O uso da liberdade e os seus limites éticos e substanciais
têm vindo por estes dias a ser postos à prova numa série de casos que nos devem
fazer reflectir, quer para um lado quer para outro.
O caso das cantoras russas, por exemplo. As Pussy Riot, umas meninas excêntricas e
pouco avisadas, decidiram cantar contra o presidente russo dentro duma igreja
ortodoxa, lançando sobre si a raiva de autoridades civis e religiosas na
Rússia. Exemplo de falta de democracia, ou pouco consolidada, mas não sabiam
elas as leis que regem a Santa Mãe Rússia que pouco dada é a tais matriochkas punk? Pesadas ou não, as
leis não foram feitas para este caso de propósito, e por muito menos nos Estados
Unidos cidadãos são condenados por alegados crimes federais que a Europa das
Luzes civilizadamente repudiaria
O caso Julien Assange, por outro lado. Este viola
legislação sobre segredo de estado, revela documentos confidenciais obtidos
ilicitamente, molesta sexualmente duas cidadãs suecas, país
insuspeito de violações aos direitos e garantias dos cidadãos, refugia-se numa
missão diplomática e quer vender a imagem de mártir dos tempos modernos, assessorado pelo ex-juiz sequioso de protagonismo Baltazar Garzón? E é o Equador, país
governado por um populista seguidor de Chavéz e sem lições a dar em termos de
liberdades que surge agora como bandeira dos direitos humanos, contra
as perigosíssimas ditaduras inglesa e sueca?
A teleologia das normas é sempre colorida pelo clima político
e social dos países que as fazem e aplicam, e quer num caso quer noutro,
poder-se-á discordar das leis, ou sua aplicação, mas ao que se sabe, nenhum dos
ordenamentos visados por quem contesta as decisões é condenado nas instâncias
internacionais, ainda que alguns, como o russo, tenham uma visão musculada do exercício do poder desde o tempo dos czares.
Tudo para dizer que aqui como em muitas situações não há preto nem branco, mas um vasto e
tortuoso cinzento, e, céptico relativista como Spinoza, concluir que “interessam os factos humanos não para os aplaudir ou deplorar, mas
sobretudo para os compreender”.Ou, de forma um quanto mais cínica, concluir
como Erich Maria Remarque:”A razão foi
dada ao homem para o obrigar a reconhecer que ela não serve para nada”.
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