sexta-feira, 28 de março de 2014

Na partida do Pedro


Partiste numa noite fria e invernosa. Ingrata, a morte cobrou-te o prazo de validade, curto em anos mas longo e intenso em vivências, muitas delas cúmplices e fraternas.

Foram quase quarenta anos de convívio nos muros do café do Alcino, serões na conversa, deslizando pela Vida com a fragilidade que ela comporta mas sempre com uma tirada irónica, um gracejo provocador ou uma teima sobre um nome ou um filme, pretexto para mais uma feliz e despretensiosa rodada. O cemitério de elefantes, como muitas vezes designavas o espaço e tempo onde foste o Grande Elefante, o guru da manada, pelas noites claras desvendando a encruzilhada das coisas e as memórias de passados a sépia, onde todos nos reencontrávamos e assim celebrávamos a Vida. Foste dos primeiros de nós a partir, capturado por uma dessas armadilhas infames que ainda têm a cura a longa distância. Mas não partiste, não te daremos essa folga de desaparecer na noite do esquecimento. Lá estarás nas nossas conversas e memórias até que a nós chamem para a Grande Viagem, com o teu kispo preto e uma inseparável imperial na mão. Lá estarão os sons da tua música, nostálgica de passados fraternos e futuros que não chegaram. Lá estará o trocadilho mordaz, a ironia inteligente, o desprendimento de quem viveu a Vida como quis, e esse é um cognome que te assenta na perfeição. Pedro, aquele que moldou a Vida e não deixou que a Vida o moldasse a ele.

A aparente tragédia da morte que nos está destinada desde que nascemos, faz da vida não uma mera existência mas um destino para onde  somos conduzidos por uma mão invisível e trágica. Contigo não foi bem assim: tiveram que contar contigo e a tua teimosia. Só no fim levaram a melhor, pensam eles. Mas só no castigo ao corpo, que no resto triunfaste tu, com a elegância de quem soube estar, e a irreverência de estar nas condições que tu impuseste, avesso a rotinas, lugares comuns e trivialidades. A verdadeira grandeza consiste em sermos senhores de nós mesmos e tu, Pedro, verdadeiramente, foste-o.

Até já, Grande Elefante, estará sempre uma fresquinha para ti no congelador para quando quiseres aparecer. Escondes-te mas não partes, ficas em silêncio mas a tua voz rodeia-nos, interrompe-se um capítulo mas a história continuará a ser escrita. Uma salva de palmas para ti.

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