sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Joacine, a sionista?


A deputada do LIVRE( hoje cada vez mais livre...),suposta lutadora contra o racismo e o colonialismo, acaba, paradoxalmente, por vir dar um contributo à disseminação de outros racismos mais dissimulados, como o sionismo, claramente assumido pelo Estado de Israel desde a sua fundação. Depois da abstenção no voto contra Israel a propósito dos ataques a Gaza, e de a sua primeira iniciativa parlamentar ser a proposta de transladação de Aristides Sousa Mendes para o Panteão (justíssima, mas, tendo o mesmo sido um generoso salvador sobretudo de judeus perseguidos), vem agora o elogio do embaixador de Israel em Lisboa, num texto entre o irónico, e uma arrogante intromissão nos assuntos internos nacionais, e pouco consentânea com o papel de um diplomata (ver PÚBLICO de hoje).

Decisivamente, Joacine a antiracista, é de raça! Não há contentor grande o suficiente, nem saias coloridas do Rafael para desviar as atenções e depositar tantos cacos...

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

25 de Novembro


O 25 de Novembro foi mais um evento na disruptiva história do PREC que a 25 de Abril de 1974 devolveu a liberdade ao povo português, desencadeando uma série de fenómenos enquadrados por falta de vivência democrática durante 48 anos e por Portugal, num quadro de Guerra Fria, se ter tornado palco para experimentalismos ideológicos, mais ou menos utópicos, que hoje, pousada a poeira, se viu terem sido explosivos, e poderiam ter feito resvalar o processo democrático ainda em fase de consolidação.
Para quem viveu o período, porém, a triunfarem os intuitos de ambas as partes político-militares em confronto, tanto poderíamos ter-nos tornado num regime populista de esquerda, caudilhista e terceiro-mundista, como um regime onde a esquerda teria sido eliminada, com retorno a situações de 24 de Abril. Prevaleceu o bom senso de Melo Antunes, de Costa Gomes, de Mário Soares, e também, não é de mais realçá-lo, de Ramalho Eanes, Otelo e Álvaro Cunhal, que, sabendo ler a conjuntura, puseram freio aos militares mais impulsivos, evitando o triunfo uma extrema direita vingativa.
Sem o bom senso de todos, o regime iniciado em 25 de Abril poderia ter soçobrado ali, espicaçado que foi pela maioria silenciosa spinolista em 28 de Setembro de 1974 e pelos raids aéreos contra o RALIS em 11 de Março de 1975. Contudo, em paz e pluralismo conseguimos chegar a 2 de Abril de 1976 e à promulgação duma Constituição democrática, a eleições legislativas e presidenciais livres e à normalização democrática. 
O 25 de Novembro foi o analgésico duma catarse de dezoito meses de explosão descontrolada, mas não resultou, felizmente, no resultado que alguns militares pretendiam, e que passava por eliminação dos partidos de esquerda e imposição duma visão segmentada do país e do regime.
Lembro bem esses dias, das manifestações dos SUV e do sequestro de Pinheiro de Azevedo e da Constituinte, do recolher obrigatório em Lisboa e da cisão politico–militar entre moderados e radicais. Mais que uma fação, triunfou a razão e o bom senso, e acima de tudo a democracia, que não sendo um sistema perfeito, é pelo menos o menos mau de todos.
Quem hoje escava num passado que não viveu, erguendo supostas bandeiras, sabe que o 25 de Novembro serviu para reiterar o 25 de Abril, e não para o enterrar ou desvirtuar. E a História é o que é, por muitas voltas que se pretenda dar para a maquilhar ou deturpar.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Todo o Tempo é composto de mudança



Estou triste. Partiu José Mário Branco, e com ele um pouco de mim também parte, como inexorável e cruelmente vão partindo muitos daqueles que anunciaram a madrugada redentora de Abril, e hoje ainda nos incentivavam relembrando só ser derrotado quem desiste de lutar. Esta notícia remeteu-me para esse tempo hoje a sépia de felicidade e de orgasmo colectivo duma geração que sonhou, e lutou.
Escutando-o, agora, recordo emocionado aquela  longínqua quinta-feira de Abril em que não houve aulas, e o "ponto" de Física foi adiado por causa duns militares estacionados no Terreiro do Paço. O meu avô telefonou a aconselhar que não saíssemos de casa, chuviscava, em dia cinzento, a televisão, silenciada, passou um episódio do Daktari. Contente por não haver “ponto”, aproveitei e fui ao barbeiro, onde corriam boatos sobre o sucedido, um golpe de Estado, asseverava o Taborda. Aos catorze anos, ignorava o que fosse tal, mas um dia sem aulas era motivo de festa.
No dia seguinte, achei a escola agitada. Acossado, o porteiro do D. Pedro V fora preso, informador duma tal PIDE, anormalmente, o Miguel, neto do Marcelo Caetano, não apareceu, o avô viajara para a Madeira na véspera. No sábado seguinte, depois duma avalanche de acontecimentos, e debaixo de chuva miudinha, subi ao Carmo, onde soldados com cravos nas armas e pendurados em blindados tiravam fotos com os populares. Lisboa, cinzenta e molhada, exultava de alegria. Na estátua do Rossio, guedelhudos invectivavam os transeuntes, apelando à sua prisão, agentes da PIDE, denunciavam, levando à sua detenção por populares acirrados, um tal Saldanha Sanches, de megafone na mão, clamava contra os traidores fascistas.
Em poucos dias, tudo mudou. O “careca megalítico”, de História, até ali sempre sorumbático, mostrava-se simpático e adepto da nova situação, opositor silenciado durante anos, rejubilava, receoso, o professor de Moral, esse, temia a anarquia. Embriagado pelas notícias da liberdade que de todo o lado choviam, animado por canções de protesto nunca antes escutadas, aos quinze anos, feitos entretanto, descobri mundos escondidos, os sons de José Mário Branco,  do Zeca, do padre Fanhais, de Luís Cília e Adriano Correia de Oliveira, na sala de alunos, manifestos policopiados e jornais de parede diariamente apelavam a RGA’s, onde se discutia tudo em acalorados plenários.
Nas semanas seguintes, o país transfigurou-se, a escola entrou em ebulição, os partidos dividiram as opiniões, os plenários foram sendo organizados, a democracia gatinhou, vendo os jovens a tornarem-se homens. Nada poderia deter a força indómita da geração da liberdade, prometendo escola para todos, a servidão enterrada, e um futuro a despontar por culpa duma manhã de Abril, em que para gáudio da turma não houve “ponto” de Física.
Passada a embriaguez desses dias límpidos, acreditei que para sempre haveria de viver num país livre, qualificado, progressivo, de baby boomers com vinte anos de atraso, mas a tempo ainda de apanhar o comboio. O futuro era azul cor de mar e verde melancia, só coisas boas poderiam vir, depois de anos de silêncio e mudanças bruscas. 
Foram tempos gloriosos. Comunicados policopiados, pichagem de paredes, oportunos e revolucionários “copos” no Bolero ou no Jamaica, para tudo acabar em olheiras no reconfortante Cacau da Ribeira.
Portugal mudou muito, entretanto,hoje já não há slows dançados nas garagens dos amigos ao som do Hotel Califórnia. Uma utópica alegria de rasgar caminhos nos uniu, e, apesar de madura, essa recordação sobrevive ainda, na nostalgia de amigos de Alex, a contas hoje com a tensão arterial ou com a próstata.Coexistiam Zeca, Pablo Neruda ou os Fisher-Z, perdidos nos esconsos das garagens, onde após lânguidos slows se prometiam amores eternos, e o nirvana do Shangri-La socialista. Foi no velho Hot Club que apanhei as primeiras “cardinas”, chamando princesa a uma desdentada, que por vinte escudos prometia felicidade à porta do Fontória. A vida era marcada pelos bares: o Archote, o Whispers, o Bolero, mais tarde o Jamaica, o Bora-Bora e o Charlie Brown, mais burgueses o Ad Lib ou os Stones, atrevidos, a Cova da Onça e o Pipodrom junto ao Coliseu, onde por uma moeda de vinte cinco escudos se espreitava pelo óculo  a Olga de Jurídicas, fazendo streaptease para pagar os estudos. Todos os rapazes da turma lá foram várias vezes, esbugalhando os olhos ante a visão celeste do corpo alvo da hoje ilustre advogada em Portimão.
Os anos passaram, a nosso modo respondemos à chamada do tempo, de sangue na guelra para as causas generosas, razoavelmente exigindo os impossíveis, pois só salvando o mundo nos poderíamos salvar. Salvou-se a memória, o orgulho de ter tentado, a certeza de não ter desistido.Hoje, como ontem, atrás de tempo, tempo vem, e todo o tempo é, e será sempre, composto de mudança. E José Mário Branco  foi um arauto dessa mudança, dos anos sessenta até hoje. Até sempre, Zé Mário!

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Por Sintra


Em espectral cenário, um tempo de deambulante passeio. Passeio sabendo a serra ao lado, milenar guardiã e larvar berço de lendas e histórias, de mouros e cristãos, visionários reis e viajantes, aristocratas e feiticeiros, espantados com o renovado verde, em presépio aninhando casas, palácios, fontes e miradouros. Em volta batem ritmos e matizes, surpresas e ilusões, alunos para a escola e funcionários para o serviço, senhoras para as compras e reformados para o jardim, agrilhoados contribuintes a pagar o dízimo ou utentes contando cêntimos para a conta da água.
Fugindo da selva de intrusivos carros e denodados arrumadores, deixamos os anzóis do Brancana e as apólices do Catarino, a garagem agora azul, depois dum passado negro, a Ideal e o prateado Faria, antes da Vila e dos skaters invadindo a Estefânea da Marrazes e Simões, do Tirol e Monserrate, dos chineses dos guarda-chuvas e velas, e também dos bancos, centros de usura predadores dos fracos.
O Carlos Manuel do povo fechou, aristocrático vestiu roupa nova, casa de ópera e Cadaval, desaparecida plateia de filmes a cinco escudos, de John Wayne e Cantinflas. E também de Maria João Fontaínhas e Alvim, operários da cultura num tempo em que não era proibido sonhar.
No trilho da vila, chamado pelo silvar ventoso e perfumado da serra, lá está a Correnteza, miradouro e varanda, parapeito de amores e de pombos, do Larmanjat ninguém já lembra, ondulante e inseguro. Como sempre, chegam turistas e mirones, a descobrir o éden terreal, e rostos de muitas estações, baptizados e funerais, festas do Cabo e da vila, cúmplices envelhecendo com a serra, fria no Inverno e cacimbada no Verão.
A viagem espectral chega ao momento zenital.Aproxima-se o burgo velho, e o som cadente dos cavalos, pretérita lembrança de reis e burgueses, dos Maias e do Alencar, de Garrett e Zé Alfredo, Anjos Teixeira e M.S.Lourenço. Vernacular, o torreal município é porta de entrada e fronteira, o leão de pedra o guardião, palpitantes os sentidos à vista da miríade encantada, a curva do Duche, o canelado odor da Sapa, o Valenças e as mansões, a água da fonte mourisca, jorrando, cristalina. E o Grande Maior, da feiticeira Llansol, as camélias de Nunes Claro, o vulto do Carvalho da Pena cavalgando, vetusto druida da serra e dos lagos.
Ofegante, chega enfim a vila, utópico altar de poetas, lusitano reino dum palpável Parnasso. Não se vêm, mas pressentem-se, Rui Mário, Zé do Sabugo, Paulo Campos dos Reis, generosos actores de muitas gerações, as danças medievais e os bailes das camélias,bem como os vitoriosos patins do Raio e do Cipriano. E gulosos se saciam os sentidos na Periquita, absorvendo segredos de açúcar quais orgias do paladar, à sombra tutelar do Paço.
Apurados os sentidos, a escadaria enfim, para hipnotizados mirar o castelo e invisíveis ogres lançando caldeirões de azeite, e catalépticas bruxas invadindo a noite em invisíveis vassouras, e escutar os passos dum rei prisioneiro, e o ecoar das festas joaninas, Camões lendo para um rei alucinado, a condessa d’Edla e Viana da Mota acorrendo ao repicar do sino em S. Martinho.


Invisíveis faunos e visíveis heróis, incensados e perdidos, esperançosos e idealistas tomam então lugar no camarote do Tempo, com escolta da Nação dos pássaros, as camélias e as fontes todos abraçam, anunciando um lauto festim dos sentidos, à sombra da argêntea Lua.Sintra, eterna, única, e nunca por demais cantada.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Júlio Diniz, hoje




Há 180 anos, a 14 de novembro de 1839, nascia no Porto Joaquim Gomes Coelho, que passou à História como Júlio Diniz. Prematuramente vítima de tuberculose, que o levou aos 31 anos, dele nos ficaram clássicos da literatura portuguesa como A Morgadinha dos Canaviais, Uma Família Inglesa, Os Fidalgos da Casa Mourisca ou As Pupilas do Senhor Reitor. Júlio Diniz é hoje um nome secundarizado e esquecido, apesar dos frescos literários com que nos aproximou duma sociedade rural e nortenha, com o seu cunho pueril e de apego a tradições e valores. Talvez por isso esteja para muitos datado, como o estão Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Fernando Namora, João Araújo Correia ou Miguel Torga, arautos dum Portugal de serranias, aldeias pacatas e famílias obedientes e crentes a Deus.
Ler Júlio Diniz, para mim, urbano e ávido do que vinha de fora do rincão, nesses atónitos anos setenta, foi beber e descobrir um Portugal desconhecido, que em Júlio Diniz e noutros autores ia da faina no Douro às lavadeiras de Caneças, do Alentejo de  agrários e gaibéus às terras do Demo, graníticas e de ventos silvantes, e embrenhar-me num linguajar e hábitos longe dos da pequena burguesia das Avenidas Novas, onde esse mundo chegava apenas por via de alguma criada que vinha servir para casa dos meus avós ou pela visita de algum primo afastado, carregado de couves, queijos e galinhas a cada visita, exótica e colorida, mas ao mesmo tempo autêntica e generosa.
Ainda hoje relembro esses livros da minha infância, hoje considerados “clássicos”, mas distantes dos (poucos) leitores que ainda sobram. Já não há nas serranias de Portugal nem morgadinhas, nem pupilas, nem reitores, hoje só “territórios de baixa densidade”, desertificados e envelhecidos, como as pedras milenares deste velho Portugal. É pena.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Dizer não antes de dizer sim


Não queremos o lítio em Montalegre, não queremos a barragem do Fridão, não queremos a dragagem no Sado, não queremos a Torre das Picoas, não queremos o prédio no quarteirão da Portugália, não queremos o aeroporto do Montijo (nem o da Ota, ou o de Alcochete) , não queremos o petróleo em Aljezur, não queremos carne de vaca, não queremos o glifosato. Como no passado não quisemos as Torres das Amoreiras (hoje Prémio Valmor) a Expo 98, o Euro 2004, o CCB, a Casa da Música, o Túnel do Marquês, o Túnel do Marão ou o Museu dos Coches. Ainda gostava de saber o que é que se faz ou fez em Portugal  que seja unânime ou desejado por todos.

Recordo aqui um trecho do final de “Os Maias”, em que, passeando por Lisboa, Carlos da Maia e João da Ega criticam o então novo obelisco dos Restauradores, que imitava Paris , mas para pior:
"- De modo que isto está cada vez pior...
 - Medonho! É dum reles, dum postiço! Sobretudo postiço! Já não há nada genuíno neste miserável país, nem mesmo o pão que comemos!"
E hoje? Alguém ousaria retirar o obelisco dos Restauradores? Como desde sempre, continuamos a reclamar do falso e do postiço, contudo, só até que a memória se desvaneça, e faça do presente o passado do futuro. 
Gritou-se contra o fim do Passeio Público, em Lisboa, hoje alguém ousa gritar contra o fim da Avenida da Liberdade? Clamou-se por fazer do convento onde em pleno Chiado se instalou o Grandella, mercantil boteco em espaço espiritual, alguém ousou não repor o Grandella depois do incêndio de 1988? Como escreveu o Padre António Vieira, “Não há poder maior no mundo que o do tempo: tudo sujeita, tudo muda, tudo acaba.”
Tudo é efémero. Omnia est unum diem durantia!


sábado, 9 de novembro de 2019

Já não há nadadoras em Berlim



Recordo uma visita a Berlim em 1980, ainda jovem estudante, e a impressão que me fez, mais que o muro, a diferença abissal entre uma cidade viva, colorida e cosmopolita, e o seu lado oriental, cinzento, sem lojas ou néons, imperial, mas parada no tempo. Só o Checkpoint Charlie, twilight zone de dois mundos, permitia a experiência duma visita ao socialismo, para mim à época tudo menos aquilo que se me apresentava. Nesse tempo, a RDA, para mim, eram as nadadoras musculadas dos Jogos Olímpicos e os pares da patinagem artística, conquanto uma certa esquerda vendesse aquele mundo como o produto do sucesso da economia planificada, no quadro do COMECON e do Pacto de Varsóvia.

Essa parte da Alemanha, talvez por muitos anos ter vivido isolada e ter sentido a dificuldade da integração face a um ocidente mais próspero, é a que hoje mais rejeita os estrangeiros, que sente como melhores recebidos que eles próprios após a unificação, e onde prosperam partidos xenófobos como o AfD.

Trinta anos depois, permanece por saber qual o futuro da Alemanha europeia, gorados que foram duas vezes no século passado os sonhos duma Europa alemã. Quando outros querem erguer muros, é no entanto bom celebrar a queda de outros, se não totalmente nas mentalidades, pelo menos na geografia.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

O regresso de Calisto Elói

O deputado do Chega, André Ventura, quer ser o novo justiceiro da politica portuguesa. Depois de alguns anos a perorar sobre o Benfica e sobre casos de polícia na pantalha da CMTV, que o acobertou, usando do tempo de antena gratuito que a Cofina lhe deu, chegou a um assento em S. Bento, qual novo Calisto Elói dos indignados com a criminalidade, na defesa estoica dos valores nacionais, na aversão à ciganada, e no incitamento às galés perpétuas para a escória ignóbil, assim captando a aceitação salivante da populaça que exige sangue e fogueiras, dando voz (vox?) aos taxistas irados, aos velhos saudosistas da leitaria de bairro ou aos utentes  suados dos comboios suburbanos ao fim da tarde.
Sob a capa da Justiça, o novo indignado de colarinho branco cavalga a vox pop da espuma dos dias, salivando contra “eles”, mas com uma nuance em relação à direita musculada e exuberante: Ventura tem aquele ar de filho de família que à tarde vai lanchar com a avó, vai à missa, e grita pelo Benfica, português médio e bom pai de família. Ouvindo-o, ninguém o leva preso, ali não se vêm matracas, tatuagens guerreiras, ou cabeças rapadas, tudo é elegantemente bourgeois, a firme voz da razão e o clamor pela justiça, verdadeiros, tardiamente descoberto como o mais recente Nun’Álvares da Pátria. E tem tudo para dar certo: urbano e educado, doutor em Direito, benfiquista indefetível, em cruzada contra os corruptos, a morosidade dos tribunais ou a invasão dos migrantes berberes, sequiosos do RSI. Num tom sereno e cativador, quem verá ali um Fuhrer da Segunda Circular ou um sanguinolento Torquemada de gravata?
Tudo espremido, Ventura decidiu cavalgar a notoriedade que uma televisão tablóide lhe proporcionou, com exposição diária na pele de provedor dos indignados. Lançado o isco, alguns morderam. Veremos se ao fim de 4 anos, qual Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimas, a lapidar personagem de Camilo em "A Queda de um Anjo", não veremos o deputado Ventura rendido às prebendas do regime, conquistado que foi o assento (mesmo sem ter sido necessário cortar o corrimão) no conforto de S. Bento.

No Dia Mundial do Urbanismo



Hoje é o Dia Mundial do Urbanismo, data instituída em 1949 pelas Nações Unidas, com o objetivo de promover a integração entre a Comunidade e o Urbanismo, e criada em 1934 pelo engenheiro argentino Carlos Maria Della Paolera, então diretor do Instituto de Urbanismo da Universidade de Buenos Aires, e redigiu um manifesto intitulado “O Símbolo do Urbanismo”.
O Movimento moderno na arquitetura e no urbanismo pregava que a atividade de planear as cidades era matéria de ordem eminentemente técnica, e que, portanto, possuía a neutralidade política inerente ao trabalho científico. Tal pensamento formalizou-se especialmente com o trabalho dos Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna, e com a Carta de Atenas.
Entre 1900 e 1930, muitas cidades nos Estados Unidos introduziram comissões de planeamento urbano e regras de zonamento. Um dos mais famosos planos de revitalização urbana desse período foi o Plano Burnham, que revitalizou uma grande parte de Chicago.
Nos tempos modernos, veio a assumir especial acuidade a necessidade de Planeamento, e como categoria maior do mesmo, e entre nós desde a década de 80, os Planos Diretores Municipais. 
Um plano diretor mostra um território como ele é atualmente e como deverá ser no futuro, tendo como objetivo principal, fazer com que a propriedade urbana cumpra a sua função social, com o atendimento do interesse coletivo em primeiro lugar, em detrimento do interesse individual ou de grupos específicos da sociedade.
Em Sintra, território que cresceu desordenado, e onde o planeamento chegou depois do desastre consumado, urbanismo significou durante os últimos anos uma multiplicidade de realidades: o casuísmo sem planeamento, a cacofonia decorrente de conflitos entre uma pluralidade de entidades que se arrogam tutelar o território e a pressão imobiliária, conduzindo a que nos anos 70 a 90 se tivesse produzido a tempestade perfeita, facilitada pela procura habitacional facilitada por crédito fácil e uma economia dinamizada pelas obras públicas e a integração europeia, e a proximidade a Lisboa, fazendo do fator localização o cerne dum urbanismo de renda fundiária e não de planeamento urbano coerente.
Em minha opinião, para um Urbanismo virtuoso, deveria em cada cidade o  PDM ser objeto de revisão em permanência e não apenas nas datas burocraticamente previstas,(aliás, raramente respeitadas) adequando-os à dinâmica da economia local e num quadro inter-regional, corrigindo os erros dos PDM de 1ª geração Nessa perspetiva, importante será um quadro geral em que o paradigma seja a captação de investimentos sustentáveis e geradores de qualidade e receita qualitativa, através dum quadro urbanístico, ambiental e fiscal claro, supervisionado por uma Agência Municipal de Investimentos dinâmica e com poder real de facilitação entre serviços; fazer coincidir as ambições de gestão do território das várias entidades num mesmo espaço categorial, seja no PDM, PP’s ou outros instrumentos vinculantes para a gestão do território ;promover cartas de redes que permitam integrar e orientar as intervenções dos fornecedores de serviços públicos e assim planear as suas atividades, bem como reforçar o papel de autoridades locais de transportes e acessibilidades; e agilizar o processo da elaboração de planos de pormenor que estariam em atualização permanente, abertos á sociedade e ao escrutínio dos destinatários duma verdadeira Democracia do Território, adotando critérios de governação que deixem ao PDM um papel de estratégia e a planos mais concretizados a ação e intervenção necessários. O PDM deve partir do conceito de Direito ao Território e não de Direito à Construção, onde se pondere a possibilidade de elementos urbanos em espaços rurais, pois o conceito de espaços delimitado é demasiado estanque e redutor, deixando de fora os direitos dos proprietários rurais, suas famílias e atividades económicas (extinguindo-as, na prática), se defina quais e o que são áreas urbanas programadas, reduzindo as áreas urbanizáveis e criando um capítulo para análise do mercado imobiliário e das mais valias expectáveis com as intervenções previstas e permitidas.
Um Plano Diretor de 2ª geração deve definir um quadro prático de promoção da reabilitação urbana e da habitação, tendo em conta as suas carências efetivas, os agricultores, as segundas residências, mapear as zonas de risco e as dos recursos naturais (zonas de incêndio, cheias, sismos, energia), definir a rede ferroviária, tão esquecida nos planos anteriores, e agilizar ao nível autárquico a gestão, enquanto competência própria, das áreas de servidão, de RAN e REN e de especial proteção.
Deve, enfim, apostar num paradigma de participação, de todos e para todos, salvaguardando as garantias dos particulares, a articulação com as entidades e clarificando as competências das autarquias, enquanto entidades de maior proximidade na gestão do território.
Com tal quadro mental se pode e deve apostar num novo Urbanismo, que atento às realidades de Espaço e às circunstâncias do Tempo, crie cidades inclusivas para habitantes felizes.


sábado, 2 de novembro de 2019

Joacine


Discordando na maior parte das vezes de João Miguel Tavares, não posso deixar de acompanhar a reflexão que hoje faz no PÚBLICO sobre a eficácia da forma como a deputada do Livre poderá levar avante o seu mandato.
Um parlamentar é eleito para (supostamente) fazer passar mensagens, marcar posições, e divulgar agendas, objectivos que com Joacine Katar Moreira, na medida em que é deputada única do seu partido, se perdem na sua complexa e arrastada oralidade, que leva a que quando acaba uma frase ninguém se lembra de como começou. Invocar que quem contesta esta realidade é racista e despreza os direitos de quem sofre de deficiências (neste caso chamar.lhe-ia disfuncionalidades) é menorizar o problema, que, quanto a mim, só prejudica o próprio Livre.
Não sendo eleitor desse partido, respeito a riqueza para o debate de ideias que o mesmo trouxe, pela voz e mão sobretudo de Rui Tavares, mas, receio muito que de futuro o debate em torno dos pró ou contra Joacine virão a relegar para segundo plano as ideias do próprio Livre. Pode ser que com a continuação a vertente nervosa provocada pelos microfones e pelos holofotes diminua.