Holmes descansava à sombra duma sequóia enquanto Francis Cook
providenciava o almoço com os criados, convidara o famoso detective para uns
dias em Monserrate e não queria que nada faltasse. Watson viajara para
Brighton, a banhos, e Londres ficara deserta, uns tempos longe de Baker Street
e Charing Cross vinham mesmo a calhar. Recarregado o cachimbo, aproveitou para
exercitar o violino, absorvendo a fragrância daquele jardim inóspito,
domesticado por Cook em pujantes feteiras adornadas com túmulos etruscos. Cook,
que conhecera em Doughty House, agora visconde de Monserrate, chegava
entretanto com um visitante inesperado, um inspector da polícia portuguesa que
lhe queria falar.
-Holmes, aqui o inspector Carvalho, da polícia local,
gostaria de lhe dar uma palavra.
Sobranceiro, Sherlock cumprimentou-o, dando uma baforada no
cachimbo, sem largar o violino.
-Sr. Sherlock Holmes? Sua Majestade,o rei D. Fernando
gostaria de lhe falar. Poderia acompanhar-me ao Palácio?
Holmes anuiu, sempre quisera conhecer o rei-artista, o almoço
ficaria para depois. D. Fernando estava no chalé da Pena, a condessa d’Edla
fora a Lisboa nesse dia e recebeu-o na sala da música. Afável, mas preocupado,
acompanhado pelo conde de Sucena e pelo marquês de Soveral, explicou os motivos
por que o havia chamado:
-Bem vindo a Portugal, senhor Holmes. Desculpe interromper as
suas férias, mas aconteceu uma terrível tragédia que creio só uma pessoa da sua
craveira poderá esclarecer! –foi explicando, oferecendo um chá, que Holmes
aceitou -Um grande amigo meu, o marquês de Niza, morreu ontem na sua casa, aqui
em Sintra. Suicídio, diz a polícia, mas acho muito estranho, nada fazia prever
uma situação destas. Bem estranhei quando à noite não compareceu ao baile na
Pena, em honra do embaixador da Prússia.O seu contributo pode ser importante
para deslindar o caso, assim aceite. Aqui o inspector Carvalho estará à sua
disposição para os procedimentos que entenda necessários.
Magro e aquilino, de olhos penetrantes, Holmes era além de
mestre da dedução, cirurgião de caracteres, a razão do seu sucesso a deslindar
casos intrincados. Anuiu, fleumático, e de imediato pediu para visitar o local
onde ocorrera o suicídio, saindo para lá sem delongas, antes que as pistas
fossem apagadas:
-Será uma honra, Majestade. A maioria das pessoas vêem, eu
observo. Aí reside o mérito da investigação!
A casa do marquês não ficava longe, um chalé na estrada da
Pena, a viúva, ainda transtornada, recebeu o detective, a pedido do rei. Holmes
examinou a casa, elegantemente decorada, a marquesa era uns anos mais nova que
o finado marido, segundo foi adiantando o inspector Carvalho.Apresentada por
este e ainda combalida, Sherlock passou a interrogar:
-Senhora marquesa, que motivos teria o seu marido para pôr
termo à vida? -foi perguntando, recusada que foi uma chávena de chá.
-Ignoro, senhor Holmes, mas sei que alguém o terá procurado
esta semana, lançando intrigas sobre mim e a minha lealdade como esposa, andava
um pouco estranho há alguns dias.
-Importa-se que visite o local onde o senhor marquês pôs
termo à vida?
-Claro. O inspector Carvalho já lá esteve, acompanhe-me, por
favor!
Na biblioteca, com vista para a Vila, uma mancha de sangue no
tapete denunciava o local onde caíra, com um tiro na nuca. O corpo, já
amortalhado, estava no quarto superior, a polícia ainda não autorizara o
funeral. Holmes pediu para ver o cadáver, a cabeça, desfigurada, estava
enrolada num pano branco, o tiro fora na testa, central. O ângulo da arma
deixou Holmes desconfiado, examinando com uma lupa. Pediu para falar com a
pessoa que limpara a biblioteca após o acidente, a velha Gracinda foi chamada a
explicar:
-Minha senhora, o que lhe vou perguntar é muito importante.
Viu na sala alguma coisa anormal, um móvel fora do sítio, uma mancha….
-Ainda não estou em mim, caro senhor, que tragédia! -a velha
empregada, que descobrira o corpo do marquês, interrompia, ainda em choque -
Não, estava tudo como de costume, ontem de manhã o senhor marquês estava em
casa, sozinho, na biblioteca. Quando regressei da vila vim ver se precisava de
alguma coisa, e ali estava ele, no chão, com a pistola ao lado. Reparei,
contudo, que tinha um botão vermelho na mão direita.
-Um botão? E pertencia a alguma roupa do marquês?
-Não, que eu saiba, e não sei a quem pertence.
Holmes, raciocinando, perguntou onde poderia encontrar um
alfaiate, havia um nas Escadinhas do Bramante, na Vila, o velho Queiroga,
também o rei a ele recorria por vezes. Holmes e o inspector foram ao seu
encontro:
-Sr.Queiroga, aqui este senhor inglês precisa de saber que
tipo de botão é este- esclareceu o inspector, mostrando o botão, vermelho e
debruado com cetim dourado.
-É um belo botão, sim senhor, ainda há uma semana fiz uma
casaca com botões desses, vermelha, foi uma encomenda do sr. Conde de Sucena
para o baile na Pena, que teve lugar ontem à noite!
Holmes, taciturno, pediu para se retirar, tinha voltas a dar.
No dia seguinte, apresentou-se em casa do Conde de Sucena, em Seteais. O conde,
ainda em roupão, estranhou a visita do inglês, mas mandou entrar.
-Senhor conde, creio bem ter descoberto o que sucedeu ao
marquês de Niza. Parece que alguém o andou a intrigar contra a marquesa, para o
perder junto do rei, ameaçando mesmo com escândalo nos jornais. Ora essa pessoa
devia ser uma pessoa conhecida, pois só assim teria tido a possibilidade de
estar a sós em casa do marquês. Creio que essa pessoa terá entrado em confronto
físico com ele, acabando por o matar, numa altura em que não estava ninguém em
casa. Só que na luta corpo a corpo, o marquês de Niza terá arrancado um botão
da casaca do agressor, que depois de disparar deixou a arma junto dele, a
sugerir um suicídio.
-Muito interessante sr. Holmes, vejo que são verdadeiros os
créditos que lhe dão como investigador, Sua Majestade há-de ficar satisfeito.
-Reconhece este botão sr. Conde? -ripostou o detective,
exibindo o botão dourado que guardava na mão direita.
-Não, porquê, deveria reconhecer?
-É que este botão é de um casaco seu, e estava na mão do
marquês, na altura em que encontraram o corpo.
Mudando a expressão, o marquês colocou um ar carrancudo e
reagiu às palavras de Holmes:
-Ridículo, caro senhor, receio ter de retirar o elogio que
lhe acabei de fazer, isso é um ultraje! Os botões são todos iguais!
Holmes pegou num papel que trazia na casaca, e mostrou-o ao
conde:
-Esta imagem foi tirada aos convidados de Sua Majestade
durante o baile na Pena, ontem à noite. Repare na sua casaca. Falta um botão no
meio, não falta? Igual a este! - Depois de deixar o alfaiate, Holmes fora ver
se havia registos do baile, o Granja, fotógrafo da Corte, tinha feito umas
chapas para o Correio de Cintra.
O conde ia reagir, alterado, quando duma sala contígua surgiu
D. Fernando, em pessoa, acompanhado do inspector Carvalho. Sucena empalideceu,
vendo-se denunciado:
-Porquê Sucena? –desabafou desiludido, ouvira tudo, a corte
estava cheia de bajuladores e intriguistas, mas a ponto de matar…
O inspector deu voz de prisão ao conde e mandou chamar um
corpo de polícia, que o levou para o presídio. O rei deteve-se ainda a falar
com Sherlock:
-Obrigado pelo seu contributo, senhor Holmes, espero que
agora continue as suas férias em Monserrate, o Francis é um esplêndido
anfitrião. E venha jantar comigo e com Elise na próxima semana, será um prazer.
Tocando violino e retomando as baforadas no cachimbo, Holmes
retornou ao sossego de Monserrate, onde o visconde organizou entretanto um
jantar de amigos para o conhecerem, o diplomata e escritor Eça de Queirós
esteve presente. Perito em palhetos e com grande sentido de humor, Holmes
gostou dele, também já uma vez desvendara um mistério, na estrada de
Sintra.Servindo um Porto no terraço, Cook voltou ao crime da Pena:
-Diga-me Sherlock, como é que descobriu tudo tão rápido? Você
é um génio, homem!
Sem se perturbar, o inglês, erguendo um cálice de Porto, fez
um brinde, cerimonioso:
-Elementar, meu caro Cook!