.


Obras na Junta de Freguesia de S.Maria e S.Miguel. Mais um mamarracho. A velha junta entaipada, a nova,(o “caixote”) parada há anos por  se escolherem uns empreiteiros sem capacidade. Um dia algo acontecerá, quando a força para mudar for relevante e os autarcas perseverantes.(Foto Blogue Sintra em Ruínas)
 



Casal de S. Domingos, R. Alfredo Costa. Já foi espaço expositivo, mas a cultura segue dentro de momentos. Mais um espaço que podia estar ao serviço da comunidade mediante protocolo com agentes culturais ou artistas.(Foto Blogue Sintra em Ruínas)





Cúpula do Café Paris, na Vila. O que aconteceu à cúpula em ruínas desse edifício, que desapareceu misteriosamente? (Foto Blogue Rio das Maçãs)


A forma como o mobiliário urbano é arrumado de forma “discreta” ou enquadrado na paisagem, surgindo casos em que muitas vezes é ele em si quase a peça mais dominante do espaço envolvente, como  muitos dos  recipientes de lixo, dominantes na paisagem ou erradamente colocados, o atestam.


Outros aspectos a ter em atenção, tendo em conta a existência de um Elucidário Arquitectónico aprovado, são os letreiros, a adequar à imagem de conjunto e não dissonantes, como o da imagem abaixo; e a necessidade de aos poucos ir retirando as “espinhas de carapau” das antenas antigas.


E outros exemplos, mais na zona de S.Pedro de Penaferrim: a Gandarinha, esventrada, a Quinta D.Diniz, que ao lado da realeza, dos Marialvas e outros fidalgos, parece o solar do Cavaleiro sem Cabeça. Alguém com cabeça para viabilizar isto? Já lá se realizaram actividades culturais muito interessantes nos anos 90.Quando o interesse público for mais forte que o direito de herdeiros, o Estado de Direito vencerá o imoral direito a estar neste estado…E a Quinta de Santa Teresa? Nem hotel, nem solar, nem habitação. Assim é que está bem, talvez à espera que os Dois irmãos do túmulo à porta ali dancem à noite uma valsa walpurgiana entre fluidos inspirados em De Groer. E muito mais. Apontar não é escarnecer, é lembrar para que não saia das preocupações.Só assim seremos dignos de Sintra Património da Humanidade, maravilha natural onde estas coisas não podem nem devem ser naturais. Tarefa para os novos autarcas deitarem a mão, sem direito a adiamento.



Deixa sobre as ruínas crescer heras,

Deixa-as beijar as pedras e florir!

Que a vida é um contínuo destruir

De palácios do Reino das Quimeras!

Florbela Espanca   

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