Passam hoje 866 anos do dia em que D. Afonso Henriques deu foral a Sintra. Para quem o desconhece, aqui vai o texto, em português do século XX:
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amen. Aprouve-me, a mim Afonso, Rei dos Portugueses, filho do Conde Henrique e da Rainha Teresa e neto do Rei Afonso o Grande, e à minha mulher, Rainha Mafalda, filha do Conde Amadeu, dar-vos, a vós que habitais em Sintra, da classe superior ou da inferior e de qualquer ordem que sejais, e a vossos filhos e descendentes, carta irrevogável, de direito, estabilidade e serviço.
Em primeiro lugar, damo-vos trinta casais com suas fazendas em Lisboa, a vós trinta povoadores que ao presente povoais aquele castelo, a fim de que os tenhais, tanto vós como vossos filhos, por direito hereditário, e por eles não pagareis qualquer tributo em Lisboa, mas apenas no vosso castelo. E se vos aprouver pôr trabalhadores nesses casais, não pagarão eles tributo algum a não ser a vós donos dos casais; e se tiverdes ou comprardes alguma herdade em qualquer terra do rei, tê-la-eis pelo foro de Sintra.
Nunca nos dareis parte em qualquer seara.
Por homicídio, violação de mulher e esterco posto na boca, pague o que tais crimes cometer 10 morabitinos, metade para o rei, metade para o queixoso.
Mas se cometer homicídio em ocasião que homens bons o vejam, / ou pague o que lhe seria imosto por crime de violação ou / pague exclusivamente o que for arbitrado pelos homens bons.
Quem assaltar a casa alheia pague 60 soldos, metade para o rei e metade para o queixoso.
Se o salteador, porém, se apresentar com dois ou mais vizinhos que fiquem por ele (comitantibus), mas nunca menos, os que a administrem a vila (illi qui castellum judicaverint) não terão parte em qualquer multa.
Quem ferir outra pessoa com lança, espada ou faca, pague cinco morabitinos, metade para o rei e metade para o queixoso.
Quem se servir de armas sem razão dentro da vila, perda-as; mas se a questão for admitida sob fiança, não se julgue o pleito pelo foro de Sintra no que respeita ao elmo e à loriga, mas apenas quanto ao escudo e à clava.
E não entre cá homem de outra terra: tal o recado que mande, tal lho mandem a ele, igual por igual; e seja a sua caução ou fiança de 1 soldo, se houver junta ou destrinça; mas só se realizará prova testemunhal ou se remeterá a questão a juízo por valor superior a 1 morabitino e abaixo de 1 morabitino nada se faça.
Quanto às demais agressões, feitas à mão, a pontapé, à pedrada e à paulada e ainda em outras queixas apresentadas, não se pague qualquer multa além das acima referidas.
Os agricultores peões que lavrarem com um só boi paguem um sexto de trigo e de cevada, e se lavrarem com dois ou mais entreguem um quarto, entre trigo e cevada, por alqueire do mercado.
E paguem um puçal de vinho a tirar de cinco quinais; e por qualquer outro trabalho (labore) nada paguem.
Quem lavrar com bois, não pague tributo por qualquer outro ganho que ganhar.
O caçador que apanhar cervo ou cerva, ou caça no género, com laçou ou armadilha, entregue meio lombo; se for porco, uma costa. O batedor de coelhos entregue uma vez por ano, três coelhos com suas peles. O colhedor de mel selvagem entregue, uma vez por ano, meio alqueire do que tiver colhido.
Paguem por ano: o sapateiro 1 soldo, o ferreiro ferre um cavalo, o mercador e o peleiro 1 soldo cada.
Aquele que viver amantizado com mulher séria, segundo verificação e julgamento dos homens bons, pague 1 morabitino.
Quando o homem maninho morra sem filhos, devem [os do concelho] entregar os seus haveres aos seus parentes e para bem da sua alma.
Se, porém, alguém for condenado por furto, o dono dos bens recebê-los-á a dobrar, sendo a sétima parte para o príncipe régio.
Quando morra qualquer homem ou mulher, nada pague a sua família e recebam todos os seus bens os seus parentes.
Quem quer que viva no concelho [Sintra] há mais de um ano poderá vender os seus bens de herdade a qualquer vizinho.
Quem não tiver bois e lavrar na sua herdade com bois alheios de outro lugar pague foro somente ao seu vizinho.
O mercador de Sintra não pagará portagem em toda a terra do rei, quer vá vender quer comprar.
Se alguém levar mandado do concelho ou for apresentar queixa ao rei seja alimentado no paço real.
Os cavaleiros devem combater uma vez por ano no exército do rei, para terem o seu estipêndio; mas o rei nada receberá deles. Se não quiserem ou não puderem sair em fossado, nada paguem. No apelido contra cristãos, saiam por maneira que possam regressar a casa no mesmo dia; porém, contra pagãos, farão tudo quanto puderem.
Quando alguém puder ter servidores, no castelo ou fora das muralhas, em herdade sua e habitando em sua casa, o tributo só lhe será pago a ele, dono da herdade.
Quando um cavaleiro morra deixando mulher, fique ela na condição de cavaleiro, enquanto se mantiver viúva.
Se o cavaleiro perder o seu cavalo, continue na sua classe durante cinco anos; depois, se não quiser ou não puder ter cavalo, passe à classe de peão.
Entretanto, se algum dos peões puder adquirir cavalo passe à classe de cavaleiro.
Os filhos de cavaleiro ou peão, enquanto se mantiverem na herdade do pai, morto ou vivo, sejam solidários: um por todos no cumprimento das obrigações comuns.
Se alguém tiver contenda com habitantes de outros lugares e, tendo pedido justiça ao tribunal, se apoderar de qualquer penhor sem o ter requerido, restitua o penhor a dobrar, embora depois venha a ser condenado.
Se qualquer indivíduo tiver lide (intencionem) com homens de fora, ou acordar julgamento com eles, verifique-se este junto às águas correntes do seu castelo, sendo os juízes que julgarem a contenda (intencionem) metade de uma parte e metade de outra.
Se alguém não comparecer no tribunal para responder à acusação que lhe façam, o saião irá penhorá-lo e tomar conta do penhor, mas nunca deverá selar-lhe a casa.
Se o juiz ou o saião for espancado ou ferido em questão pessoal e não em serviço do príncipe, a multa, nesse caso, será igual à de qualquer outro. Se o juiz for ferido em serviço do príncipe, reverterão dois soldos para o saião e um soldo para o rei.
O juiz e o saião serão escolhidos de entre os naturais, entrando e saindo por mão do conselho; e nunca vos será imposto juiz nem saião de outra terra.
O juiz receberá a décima parte do príncipe em toda e qualquer multa e o saião receberá a décima parte do juiz.
Quem ferir ou espancar outra pessoa receberá dez varadas e porá a mão por terra; e a seguir dará satisfação judicial àquele que agrediu, segundo o seu foro.
Os cavaleiro que avistem inimigos do rei, pagãos ou cristãos, dispostos a fazer mal, devem ir com mandato a Lisboa, mas não mais longe; e por outro motivo nem peões nem cavaleiros executem mandato.
Os militares ou peões que saírem para terra alheia serão coutados, e ninguém lhes lance mão para lhes fazer mal, seja qual for a causa; e quem os prender ou derrubar do cavalo pagará cem soldos e depois indemnizá-los-á com o dobro do que eles pedirem na demanda. E se os prejudicar nos seus haveres, indemnizá-los-á com o dobro, como nas demais causas.
Aquele que brigar com armas (homo firidore) e, tendo ido a tribunal não se emendar ao fim de três vezes, e bem assim o libertino (cusculator) que não se queira emendar segundo o foro de Sintra, terão as casas derribadas.
No foro de Sintra haverá seis juízes no julgamento do homicídio; em qualquer outro julgamento bastarão três homens; e nunca haverá mais do que no julgamento de homicídio.
Os cavaleiros de Sintra devem testemunhar no castelo como quaisquer cavaleiros do território do rei, do mesmo modo os peões (pedites similiter).
Os cavaleiros de Sintra que prestarem bom serviço ao seu alcaide receberão dele uma boa dádiva uma vez por ano.
O homem que quiser receber mulher com autorização de seus parentes (per mandatum de suos parentes) dê-lhe como dote seu uma saia, um par de sapatos, uma cinta, e ainda 50 soldos como garantia de futura bênção. Mas se depois se arrepender, perca tudo quanto deu, incluindo a garantia paga. E se a mulher, por si ou por seus parentes, se arrepender ou recusar, restitua tudo quanto recebeu, e depois a garantia em dinheiro.
O homicida e o foragido que se refugiarem no concelho serão admitidos, e do mesmo modo o servo, salvo se for do rei.
Os clérigos terão condição de cavaleiros. O clérigo será natural [morador arreigado] e, pelo foro de Sintra, nunca perderá a sua igreja; tê-la-á por direito hereditário e só a perderá por delitos que o obriguem a depor as ordens, mas nunca pelo poder de qualquer pessoa, nem do rei nem do bispo.
E nós, moradores do sobredito castelo, por este bom foro que o nosso rei e sua mulher nos concederam, prometemos-lhes fiel obediência para sempre, e contra os seus inimigos empenharemos as nossas pessoas e bens.
E se vier tempo em que o rei se decida a povoar os referidos arrabaldes, aqueles que então morarem no castelo receberão cada um seu casal com suas herdades.
Os clérigos de Sintra devem servir o seu bispo e terão alimento em casa dele. E o bispo dar-lhes-á uma boa dádiva uma vez por ano.
Era Mª Cª LX’ª II [nota: Segundo Alexandre Herculano, o X aspado (X’) significava XXXX. Equivalendo a Era Hispânica a menos trinta e oito anos, temos então que 1192 é aos olhos de hoje, 1154 d.C].
Eu, Afonso, por graça de Deus rei portugalense, junto com minha mulher rainha Mafalda. Corroboro + e confirmo + esta carta. E se alguém, inclusive nós próprios, quiser desfazer este contrato, indemnize (pariat) com 500 áureos e com Satanás seja excomungado.
Sejam, pois, os limites desse território (ejus terre), para lavrar e plantar: desde Almosquer, pela vertente vai pelos outeiros, servindo de limite o caminho público que passa em Cabriz até ao monte e que dessa vertente vai pelos outeiros até ao limite de Cheleiros de onde segue até ao rio em Galamares. E se mais crescerem os habitantes (gentes), cresçam para eles os herdamentos, conforme aprouver ao rei.
Testemunhas: dapífero da cúria Fernandes Captivus, Pelagius Zapata, Gunsalvus de Saussa, Petrus Fernandiz, Dominicus Valascus, Gunsalvus Rodriguiz, Menendus Moniz, Laurencius Venegas, Sancius Moniz Egeas, arcediago da Igreja de Lisboa. – Confirmo este contrato: signífero Petrus Pelagii. Príncipe de Lisboa, Alfonsus Menendi, confirmo. Príncipe de Coimbra, Ropdrigus Pelagii, príncipe de Santarém, Johannes Ramiriz, confirmo. Mestre Alberto, notário do rei, escreveu. – Seguem-se os sinais de Alfonsus, rei portugalense, rainha Mafalda e mestre Alberto.